ARTES
PLÁSTICAS COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO PARA EXTERNIZAR SENTIMENTOS E IMPRESSÕES
DO COTIDIANO SOCIAL
Desde
os tempos mais remotos, os primeiros seres humanos utilizavam os desenhos ou
pinturas rupestres para se comunicarem. Graças aos signos pictóricos
preservados em vários lugares do planeta, ainda hoje historiadores e outros
pesquisadores de áreas distintas se debruçam nessas fontes para tentar
compreender o modo como esses povos se organizavam e compreendiam o mundo.
Embora a escrita tenha se sobrepujado a arte pictórica mais tarde, o desenho
com grafite, a escultura, o mosaico, a pintura a óleo, entre outros gêneros
artísticos, permanecem vivas em quase todas as culturas.
Algumas
culturas como as mesoamericanas não desenvolveram a escrita como ferramenta
convencional de comunicação. O emprego da oralidade e de símbolos pictóricos
como desenhos, esculturas, se constituíram em recursos necessários para
comunicar-se, transmitindo saberes de geração para geração. A pintura em tela,
com o emprego de tinta a óleo, permitiu que muito do que se sabe hoje de
algumas culturas, cenários, estéticas, costumes, etc, fosse possível graças aos
trabalhos deixados por artistas de extraordinária sensibilidade e habilidade
técnica.
Qualquer
pintura ou desenho, representado em tela ou não, quem o fez, procura ou
procurou expressar seu sentimento ou visão de mundo naquele momento. Portanto, qualquer
indivíduo, artista plástico ou não, não estará imune a influência dos arcabouços
culturais da sua época. Tanto antes como nas fases subsequentes a renascença,
todas as pinturas estão repletas de traços subjetivos do período representado. No
Brasil a pintura teve forte influência na formatação da identidade nacional.
Desde a época do império, o Estado contratava pintores profissionais para
representar cenários e fatos históricos importantes do cotidiano social.
Geralmente
os episódios exteriorizados nas pinturas que decoram salões e espaços públicos
atualmente, como o quadro retratando o enforcamento de Tiradentes, não
correspondem exatamente aos fatos ocorridos. Cenários e personagens eram
forjados com o intuito de fabricar heróis
imaginários para despertar sentimentos nacionalistas. Portanto, a arte tende muitas
vezes a ser dissimuladora, opressora, aprisionadora, submetendo gerações e
gerações ao domínio cego de grupos dominantes. A arte não pode ter regras,
leis, deve trilhar seu próprio caminho, pois arte é sinônimo de liberdade.
Todo
artista, quando faz uma obra de arte, é impulsionado por algum desejo,
sentimento. Durante o processo de construção de um projeto, pintura, escultura,
mosaico, etc, cada centímetro concluído desencadeia turbilhões de emoções. Cada
obra pintada é única, inrepetível.
Iniciar qualquer atividade artística não tem idade e nem tempo específico. Pode
ter como força motivadora as aulas de educação artística no colegial, um curso
acadêmico, ou até mesmo episódios extremos na vida, ou seja, um estresse
emocional, cuja arte assume uma função terapêutica de ressignificação da vida.
Foi
exatamente o que aconteceu comigo em 2006, depois de ter sofrido um violento estresse
emocional que me levou ao recolhimento absoluto. Os primeiros rabiscos e
pinceladas com tinta guache davam mostras de que tal atividade contribuía para
minimizar a ansiedade extrema. Em 2007,
mesmo diante da fragilidade dos movimentos psicomotricial, decidi me matricular
em uma escola de artes plásticas. O primeiro contato formal com os pincéis e um
punhado de bisnagas multicoloridas de tinta a óleo foi o sinal de que algo
importante estava acontecendo.
Um singelo desenho de uma paisagem a beira mar estava na frente dos
meus olhos para colorir. Agora não havia mais retorno, mesmo com as mãos
trêmulas resultante da ansiedade veio à revelação. O pequeno quadro com coqueiros,
raios de sol iluminando a manhã e
pássaros deslizando num céu alaranjado, ambos revelaram que a arte é sim transformadora,
curativa. Não é por acaso que escolas que atendem crianças e adolescentes
especiais e até mesmo clínicas para tratamento de pessoas com distúrbios
psicológicos, a arte, como terapia ocupacional, é um excelente recurso para
minimizar os sintomas.
Com
a conclusão do primeiro trabalho, outros e mais outros vieram em seguida. A
cada quadro pintado era perceptível que meu estado de ansiedade a cada dia
vinha diminuindo. Isso abriu caminho para alçar vôos mais altos, a ponto de
querer até abandonar as cópias prontas e
arriscar assumir um estilo próprio. O academicismo, talvez influenciado pelo
estilo de arte aprendida no período escolar, tornou-se parâmetro para as minhas
produções dali para frente. A reprodução
de cenários paisagísticos singulares, casarios, igrejinhas e monumentos de
relativo valor histórico, cada vez mais guiaria meu olhar ao mundo sensível da
arte reveladora.
