O levante popular em defesa da Escola Pública: Balneário Gaivota/SC, um exemplo a ser seguido
Embora os meios de comunicação
quase que diariamente procuram noticiar que o governo de Santa Catarina irá
investir mais de meio bilhão de reais na revitalização da educação pública, o que
se constata quase quatro anos depois da posse são unidades de ensino depredadas,
abandonadas, invadidas pelo mato, não oferecendo as mínimas condições de
infraestrutura que garanta uma educação digna para os filhos dos trabalhadores.
É importante relembrar que na campanha eleitoral de 2010, o atual governo deixou
explícito a todos os (as) catarinenses, que eleito daria total prioridade à
educação, saúde e segurança. Foi confiando nas promessas que a população lhe
deu respaldo garantindo-lhe a vitória no primeiro turno. Na
região do vale do Araranguá o retrato das escolas públicas estaduais é
desolador. É comum ouvir de políticos locais muitos dos quais vinculados a
atual base governista, dentre eles o PSDB, PSD e PMDB, que o sul do estado em
especial o vale do Araranguá é considerado uma das regiões mais atrasadas
economicamente do estado, ficando a frente apenas da região do planalto sul.
Não estaria tal atraso condicionado
a forma como tais representantes do “povo” vêm tratando a educação pública nas
últimas décadas, não valorizando os profissionais da educação e a própria
população pagadora de impostos que espera do Estado sua retribuição sob a forma
de serviços de qualidade para a educação, saúde e segurança. É nítido aos olhos
de todos (as) que tais retribuições por parte do governo estão muito aquém do
ideal. E a indignação se torna maior quando se observa que o dinheiro público que
deveria ser destinado à melhoria das escolas, construção de ginásios de
esportes, toma caminhos completamente opostos, sendo o mais comum o
financiamento de campanhas eleitorais.
Além do descaso em termos
infraestruturais, as escolas púbicas estaduais sofrem também com o descaso de
gestão, pois entre os três estados do sul, Santa Catarina é o único entro os
demais cujo processo de escolha dos gestores continua sendo por indicação
política, ou seja, a cada eleição de prefeitos, vereadores, deputados e
governadores, nos municípios entram em ação os “agrimensores da política”
encarregados pela demarcação das escolas, um verdadeiro loteamento, cuja vaga
de diretor passa a ser de responsabilidade do ou dos partidos da base aliada.
Nesse caso, o critério de escolha à vaga seguirá os preceitos do partido, ou
seja, apoio político e obtenção de maior número de votos ao candidato eleito.
Em qualquer organização tanto
pública como privada, o papel do gestor é imprescindível para o bom andamento
da mesma, sendo que sua escolha deve partir de procedimentos rígidos, somando
competência, sensibilidade e carisma frente ao grupo na qual atua. Em relação a
instituição escolar publica do estado de Santa Catarina, tivemos algumas
experiências de gestão participativa na década de 1990, quando a comunidade
escolar, num período curto de democracia, participou da escolha dos seus
gestores. Por falta de regulamentação de lei estadual que instituiu a gestão
democrática nas escolas, o governo não reconhecia os eleitos, gerando um clima
tenso entre escola e Estado. Mesmo assim, algumas escolas mantiveram seus
gestores respaldados pela comunidade.
É notório que preservando tais mecanismos
de escolha dos gestores/diretores escolares o Estado mantém fortalecido sua
posição eleitoreira tanto nos pequenos como nos grandes municípios. Porém, essa
concepção de hegemonia política dos (as) gestores (as)/diretores (as) nas unidades de ensino, de acreditar que os
(as) mesmos (as) são intocáveis, de que o partido que o (a) colocou no cargo é
o único capaz de retirá-lo (la), de que a comunidade escolar é indiferente a
tudo que acontece, não corresponde à
realidade.
Cabe lembrar que no passado, as
grandes transformações da sociedade não ocorreram a partir de decretos ou projetos
de lei encaminhada por um governo dito iluminado. Muito pelo contrário, as
grandes revoluções como a francesa tiveram o povo como protagonista, sendo que
muitas das conquistas obtidas principalmente o direito de participar da escolha
dos governantes ocorreram a partir desses levantes populares. Na educação
pública estadual catarinense não foi diferente, tudo que os (as) trabalhadores
(as) da educação conquistaram nesses últimos trinta anos ocorreu após grandes
enfretamentos com os governos que se sucederam.
E quando se trata de gestão
democrática nas escolas, o processo não pode ser diferente. É preciso fazer
acontecer e não esperar que algum governo dentro do atual alinhamento político
que se estabeleceu em Santa Catarina se sensibilize e tome iniciativa de
regulamentação da lei. Pois não há interesse, mesmo sabendo esse processo de
gestão/direção vem assegurando há quase um século o poder dos grupos
oligárquicos que controlam os currais eleitorais municipais que dão sustentação
a estrutura do poder central.
Quando se pensa que o sistema de
gestão das escolas públicas estaduais é inabalável, que os educadores,
passivamente, têm de “engolir calado” qualquer um indicado para dirigir a
escola, na sua maioria sem nenhuma competência para o cargo, a história tem nos reservado algumas surpresas
fascinantes como o fato ocorrido no município de Balneário Gaivota, cujo
levanto popular disse não ao autoritarismo, que resultou na saída da diretora
geral da escola por não se adequar aquilo que a comunidade aspirava, ou seja,
uma gestora comprometida com a escola e com a comunidade. O que é relevante
nesse episódio, que, de repente, de uma situação que para muitos poderia passar
despercebido sem nenhuma repercussão maior, pode resultar em profunda ruptura desse
modelo de gestão escolar, pipocando em outras escolas e produzindo um efeito
dominó de proporções incalculáveis.
