MINERAÇÃO DE CARVÃO PODE AMEAÇAR O
ABASTECIMENTO DE ÁGUA E O TURISMO SUSTENTÁVEL NA COMUNIDADE HISTÓRICA DE RIO
MOROSINI, TREVISO/SC
Retornando
depois de três anos à comunidade tradicional de Rio Morosini, localizada no
município de Treviso, o objetivo agora era conhecer em loco as pousadas
sustentáveis que estavam sendo concluídos na época pelo proprietário, bem como
os trâmites relativos ao complexo processo de uma empresa mineradora que
requeria autorização para minerar no subsolo da região. Na época quando lá estivemos
tanto Mario Anelli, que também é líder comunitário, parcela da população do
município e o MPF(Ministério Público Federal), ambos estavam integrados e
contrários a realização de audiência pública com vistas a liberação de licenciamento
ambiental para a mineração.
A
apreensão dos cidadãos/as que se opunham e se opõem ao projeto é que a área de
interesse para exploração é exatamente onde está situada a comunidade de Rio
Morosini, com mais de cem anos de história e também onde estão concentradas as
principais nascentes da bacia do rio Araranguá. São tais nascentes que
abastecem com água centenas de famílias da região. Projeto de mineração
semelhante ao pretendido para o subsolo dessa comunidade foi licenciado em
outros lugares pelos órgãos ambientais. O resultado, portanto, foi trágico,
pois contribuiu para o rebaixamento dos lençóis freáticos e a extinção de todas
as vertentes.[1]
Muitas
residências sofreram rachaduras, algumas até chegaram ao extremo de sofrerem
desmoronamentos, como no centro de Treviso, cuja cobertura do solo minerado ou
profundidade varia entre 4 a 5 metros da superfície. Quando Mario Anelli, que também
é vice-presidente da ADM de Rio Morosini, afirma que a mineração irá
comprometer o abastecimento de água da região, ele fundamenta seu argumento em
episódios semelhantes ocorridos no próprio município, como também nos
municípios de Forquilhinha e Içara. Desde o momento que a empresa interessada
Carbonífera Belluno apresentou o projeto de mineração, já ocorreram três
audiências, todas se tornaram inválidas pelo fato do EIA/RIMA apresentar alguma
irregularidade.
A
quarta audiência pública para tratar sobre o assunto ocorreu no dia 04 de
agosto de 2016, na própria comunidade de Rio Morosini. A FATMA e o MPF
estiveram presentes e solicitaram prazos para avaliar os processos apresentados
pela empresa interessada na mineração. Mario não acredita nos argumentos apresentados
pelos representantes da empresa quando afirmam que o projeto é seguro e que não
comprometerá os recursos hídricos da região. Informou o representante
comunitário que na terceira audiência, realizada em julho de 2016, o RIMA não apresentava
qualquer plano de abastecimento humano na hipótese das vertentes secarem.
A
mesma empresa que está interessada em minerar a região foi condenada no passado
por crime ambiental, cuja medida compensatória foi a construção de uma estação
de água para o abastecimento humano nessa comunidade e de Volta Redonda. Esse
sistema de captação, que é gerido pela própria comunidade de Rio Morosini,
atende atualmente cerca de 150 famílias e tem capacidade suficiente para
abastecer quase toda a população do município de Treviso. A água captada pela
estação é de excelente qualidade, sendo que até pouco tempo o único processo
adotado pela estação era o de filtragem, dispensando a aplicação de cloro.
Porém a ADM (Associação de Desenvolvimento da Microbacia) teve que se adequar
as legislações vigentes, adicionando cloro na água para remover possíveis
impurezas presentes na água.
Quanto
as pousadas e o turismo ecológico, citadas acima por Mario, que são opções de
renda às famílias residentes no Rio Morosini, na visita ao empreendimento já
concluído pode ser comprovado que com criatividade e consciência ambiental é
possível se utilizar dos recursos naturais com o mínimo de impacto. Hoje em dia
um dos maiores problemas enfrentados pelas cidades brasileiras e especialmente
as litorâneas é a questão do esgotamento sanitário. O estado de Santa Catarina
é um dos que possui menor percentual de esgotamento tratado e o resultado são
os rios, córregos, lagos e praias poluídas.
