O novo PNE (Plano Nacional de Educação),
Lei n. 13.005/2014 a serviço dos interesses das corporações vinculadas à
educação
No
começo da década de 1980, muitos acreditavam que quando o partido dos
trabalhadores chegasse ao poder, a educação pública brasileira finalmente daria
um salto significativo de qualidade, cujas ideias dos célebres pensadores revolucionários
como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Vigotsky entre outros tantos, ocupariam
os espaços das escolas públicas, universidades, etc. com intensos e calorosos
debates, transformando-se em projetos relevantes que alterariam o curso da
educação como da própria história política e social brasileira daquele momento
em diante. Ledo engano, 20 anos depois do PT (Partido dos Trabalhadores) ter se
transformado na principal força política, de base popular, lançando severas
criticas ao modo como o Brasil vinha sendo governado, chega ao poder o ex-metalúrgico
e sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, que se transformaria no porta-voz da
esperança para milhões de brasileiros excluídos, vivendo na marginalidade do
processo.
Dentre
os vários seguimentos da sociedade que o governo popular eleito concentraria
esforços, além do social é claro, a educação pública certamente teria espaço
considerável na agenda política, razão pela qual por se tratar de um setor
ainda marginalizado e capaz de promover profundas rupturas de um modelo secular
de sociedade, dominado por uma elite parasitária que vem se revezando no poder
e se beneficiando da miséria e ignorância de milhões de brasileiros,
analfabetos estruturais e funcionais, que ainda usam o voto como moeda de troca
por promessas ou migalhas.
No
entanto, a eleição de 2002 que elegeu Lula, ocorreu num momento de expectativa acerca
da possibilidade de amargar mais uma derrota depois de três tentativas
frustradas. A abertura das urnas mostrou que a sociedade queria realmente
transformação, pois estava saturada com as políticas reformistas, privatistas e
excludentes dos governos anteriores que entregaram parte das riquezas ao
capital estrangeiro. O setor da educação antes da posse do governo do partido
dos trabalhadores seguia paralelamente o caminho das reformas impostas pelo
Banco Mundial e demais organizações financeiras, quando ocorreu a aprovação da
nova LDB (Lei de Diretrizes e Base da Educação), lei n. 9394/96, que no seu
bojo não vislumbrava a médio e longo prazo transformações relevantes no
conjunto da sociedade, apenas a adequação do sistema educacional brasileiro às
mudanças estruturais do capital global.
Com
a homologação da nova lei de diretrizes e base da educação, caberia ao governo
federal, na época Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, encaminhar proposta de
lei para a elaboração do PNE (Plano Nacional de Educação) cuja finalidade seria
estabelecer um plano de metas que norteasse a educação pública para os próximos
dez anos, financiada com recursos alocados do próprio estado, mediante a
elevação da parcela do PIB, de 5 para 10%. A questão da expansão do orçamento público
destinado à saúde, saneamento básico, educação entre outros, sempre foi tema presente
nos discursos dos políticos especialmente em períodos eleitorais. Durante suas
gestões, para cumprir as metas inflacionárias estabelecidas com organismos internacionais,
muitas vezes os governos são forçados a cortar gastos, e as investidas
geralmente atingem as áreas sociais importantes como educação.
Depois
da homologação da nova LDB foram realizadas em todos os estados da federação conferências
para discutir as propostas que seriam inseridas no PNE. No entanto, quando o plano
com as propostas construídas pela sociedade chegou ao congresso nacional,
passou a conflitar com a proposta apresentada pelo MEC, com proposições
conservadoras muito aquém dos ensejos da sociedade. As pressões dos setores
organizados eram para que o plano apresentado pela sociedade na qual ampliaria
os investimentos do PIB de 4,8% para 7% nos próximos dez anos fosse aprovado no
Congresso Nacional. Porém, quando chegou à mesa da presidência para ser sancionado,
recebeu veto do presidente Fernando Henrique Cardos, voltando tudo a estaca
zero.
