O paradoxal mundo contemporâneo: entre o
sagrado e o não sagrado
Seguindo
o caminho percorrido pelas sociedades ocidentais nos últimos três séculos, deve
ser destacado um momento especial dessa trajetória a partir do qual os
indivíduos se defrontam com um novo cenário onde as certezas se dissolvem em
água e as dúvidas transbordam diante de um ser agora desnudado, fragilizado, atormentado
pela luz ofuscante da verdade. É o sentimento que se manifesta à medida que a seta
da bússola, que sempre apontara para o norte auxiliando na orientação, sofre
abrupta oscilação, não há agora direção nem navegadores seguros a aonde chegar.
É o momento em que, segundo a metáfora de Platão, dá-se o abandono de
definitivo da caverna que mantinha o homem prisioneiro, refém das sombras projetadas
pela luz do sol supremo. O impulso imediato de quem vê o sol pela primeira vez,
depois de longos anos na escuridão, é querer retornar para o conforto da
caverna, aprisionado às correntes e julgando à vida apenas pelas sobras projetadas
na parede.
A
revelação do mundo como um fenômeno natural e social e ditado pela razão se manifesta
como um divisor de águas a partir de dois momentos distintos, o da metafísica,
do mundo teologicamente pré-concebido, e o da razão, de buscar conclusões a
partir de suposições ou premissas, pondo em xeque o mundo transcendental, sobrenatural,
inexplicável. Estariam na ciência, na razão, os elementos primordiais da essência
cósmica, das respostas que tanto perseguia para chegar à plenitude, o
metafórico paraíso manifestado no velho testamento, o mundo sem guerras, sem
fome, sem contradições.
Se
tudo seria explicado pela razão dando plena segurança e certeza de felicidade, era
de se presumir que o mundo antes concebido por um deus onipotente, onipresente,
perderia definitivamente sua condição de existir, pois já se tinha as respostas
das perguntas que angustiava os céticos, afinal, de onde viemos e para onde
vamos? Se a ciência atingiu as respostas
às perguntas conflitantes, cuja certeza do progresso, das tecnologias
proporcionaria bem estar e felicidade a humanidade, qual a razão, portanto, das
intermináveis guerras que ceifam milhares de vidas no planeta, do espantoso
ressurgimento de religiões neopentecostais prometendo ao léu, riqueza e
felicidade? As guerras, portanto, não seria uma forma de catarse coletiva, uma
atitude inconsciente de externizar sentimentos reprimidos, de frustração,
revolta, sadismo, etc. Para sublimar o “demônio” coletivizado, manifestado pelo
impulso destrutivo enjaulado no inconsciente, a religião obtém extraordinário
sucesso, sequestrando o humano num cativeiro anos-luz de si mesmo.
Desde
os tempos antigos, grupos humanos justificavam a existência do universo e a sua,
a partir de um ser supremo, onipresente, representado por uma imagem a sua
semelhança, uma força de tamanha grandeza capaz de monitorar os mais profundos
sentimentos, as emoções, bem como o próprio processo de nascer, viver e morrer.
Romper as amarras do mundo atravessado pela ideia de força suprema, cujas dores,
alegrias, são compreendidas como fenômenos interdependentes, de causa divina,
produz reviravolta existencial, uma espécie de caos, a perda de referência,
centrada no sagrado, no incontestável mundo imaterial. Afinal o que é certo e
errado?
Deus,
ente sagrado e detentor do saber sublime, perde seu status da grandeza a partir
do instante que a ciência desponta soberana, carregando a boa nova, a decodificação
de sinais incompreendidos, como do fruto proibido retratado no livro dos
gênesis, afirmando que a desobediência de Eva perante Deus custou-lhe a
permanência no paraíso. Estar no mundo agora, depois da tentação e cometido o pecado
comendo o fruto, lhe trouxe luz, clareza. Quando descoberta pela insubordinação,
não teve coragem suficiente para desafiá-lo, atitude que possivelmente lhe daria
confiança e poder.
Procurar
explicações de fenômenos sociais como as guerras, do avassalador crescimento
dos cultos religiosos, do fanatismo exacerbado, da intolerância racial, sexual,
etc., deve partir primeiramente pela compreensão do modo como essas sociedades
estão constituídas politicamente e economicamente. Um olhar simplificado do
mundo contemporâneo profundamente determinado pelo pensamento único e mediado
pela metafísica, não é suficiente para dar explicações fidedignas acerca das
crises de transtornos emocionais que transformam milhões de pessoas no mundo em
marionetes. Para contornar as dores, as angústias intermináveis que tornam sujeitos
dóceis, maleáveis, reprimidos e escravos do “Grande Irmão” o olho supremo
controlador, a saída é trilhar caminhos alternativos que levam às fontes cuja
água a ser bebida trará luz aos olhos de quem ousa ver.
Prof.
Jairo Cezar
Nenhum comentário:
Postar um comentário