A inquietação
do proprietário das pousadas foi antes de construí-las em um local paradisíaco
e extremamente frágil ambientalmente, pesquisar formas alternativas e baratas
para a reutilização do esgoto e o aproveitamento da água. O tratamento do
esgoto das pousadas ocorre por meio de filtros instalados próximos aos
empreendimentos, cujo material sólido é aproveitado como adubo orgânico no
cultivo de árvores frutíferas e jardins. Toda a água utilizada nas pousadas é
canalizada das nascentes que escorre por gravidade. Além do seu uso doméstico a
água também abastece duas piscinas onde os hóspedes podem desfrutá-las em dias
quentes.
No
lugar das tradicionais telhas ou coberturas artificiais que tornam os ambientes
das residências um tanto quanto abafados, o empreendedor procurou ousar. Por
que não construir telhados verdes, pois além do aspecto estético agradável, a
grama mantém o ambiente interno da residência sempre fresco, não necessitando
de ventiladores muito menos ar condicionado. Realmente a intenção do
proprietário das pousadas foi fugir definitivamente dos clichês tradicionais na
área de hotelaria, oferecendo aos hóspedes, conforto, conhecimento diante de
cenários contemplativos.
Um
dos inconvenientes possíveis de serem visualizados a partir das pousadas são a
presença de espécies exóticas, pinos e eucaliptos, que dominam as encostas e os
topos de morros próximos. Segundo Mario, há alguns anos muitos proprietários
promoveram a derrubada criminosa da floresta nativa para o cultivo dessas
respectivas espécies, bem como de bananais. Atualmente, em decorrência dos
valores irrisórios na comercialização dessa madeira associado ao maior rigor
das legislações ambientais, tais espécies sua supressão se tornou mais difícil.
O que deve ser feio, segundo Mario, é a conscientização dos proprietários para
o reflorestamento com espécies nativas e o estímulo em programas de turismo
sustentável na região.
Somente
os atrativos oferecidos e o cenário contemplativo da paisagem seriam
suficientes para perdurar no imaginário por muito tempo. Mas não parou por aí. Subitamente
fomos surpreendidos com o convite para conhecermos uma cachoeira. Foram quase
duas horas de caminhada, por estrada de terra batida, de subidas e descidas
íngremes, entre plantações de banana e mata fechada. Durante todo o trajeto era possível ouvir o som
do rio escorrendo pelas pedras. Descendo com cuidado, finalmente chegamos ao
leito do tradicional rio Morosini, que dá nome ao local.
Quando
pensávamos que tínhamos superado o trecho mais difícil, a surpresa estava bem a
nossa frente. Chegar até a esperada cachoeira exigiu paciência, destreza,
coragem e companheirismo. Mais ou menos meia hora depois de caminhada enfim
chegamos a cachoeira. O desafio agora era escalar as paredes lisas ou subir por
um tronco para poder banhar-se na água fresca que caía do penhasco. Ambas as
opções requereram muito cuidado, pois qualquer descuido havia o risco de queda,
que embora não fosse tão alto poderia causar algum ferimento.
É de
tirar o fôlego. Por alguns minutos ficamos ali contemplando tamanha beleza
construída pelo tempo há milhões de anos. Ao mesmo tempo era perceptível no semblante
do guia Mario certo ar de preocupação, pois todo aquele cenário paradisíaco,
encantador, poderá desaparecer caso seja liberada a extração de carvão no
subsolo. Como ele mesmo disse, a quantidade de carvão disponível no local é
suficiente para no máximo quatro anos de exploração. Não permitiremos que a
irracionalidade e a ganância coloquem em risco aquilo que a natureza demorou
tanto tempo para formar. Queremos ser lembrados pelas futuras gerações como
bravos lutadores em defesa da água, que enfrentamos grandes tubarões do carvão
e vencemos.
Prof.
Jairo Cezar
[1]http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/2014/12/conselhoconsultivo-do-comite-da-bacia.html
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