Por
que não utilizar a artes plásticas para entender a luz das cores e formas os
distintos cenários paisagísticos e arquitetônicos do município de Araranguá,
cujas imagens e ângulos revelam ambientes que estão descritos em preto e
branco. Transpor imagens para a tela e colori-las, a exemple das pinturas
abaixo, não foi tarefa simples como se presumia. Uma intensa pesquisa em obras
de artes visuais e no livro “Florianópolis: paredes do passado, de Ney Claudio
Franzoni Viegas, contendo imagens e descrições dos casarios da capital do
estado do século XIX e XX, contribuíram para definir as cores usadas nas pinturas inspiradas em fotografias em preto e branco que
retratam certos aspectos da cidade de Araranguá no começo do século XX.
Em
quase dez anos conciliando trabalho docente e aprendiz arte um pequeno acervo de
singelas pinturas foi materializado, onde cada obra concluída, cada detalhe
mostrado, trazia a revelação de que a arte pode sim trazer a cura
libertando-nos das grades dos nossos
demônios/domínios inconscientes. A
libertação se revela quando nos desafiamos aos erros ou quando rompemos com
padrões cartesianos que mostra um mundo perfeito, estável. Arte é manter-se em
permanente instabilidade, desafiando a imaginação construindo ou desconstruindo
cenários possíveis e previsíveis. A arte, portanto, tanto pode servir para insubordinação, transgressão de conceitos e
valores morais dominadores, como também instrumento de fortalecimento da
estratificação social, ou seja, divisão de classes.
Em
2017 a convite da secretária da cultura do município de Araranguá algumas telas
foram expostas junto com outros trabalhos no Hal de entrada da câmara de
vereadores de Araranguá. Muitas pessoas se sensibilizaram quando se depararam
com pinturas contendo paisagens, ambientes de reunião popular, etc, que relembravam cenas vividas da infância. O
fato é que a pintura fez aflorar outro desejo, a arte do mosaico com peças de
cerâmica. Sem muita técnica e destreza, menos ainda de ferramentas apropriadas,
apenas um alicate para o corte das peças, me arrisquei a confeccionar os
primeiros trabalhos utilizando janelas refugadas de casarios.
Folheando
algumas revistas especializadas em arte de mosaico ou conhecendo in loco os desenhos
que narram a história da America Latina retratada nas paredes do prédio da
reitoria da UFSC; os inúmeros mosaicos decorando entradas de prédios em
Florianópolis e locais estratégicos em Itajaí,
me instigou o desejo de fazer algo semelhante. E por que não? Foi só
escolher o desenho, o local, reunir as peças com as cores desejadas, e mão na
massa, literalmente. Quatro ou cinco meses depois estava concluído o que se
imaginava ser trabalho exclusivo de artistas renomados. Em culturas clássicas
como os bizantinos, a arte em mosaico sempre assumiu uma representação
simbólica determinante no imaginário das pessoas.
Escolher e representar em fragmentos de
cerâmica um pequeno recorte do inigualável cenário paisagístico do Morro dos
Conventos não foi tarefa tão fácil. Delimitar uma escala que não extrapolasse para
mais ou menos as dimensões originais do desenho também foi outro trabalho
de parto. Embora não tenha atingido os
objetivos desejados em termos de proporcionalidade em relação às figuras, a
obra artística, além de inspiradora, emociona os mais sensíveis, que buscam na
arte respostas às várias perguntas que fazemos, dentre elas nosso papel nessa
vida e o que é necessário para ser feliz?
Por
cerca de dois anos vivi certo recrudescimento não produzindo novos trabalhos em
pintura, apenas fazendo alguns reparos naquelas telas que sofreram alguma
avaria em decorrência do tempo. Quase todas as pinturas produzidas estão
expostas na residência dos meus pais ou no restaurante Cesa no Morro dos
Conventos. No começo de 2018, a surpresa. Um proprietário de uma galeria
comercial localizada no centro da cidade me fez o convite para expor os
trabalhos na mesma. No início relutei, porém fui convencido de que as obras
expostas seriam como um corpo nu aberto ao julgamento e críticas.
Dito
e feito, por três semanas cerca de quinze telas ficaram distribuídas no
interior do prédio, onde circulavam centenas de pessoas diariamente. Era
preciso saber a opinião do público que transitava pelo local e parava diante
das imagens. O que motivavam suas paradas em frente das telas, o que procuravam
saber, etc? Talvez muitas dessas perguntas jamais se terão respostas, pois nem
todos que contemplaram os trabalhos quiseram externizar o que sentiam no
caderno ali disponibilizado para tal fim. Mais de cem pessoas ousaram em
assinar seus nomes e até mesmo expor suas opiniões ou críticas às obras
distribuídas nos cavaletes.
Embora
eu sendo um tanto crítico acerca do meu trabalho sempre acreditando que poderia
ser melhor, as opiniões quase unânimes dos que registraram no livro me fez
acreditar que devo continuar insistindo nesse estilo de pintura, que segundo
uma colega, professora de artes, alguns quadros tem similaridade com as
pinturas do artista Frances, Renoir. Uma opinião desse nível, é claro, deixaria
qualquer um lisonjeado. No mesmo dia que fazia o recolhimento das telas,
consultando as mensagens no E.mail, lá encontro o recado enviado por uma cidadã
funcionária de uma grande rede de super mercados do estado, me convidando se eu
tinha interesse de expor as telas em uma das lojas no município de Criciúma.
Sem titubear, minha resposta foi positiva. Agora é prepará-las e enfrentar um
novo desafio que somente a arte proporciona.
Prof.
Jairo Cezar
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