Com
a vitória nas urnas do governo do Partido dos Trabalhadores, a expectativa agora
era a imediata derrubada do veto do governo anterior, em relação ao PNE, e
iniciar a discussões para ampliação dos recursos do PIB para 10%. O que causou
surpresa e perplexidade para muita gente e especialmente para os próprios educadores
e militantes do partido dos trabalhadores, que sempre defenderam maior repasse
de verbas para educação pública, foi à postura assumida pelo presidente mantendo
o veto à lei do PNE. Transcorrido dez anos de governo popular, ainda sem um
plano de metas para a educação, os gastos do PIB com educação mal chegavam a 5%
e com um agravante, parte dessas verbas jamais chegavam ao seu destino ou
quando aplicadas, pouco alterou o quadro calamitoso das escolas e dos salários
pagos aos educadores.
As
pressões dos setores organizados, sindicatos de trabalhadores da educação e
CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), voltaram e ecoar
nos quatro cantos do território nacional defendendo a urgente construção de um
PNE que priorizasse investimentos exclusivos para o ensino público. Outro tema
também discutido pelos educadores e que vem recebendo apoio de parlamentares e de
setores progressistas ligados à educação, é a proposta de Federalização da
educação, cuja iniciativa contribuirá para por fim as profundas disparidades curriculares
e salariais nos diferentes níveis de ensino. Além do mais, com a federalização
seria possível dar um basta definitivo no secular domínio das oligarquias/coronelismo,
nos municípios e estados, que se utilizam da educação como trampolim político,
indicando nomes para ocupar postos estratégicos das escolas e das demais
instâncias administrativas, cujo critério determinante na escolha é sua
filiação partidária.
Retornando ao tema PNE, a base de apoio do
governo popular no congresso nacional dedicava pouco esforço em direção à
proposta vinda das bases defendendo investimentos imediatos de 10% do PIB. No
entanto, paradoxalmente, essa mesma proposta de elevar os investimentos encontrava
apoio dos parlamentares do bloco de oposição ao governo do PT, como o PSDB,
partido que foi responsável pela destruição do projeto encaminhado em 2001, que
determinava a elevação de 4,8 para 7%, nos próximos dez anos. Com a aprovação
da proposta de lei do plano na Câmara Federal em 2012, que garantiria 10% do
PIB para a educação pública, o texto agora seria encaminhado para o senado
federal que resultou no Projeto de Lei Complementar n. 103/12.
O
que diferenciou essa proposta do texto apresentado pelos deputados federais foi
no quesito “público”, que foi suprimido e substituído pela nomenclatura PPP
(Parcerias Público Privadas), dominada pelas grandes corporações que vem
atuando e faturando milhões no rico negócio da educação de nível superior no
Brasil. A proposta de lei aprovada no senado federal em 2012 deixou
transparecer que teria havido formação de lobby entre corporações e
parlamentares que os representam, garantindo, na aprovação do texto, fatias
significativas de recursos públicos para os respectivos seguimentos. Com a
aprovação do plano modificado no senado, as instituições superiores de ensino
particular abririam vagas para estudantes cujas mensalidades seriam pagas mediante
financiamentos como o Proune, Fies, entre outros.
Além
do mais, o PNE permitirá a expansão das escolas tecnológicas no Brasil, bem
como a ampliação de vagas gratuitas e financiadas pelo Pronatec. Ideologicamente,
a expansão do ensino técnico no Brasil, bem como o fortalecimento do sistema
“S” - SESI, SENAI, SESC, SENAC, entre outros, não confere com os preceitos
defendidos pelos intelectuais revolucionários das décadas passadas, que
dedicaram parte de suas vidas na defesa de uma educação emancipadora,
transformadora, e não adestradora, formadora de mão de obra de baixo custo, um
novo exército de trabalhadores “treinados” disponibilizados para suprir as
demandas do capital. A proposta de lei do PNE que transitou primeiro pelos
corredores da Câmara e depois seguiu para o Senado, recebendo centenas de
emendas, alterando profundamente o texto original, finalmente foi aprovada pelo
congresso nacional em 2014 transformando na lei n. 13.005/14, que foi
sancionada pela Presidente da República.
