SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL JULGA DIA 18 DE ABRIL MÉRITO DAS QUATRO ADI (AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE) SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO
Quem
acompanhou os intermináveis e tensos desdobramentos políticos no congresso
nacional que resultou na aprovação da lei 12.651/12, relativo ao código
florestal brasileiro, tinha clareza que muitos dos dispositivos contidos no
documento estavam repletos de vícios e equívocos que infringiam a constituição
federal, em especial o Art. 225, Caput, e inúmeros parágrafos. Após sua
homologação pela presidente da república, a procuradoria geral da república
ajuizou três ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), 4.901, 4.902, 4,903,
no Supremo Tribunal Federal solicitando que a suprema corte intercedesse pondo
um basta nos privilégios e na impunidade dos criminosos ambientais acobertados
pelo manto protecionista do código florestal.
Além das três ADI ajuizadas pela Procuradoria Geral
da República, o PSOL também se manifestou protocolando uma quarta ADI a de número
4.937. Desde que as ações foram protocoladas em 2013, até o momento os
ministros não tomaram uma decisão definitiva sobre as mesmas. Essa atitude
contribui para a elevação da insegurança jurídica sobre questões relativas ao
meio ambiente. São inúmeros os processos que tramitam nos tribunais estaduais e
em Brasília encaminhados por organizações ambientais, onde questiona a lisura dos
códigos ambientais estaduais e municipais, por acreditar que não estejam
compatíveis aos preceitos constitucionais, especialmente quanto o assunto é
assegurar a preservação da fauna e flora natural.
Com
ênfase nos argumentos fundamentados pelos proponentes das Adis, o supremo
decidiu acatá-las indicando três relatores, entre eles o ministro Luís Fux. A
decisão tomada pelos relatores é que antes de uma sentença definitiva, as ações
protocoladas devam passar por uma intensa sabatina técnica, com a participação
de todos os seguimentos organizados da sociedade. A proposta encaminhada pelo STF foi que todos
os interessados no assunto deverão enviar suas proposições, através de E-mail, novocodigoflorestal@stf.jus.br, até às 20h, do dia
28 de marços de 2016. Na sequência, o
STF agendou para o dia 18 de abril de 2016, data para a realização da audiência
pública onde, finalmente, o assunto será debatido e, possivelmente, serão
tomadas deliberações resolutivas.
Para ter
clareza sobre o que trata todas as ADI protocolada convém discorrer sobre suas
intenções e o que alterará na legislação e no pensamento ambiental brasileiro
caso forem deferidas pela suprema corte. Em relação à primeira ADI a mesma
trata de questões concernentes a Reserva Legal, no qual o Art.12 e os
parágrafos 4° ao 8° dão as suas especificações definições. Esses dispositivos
permitem total flexibilização dessas áreas, tais como redução de área ocupada
por florestas, quando entender que projetos de interesse social poderão ser implantados
com real prejuízo ao meio ambiente: ferrovias, rodovias, abastecimento público,
tratamento de esgoto, etc.
A Procuradoria
Geral da República argumenta da necessidade urgente da revisão desses
dispositivos relativos ao artigo 12, entre outros, pelo fato do mesmo
comprometer biomas (espécies nativas) que constitui reservas legais e APPs.
Outro posicionamento contrário da procuradoria trata da compensação ambiental, cuja lei permite para quem desmatar a
possibilidade de compensar área suprimida com outra com as mesmas
características ecossistêmicas, não necessariamente situada no mesmo bioma, podendo
também estar inseridas entre as nativas, espécies exóticas. A
Segunda ADI de número 4.902, ficou sub a responsabilidade da ministra Rosa
Weber.
É de sobremaneira um item extremamente polêmico,
pois trata de crimes ambientais anteriores a junho de 2008, cujos réus serão
anistiados a partir do cumprimento de alguns itens como o cadastramento
ambiental rural onde permitirá ao governo um monitoramento mais efetivo das
Reservas Legais e APP, ocupadas por vegetação nativa. O Art.7°, § 3°, deixa
claro que somente serão passiveis de punição com suspensão de novas
autorizações para supressão de vegetação os proprietários que desmatarem, sem
autorização, depois de 2008.
Já era
de conhecimento de todos que o código ambiental anterior, aprovado em 1965,
deixava muito transparente em seus dispositivos a punição dos infratores
ambientais. Convém ressaltar que a bancada ruralista no congresso, responsável
pela aprovação do novo código florestas, representavam e ainda representam os
latifúndios que através de artimanhas sempre procuraram ludibriar as normas
existentes. Não como negar, que todos os privilégios conquistados por esse
seguimento sempre teve o consentimento do próprio Estado e seus órgãos
fiscalizadores, fazendo vistas grossas frente às irregularidades. E isso vem se
repetindo no novo código quando o próprio governo descumpre com que determina o
Art. 59 na parte das disposições transitórias. Dentre as obrigações impostas
pela lei, está o que descreve o § 2°, que se refere a obrigação dos
proprietários rurais de inscreverem seus imóveis no CAR (Cadastro Ambiental
Rural), para que estejam capacitados a aderirem ao PRA (Programa de Regulação
Ambiental).
