NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM ESTADO LAICO
Algo inédito na história política brasileira é um candidato ultradireitista conquistar a presidência pelo
voto. No passado tivemos experiências parecidas de candidatos que disputaram cargo
de presidente, porém, sem êxito. Os períodos ditatoriais tiveram como protagonistas, a exemplo de 1937, o presidente “eleito”
Getúlio Vargas, que se utilizou de uma farsa histórica, a ameaça comunista, para decretar o Estado Novo, golpe de estado que o manteve no poder até
1945. O conhecido Plano Cohen, que resultou na permanência do poder foi forjado em novembro de 1937 por integrantes do alto escalão do exército brasileiro e só descoberto oito anos depois.
O
episódio golpista de março de 1964, também foi um processo verticalizado, ou
seja, forças externas associadas ao exército, apoiados por uma elite econômica
nacional, depuseram o presidente eleito João Goulart instalando uma ditadura duradoura
e perversa. As eleições do último domingo, 28 de outubro, foi sem dúvida um
caso emblemático na nossa histórica. Teria a eleição de outubro de 2018 alguma
similaridade com o fato ocorrido em novembro de 1937?
Na
época acusaram os comunistas de tentativa de tomar o poder no Brasil. A
indicação do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público Federal do Paraná para o
posto de Ministro da Justiça do governo eleito, pode ser interpretado como um
possível golpe de Estado? A reflexão se faz por ter sido ele o responsável pela
condenação em segunda instância de Lula, virtual vencedor das eleições se fosse
deferida sua candidatura.
Na
contabilização final dos votos, um terço dos eleitores que não optaram por
nenhum dos dois candidatos contribuiu indiretamente para a confirmação de um
consenso político, ou seja, apoio informal ao programa de governo do presidente
eleito. O fenômeno revelador nesse histórico
processo eleitoral é o possível fim do modelo idealizado sobre o provo
brasileiro, caracterizando-o como gentio, solidário, tolerante, etc. Desde as
mobilizações de junho de 2013 tais adjetivos foram postos à prova no grande palco
das ruas.
Por
todos os cantos emergiram grupos sociais com discursos ultra direitistas que
pavimentaram os caminhos que reverberam em comportamentos atípicos àqueles que
moldaram nosso imaginário, alguns dos quais transformados em versos e que ilustram
o hino nacional, ex: De um Povo heróico Brado Retumbante. Algo que deve ser ponderado é quanto a certos
discursos consensuais ditos durante a campanha, alguns deles insistindo
enquadrar todos/as os eleitores/as do candidato Bolsonaro como fiéis defensores
do fascismo. É sabido que milhares de
eleitores/as que depositaram o voto ao candidato do PSL o fizeram instigado
pela desesperança, raiva de longa data de práticas de corrupção, roubalheira
que, sorrateiramente, a mídia golpista alocou toda a responsabilidade ao PT,
transformando-o como único bode expiatório.
Por
outro lado, a figura de capitão do exército, fez despertar das profundezas do cérebro
humano, demônios adormecidos, entorpecidos por sentimentos individualistas, de crenças
esdrúxulas e de um moralismo tosco, medieval. Quando cair a fixa, e não
demorará muito, os eleitores de Bolsonaro irão perceber o tamanho do erro que
cometeram no dia 28 de outubro de 2018. Se
o novo presidente não tiver habilidade e inteligência suficiente para
equilibrar as pressões dos ultraconservadores de um lado, e dos antipetistas,
despossuídos e desiludidos, do outro, o governo tenderá a cair com brevidade, tal
qual foi sua galopante ascensão ao poder.
Outro
prisma temeroso do candidato eleito foi quando do seu pronunciamento pelas
redes sociais, de sua residência, exibindo obras literárias das quais o inspiraram
e que conduzirão seu governo. Dentre os livros mostrados estava o principal
símbolo dos cristãos, a bíblia sagrada. Ousou até a citar trechos do evangelho.
Adultos e crianças sabem que todo/a cidadão/a brasileiro/a tem assegurado/a constitucionalmente
liberdade para expressar suas crenças, porém, para um estadista, guardião do
Estado republicano, Laico e democrático, beira a insensatez.