Foi isso que aconteceu e está acontecendo
em uma escola pública estadual localizada no município de Balneário Gaivota, no
sul do estado de Santa Catarina. De um problema de má gestão administrativa, que
não pode ser interpretado como exceção, mas como regra quase absoluta, veio a
tona as faces ocultas dos poderes que comandam a educação pública catarinense,
refletida na figura da gestora dessa escola que transparece exatamente o modo
como é pensada e administrada a educação pelo atual governo do estado.
O que chamou atenção nessa unidade
escolar foi o levante da comunidade, envolvendo estudantes, professores, pais e
sindicato, convergindo forças em defesa da educação pública e o combate
irrestrito às políticas autoritárias adotadas pelo Estado e que é representada pela
diretora da escola. A postura dos (as) estudantes quanto ao episódio,
demonstrando profunda maturidade política deixou transparecer que o corpo
docente vem desempenhando papel importante no processo de construção da
cidadania. Pode-se afirmar que o
epicentro no qual gerou ondas de choques de proporções incalculáveis na escola
teve início no dia 5 de abril, durante reunião pedagógica, cuja diretora, para
justificar sua ausência no encontro alegou tratar a reunião de questões
pedagógicas, não havendo necessidade de sua presença, pois, segundo ela, sua
atribuição na escola era para coordenar assuntos administrativos.
Diante da postura pouco inteligente
da mesma, estudantes e professores decidiram paralisar as atividades como forma
de pressionar sua saída. Em contato com representantes da Gerencia de Educação,
na qual foram expostos todos os detalhes do episódio, foi acordado que na
segunda feira 15 de abril seria
realizada reunião na escola e com a presença da gerente educacional para tratar
do assunto e buscar uma solução emergencial. A reunião que teve presença
expressiva da comunidade na qual aguardavam com ansiedade a presença de membros
da gered, sofreram mais uma decepção quando receberam notícias de que a gerente de educação
Celina Hobbold, somente participaria do
encontro com o retorno das aulas na escola. Diante das incertezas quanto a
solução do impasse, um dos pais presentes tomou a iniciativa de entrar em
contato com a gerente relatando que ambos estavam a sua espera e que a atitude
da mesma de não comparecer foi interpretada
como descaso com a escola e com a própria comunidade. Sendo assim, depois de
uma longa conversa, outro encontro foi
marcado para o dia seguinte, 16 de abril, na cede da Secretaria do Desenvolvimento
Regional, às 17 horas.
Na reunião ocorrida na sala do coordenador
da SDR, durante quase uma hora, professores, pais e estudantes, relataram de
forma minuciosa os fatos que ocorreram na escola nos últimos meses e em
especial a situação de abandono do próprio Estado com a unidade de ensino. O
que ficou claro na fala dos presentes, especialmente dos (as) estudantes, é que
tais problemas estão condicionados a incompetência da gestora da escola. Após ter ouvido as falas, o superintendente
da Secretaria de Desenvolvimento Regional, Heriberto Schimidt, comentou que há,
sim, favorecimento político quando se trata de verbas para a recuperação e
construção de escolas ou ginásios. Que dependendo da força e articulação
política em um determinado município, o mesmo pode ser mais favorecido que
outro. Citou exemplo do município de Turvo que foi contemplado com a construção
de dois ginásios de esportes, enquanto municípios como Balneário Gaivota e
Arroio do Silva estão com seus ginásios interditados.
Embora o principal foco da reunião tenha
sido a questão da gestão da escola, os problemas de infraestrutura da mesma não ficaram de fora.
No entanto, nenhuma garantia quanto à melhoria das condições da escola como da
própria reforma do ginásio de esportes foram asseguradas. O ponto positivo do
encontro foi a certeza dada pelos membros da secretaria de que, até sexta
feira, 19 de abril, dariam uma solução definitiva para o caso. Se não for
cumprido o acordo, professores e estudantes prometeram novamente paralisar as
atividades por tempo indeterminado. Na semana posterior a reunião na Gered, a
gerente de educação Celina Hobbold esteve na escola na tentativa de negociar
com a comunidade uma solução para o caso. A proposta encaminhada pela mesma e
violentamente rechaçada pelos presentes que a impediram de continuar falando,
foi de manter a gestora, e durante uma semana membros da SDR permaneceriam na
escola para fazer uma “acareação” quando ao andamento dos fatos.
Com a discordância imediata acerca
da proposta lançada pela gerente
regional, na sexta feira, 19 de abril, em reunião realizada entre pais,
estudantes e professores, foi deliberado que a unidade escolar encaminharia eleição
para homologar a nova gestora da escola, que vinha exercendo a função de adjunta. Sentindo que a situação cada vez mais
ficava insustentável, segunda feira, dia 23 de abril, chegou a notícia de que a
pessoa envolvida, pivô do episódio, pedira licença da escola. Estava chagando
ao fim um dos acontecimentos que marcou o município de Balneário Gaivota e que,
certamente, poderá repercutir positivamente para repensar o modelo equivocado
de educação pública que está sendo oferecido pelo estado, que não atende aos
interesses da sociedade trabalhadora.
O que deve ser considerado como
ponto positivo acerca do fato ocorrido é a capacidade organizativa da comunidade
escolar quando percebeu que seus direitos estão sendo lesados. Uma educação de
qualidade, democrática, jamais será garantida pelos governantes se não houver
mobilização da sociedade, como ocorreu no Balneário Gaivota. É preciso fazer
com que tal acontecimento chegue ao conhecimento de todos os educadores e da
sociedade. Está na hora de assumirmos a escola, tornando-a verdadeiramente
pública e não propriedade de um conjunto de partidos que a utilizam como
instrumento político eleitoreiro.
Prof. Jairo Cezar
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