O prazo
estabelecido para o cadastramento era de um ano depois da aprovação da lei.
Quase quatro anos se passaram, várias prorrogações foram feitas. Agora, segundo
o governo, não haverá mais prorrogação e o prazo se espira no próximo mês de
maio de 2016. Não há como admitir que tal promessa seja cumprida, pois até o
fina do ano passado 52% dos proprietários já tinham feito seus cadastramentos.
O problema é que enquanto os prazos estão sendo protelados, os desmatamentos
continuam ocorrendo sem qualquer punição aos criminosos.
Em
relação a ADI 4.903, a Procuradoria Geral da República, seguindo o dispositivo
legal do que trata o Art. 225, Caput, da Constituição Federal pede que sejam
declaradas inconstitucionais os seguintes Artigos, parágrafos e alíneas da Lei
n. 12.651. A alínea “b”, referente ao
parágrafo VIII do Art.3, que defende a supressão de reserva legal e APP para
fins de utilidade pública. O parágrafo IX, do mesmo artigo acima, que também
garante tais prerrogativas explicitadas na alínea “f”,
no qual descreve: desconsiderar reserva legal quando for “para as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e
cascalho, outorgadas pela autoridade competente”.
Também o parágrafo XVII, do Art.3°, sobre
nascentes, diz que o mesmo é passivo de questionamento por parte da
procuradora. A questão é que o conceito de nascente descrito no paragrafo
conceitua como um afloramento natural do lençol freático e deve apresentar perenidade. Tal definição não confere com que
estabelece a Resolução 303, de 20 de março de 2002, do CONAMA que dá a seguinte
definição: II – Nascentes ou olho
d’água, é o local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a
água subterrânea. Para das mais fundamento a termo, recorremos o que diz o
geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos sobre a distinção de nascentes, lençóis
freáticos e águas subterrâneas. Segundo o pesquisador toda nascente corresponde a uma manifestação em
superfície da água subterrânea, entendida essa como a água contida em zona
subterrânea de saturação, normalmente sustentada por uma camada geológica
inferior impermeável.
Em termos técnicos, o lençol
freático corresponde à superfície de separação da zona de aeração, superior, da
zona de saturação, inferior, ou seja, corresponde à superfície hidrostática
(pressão sobre líquidos) da água subterrânea.[1] Já o parágrafo XIX do Art. 3° também foi
submetido a criticas pela procuradora por admitir que o mesmo infrinja aspectos
técnicos que deveriam ser consideras quando da sua elaboração. O dispositivo
afirma que leito de rio é a calha onde
escorre regularmente a água dos cursos d’água durante o ano inteiro. O
parágrafo não informa que o leio do rio deve ser caracterizado de três
maneiras, leito aparente, leito maior e leito de inundação, ou seja, o percurso
normal do rio onde escorre a água e os limites possíveis inundáveis conforme as
precipitações pluviométricas.
Os
incisos III e IV do Art. 4° também estão incluídos na ADI 4.902, onde tratam
sobre proteção do entorno dos cursos d’água artificiais, nascentes e olhos
d’água “perenes”. Novamente, no inciso IV aparece o termo perene e não intermitente.
São conceitos pequenos que talvez passem despercebidos no momento da leitura,
porém, seus impactos previstos aos ecossistemas são incalculáveis. Acredita-se que a procuradora, sua intenção
solicitando a anulação do respectivo inciso tem como motivo o fato do mesmo abrir
precedentes para o deferimento de licenças permitindo empreendimentos em locais
com presença de nascentes intermitentes, que não são ainda perceptíveis.
Quanto aos
parágrafos 1°, 4°, 5° e 6°, que tratam sobre APP em cursos d’água artificiais e
naturais inferiores a um (um) hectare, chamou a atenção o parágrafo 4° cuja
redação dispensa a existência de área de proteção permanente. Ao mesmo tempo,
embora o dispositivo vede o corte de espécies nativas, pode ocorrer a
supressão, se os órgãos ambientais competentes autorizarem. Os Artigos 5° e 8° também serão sabatinados na
audiência pública, talvez, com maior incidência de intervenções pelo fato do
mesmo inferir em impactos ambientais produzidos por grandes projetos como
barragens para construção de usinas hidrelétricas. Já o artigo 8° trata de
projetos menores de interesse social no qual permite supressão de APP de baixo
impacto.