Seria
até tolerável se o fizesse citando todas as crenças, não excluindo os que se
declaram ateus e agnósticos. Diante da tamanha complexidade do tecido religioso
brasileiro, hoje em dia os clérigos integrantes de credos tradicionais estão
fugindo do proselitismo clássico e assumindo posturas ecumênicas,
compartilhando idéias que são aceitas por outros cultos.
O
crescimento dos credos de tradição pentecostal no Brasil vem ratificando
mudanças significativas até mesmo no mapa político/partidário das câmaras municipais,
dos parlamentos estaduais, do congresso nacional e até mesmo nas principais instâncias
do judiciário. A cada pleito eleitoral, novos membros de cultos cristãos são
eleitos ou reeleitos, transformando gabinetes e instituições de poder/laico em escrachadas
extensões de seus templos. Há pouco tempo uma liderança importante de uma
poderosa agremiação religiosa confessou que a vitória de um candidato pastor de
sua igreja à prefeitura de uma importante cidade brasileira seria a demarcação
de um projeto maior, mais ambicioso, a conquista do palácio do planalto.
A
vitória de Bolsonaro talvez, à primeira vista, não tenha sido o objetivo
traçado por essa igreja, porém apresenta todas as credenciais de quem irá
executar o plano de inserção do doutrinamento teocrático no país. E ainda falam
da escola sem partido, doutrinamento comunista e outras besteiras. Embora tenha
se declarado católico, convergiu para o seu entorno um enorme contingente de
seguidores evangélicos, que não para de crescer em todo o país. Sua estratégia
de campanha ao lançar o slogan “Brasil
acima de tudo e deus acima de todos”, se não foi determinante para sua
vitória eleitoral, contribuiu enormemente.
Essa
intervenção do culto à fé às coisas do Estado é uma forte ameaça à já frágil democracia.
Fé e Estado não conseguirão conviver em harmonia, pois sempre tenderá excluir
grupos que não compartilham com tais crenças. A tendência, portanto, é a
supressão definitiva do estado laico, instaurando dessa feita um regime similar
às teocracias do oriente médio. Existe um detalhe importante a considerar,
nesses regimes parcela expressiva da população é integrante de um mesmo credo
religioso. Sobre o Estado Laico brasileiro, o atual presidente eleito, respondeu
em uma ocasião quando perguntado sobre laicidade: “não tem essa história de estado laico, e quem não concorda que se
mude”.
Para
uma população majoritariamente religiosa como a brasileira, o discurso de
Bolsonaro, evocando mais o nome de Deus que de coisas ligadas a republica,
tenderá a ser a aceito e hegemonizado. É notório que os princípios iluministas
do século XVIII, Liberdade, igualdade e fraternidade, que inspiraram os
movimentos revolucionários da América hispânica e portuguesa, caso do Brasil, com
a separação do Estado e da Igreja, em 1889, com o atual presidente, tenderá a
recrudescer com um possível Estado Teocrático?
Esse
recrudescimento a certos costumes medievalescos, principalmente o do núcleo
familiar tradicional, hétero, como estão apregoando grupos ultraconservadores membros
da bancada da bíblica no congresso, dificilmente terão êxito, a não ser
suprimindo a constituição. A única possibilidade dos fanáticos doutrinadores,
ultraconservadores, agora no poder, de avançar com seu plano mirabolante de
construção de uma nação fundamentada nos princípios da fé, é reestruturando a
educação básica brasileira. Não há dúvida que o próximo ministro da educação deverá
apresentar credenciais de quem irá propor medidas nesse sentido, como a
supressão do evolucionismo Darwiniano e a inserção do criacionismo no currículo.
Esse
deverá ser, portanto, um projeto político ideológico de médio e longo prazo.
Com uma sociedade sem Paulo Freire como mediador dos currículos escolares,
substituindo-o por livros sagrados ou princípios doutrinadores, poderemos estar
caminhando para o mundo das “trevas”, aquele mesmo revelado pelo escritor
italiano Umberto Eco muito, bem detalhado no seu magnífico livro o Nome da
Rosa.
https://www.youtube.com/watch?v=s6kXlG_NrpQ
Prof.
Jairo Cezar
Nenhum comentário:
Postar um comentário