Foram
inúmeras as denúncias que deram conta que a aprovação da lei do PNE se deu por
meio de manobras políticas coordenadas pelo próprio governo federal que
pretendia aprovar um texto que fosse de interesse do sistema capitalista, das
corporações ligadas ao ensino superior e da expansão da educação técnica, capaz
de adestrar trabalhadores, de baixo custo e disponíveis no mercado. A primeira
comprovação de manobra ocorreu quando da transferência do II CONAE (Congresso
Nacional de Educação) programado para ocorrer em fevereiro de 2014, cujo
encontro reuniria milhares de educadores de todo Brasil discutindo e
encaminhando proposições a serem incluídos no texto do PNE. Alegou o governo
que o cancelamento se deu motivado pela extensa agenda de eventos que iriam
ocorrer no Brasil, como Copa do Mundo e eleições, que seria mais salutar
promover o congresso para Novembro deste ano. Esse argumento não convenceu, pois como se
sabia em fevereiro a proposta de lei do PNE deputados federais iria para
votação na plenária da câmara, e nada pior para as pretensões do governo uma
legião de educadores em Brasília pressionando os legisladores para incluir
proposições de interesse da classe. Olha que em 2010, quando da realização do I
CONAE, o próprio governo Lula, falou na plenária do encontro que iria respeitar
as decisões dos educadores inserindo no texto as deliberações aprovadas. Traiu
os educadores, pois quando o projeto de lei n. 8.035/2010 adentrou na câmara
não estavam incorporados os itens aprovados no congresso.
Sem
pressão e resistência dos educadores, o texto virou lei na câmara, recebeu uma
enxurrada de emendas no senado, transformando num novo projeto de lei, que
perdeu sua configuração original. Em Junho, mais uma vez, numa plenária
tranquila do congresso, o projeto foi à votação que se transformou na lei
13005/2014. A lei aprovada não deixa dúvidas quanto ao seu caráter ideológico
conservador e neoliberal, embutido nos artigos e parágrafos, que abre caminho
para as terceirizações e privatizações do sistema educacional, já em curso em
muitos estados, como os demais serviços como saúde, segurança, comunicação,
mineração, transportes etc. O que dizer das décadas de 1980 e 1990 quando o
partido dos trabalhadores e a própria CUT (Central Única dos Trabalhadores), incitavam
as massas a saírem às ruas para protestarem contra os opressores, as
privatizações e o modelo de escola pública em vigor, veemente criticada e combatida
por sua forte contribuição na reprodução do modelo de sociedade excludente a
serviço do capital. A quem interessa um plano de educação nacional como o
aprovado em junho de 2014 que atende explicitamente os ensejos da OMC
(Organização Mundial do Comércio), quando se sabe que o sistema de ensino brasileiro,
como o superior, visa exclusivamente à formação aligeirada e massiva de trabalhadores
acríticos, “empreendedores”, obedientes e de baixo custo financeiro.
É
patético pensar em um plano como do PNE aprovado em 2014, que defende
investimentos de 10% do PIB até 2024. Nesse período de dez anos, de 2014 a
2024, quando o PNE irá vigorar, se não houver uma profunda transformação na
cultura dos políticos e da política brasileira, das instituições e secretarias
que administram o repasse e aplicação dos recursos para o financiamento da
educação, de nada adiantará planos educacionais mirabolantes. O principal
problema hoje da educação é quanto ao modo como os parcos recursos são
aplicados, muitos dos quais se perdem nos corredores da burocracia dos órgãos
executores ou desviados para órgãos sem qualquer vínculo com a educação. Um
exemplo para elucidar, é o Funde, cujo propósito, entre outros, seria para o
financiamento e pagamento de professores, porém, nos municípios, os prefeitos
utilizam-se dos recursos até para execução de obras como pavimentação de ruas
próxima à escola.
É
bom que fique claro que o Plano aprovado em junho atende não exclusivamente a
educação pública, mas a educação num todo, ou seja, todas as instituições que
direta e indiretamente estiverem vinculadas ao atendimento gratuito do ensino.
Nessa perspectiva não há expectativa de que a curto e médio prazo o Brasil
possa reverter o quadro desolador de um país que continua no ranque dos que
apresentam maior desigualdade social do mundo e por consequência um dos que apresentam
os piores índices em qualidade da educação.
Prof.
Jairo Cezar
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