Se for considerado
o descaso dos órgãos ambientais estaduais e municipais quanto a fiscalização de
APPs como os biomas de manguezais e restingas, todas essas áreas na sua maioria
já descaracterizadas na faixa costeira catarinense poderão ser ocupadas por
projetos imobiliários. O agravante disso é que o código florestal no seu Parágrafo
2°, do Artigo 8°, dá a seguinte explicação em relação a tais empreendimentos: “poderá ser
autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal
esteja comprometida”. Este também um item
em discussão na audiência.
Além
dos relatores, Luiz Fux e Rosa Weber de duas ADI, Gilmar Mendes também é
relator de uma terceira onde discorre sobre questões acima mencionadas. O PSOL
(Partido Solidariedade), através de sua assessoria jurídica, seguiu o exemplo
da Procuradoria Geral da República e
ajuizou ADI de n. 4.937, somando-se no total, quatro petições. A
intenção do partido é solicitar que os artigos e outros tantos dispositivos
mencionados, sejam alterados atendendo as prerrogativas estabelecidas pelo art.
225, caput, parágrafo 1, incisos I e III, que veta qualquer utilização dos
ambientes naturais que comprometam sua integridade ecossistêmica.
Não é
um ou dois artigos observados que ferem tais princípios, mas 12, pois se não houver
reformulação irão por dezenas de biomas brasileiros e demais ecossistemas em
situações de extrema vulnerabilidade ambiental. Alguns dispositivos que estão
citados na ADI do PSOL, também aparecem nas outras três ADI como os Arts 3° e 7°.
No entanto, o que trouxe maior apreensão aos congressistas do partido que
votaram contrários ao projeto de lei, foi o Art. 44 que trata sobre a criação
do Cadastro Ambiental Rural, considerado um instrumento que visa a legalização
dos crimes ambientais cometidos anteriores a 2008.
É com
base nesse cadastro, cuja lei estabeleceu prazo de um ano para sua conclusão,
ou seja, maio de 2013, que os proprietários poderão aderir ao Programa de
Regularização Ambiental, que lhes darão direitos de angariar recursos públicos
para financiamento de projetos ambientais e agrícolas. Com ênfase nessas
informações é possível mensurar os percentuais de reservas legais e Apps
existentes no Brasil. Os proprietários que se excederem dessa área poderão
utilizá-la como cota ambiental compensatória para desmatamentos de outras áreas
para fins comerciais ou de especulação.
Do
total de cinco milhões de imóveis rurais existentes, quatro milhões não possuem
área suficiente de reserva legal. Isso significa que desde que foi sancionado o
primeiro código florestal brasileiro em 1965, embora já existissem dispositivos
restringindo a supressão de florestas, os desmatamentos seguiram sem qualquer
fiscalização ou punição dos infratores. Querer agora estabelecer um mecanismo
compensatório para quem desmatou e para quem manteve as florestas intactas é um
instrumento um tanto quanto injusto. Pelo fato que durante os cinquenta anos
aproximadamente muitos proprietários que descumpriram a legislação
transformando áreas florestais em espaços para a agricultura e pecuária
obtiveram ganhos financeiros consideráveis. Diferentes dos que preservaram que
nem mesmo um desconto do Imposto Territorial Rural tiveram.
Em
resposta as entrevistas concedidas à revista Época, na sua página eletrônica sobre
as Cotas de Reserva Ambiental, um dos proponentes representando o agronegócio
afirmou que tal dispositivo beneficia tanto desmatadores, como também
recompensa os proprietários que mantiveram as florestas em pé, por todos esses
anos, além do percentual estabelecido por lei.[2] Para ilustrar como essa
prerrogativa é uma afronta aos princípios da equidade e da isonomia, usaremos
como exemplo para explicação uma propriedade rural de cerca de vinte cinco hectares
situada no município de Araranguá.
Como mostram
as imagens acima obtidas através do Google Heart, o objetivo aqui é explicitar a
insignificância de manchas escuras que representam áreas florestais protegidas.
Com base na legislação floresta em vigor, nenhum desses proprietários, exceto o
que conservou sua floresta, terá por obrigação reconstituir sua reserva legal. Os
mesmos poderão, para livrar-se da pena, comprar cotas de carbono no mercado, no
caso o proprietário do meio, que preservou, poderá ser beneficiado vendendo seu
excedente de reserva. Acontecem que os valores das cotas estabelecidos por kg
de carbono, estarão condicionados as regras do mercado, ou seja, lei da oferta
e da procura. Até que ponto será vantajoso o proprietário inserir-se ao plano
de contas ambientais?
Outra questão polêmica, que talvez esteja aí
o motivo pelo qual da demora da sua conclusão, é em relação ao Programa de
Regulação Ambiental. O Art. 59 e os parágrafos 2°, 4°, 5° estabelecem que
enquanto o proprietário rural não finalizar seu cadastro o mesmo estará isento
de penalidade por crimes ambientais cometidos antes de 2008. Com a conclusão do
programa, são suspensas automaticamente as penalidades dos crimes, conforme do
Art. 60.
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