Barragem do Rio do Salto/Timbé do
Sul: seus impactos e conflitos socioambientais e as incertezas quanto ao futuro
da região
Croqui da área a ser
ocupada pela barragem do Rio do Salto/Timbé do Sul/SC
A região do Vale do Araranguá
apresenta algumas peculiaridades geográficas e geológicas que a caracteriza
como uma das mais belas e ao mesmo tempo mais ameaçadas ambientalmente entre as
demais pertencentes ao estado de Santa Catarina. Por estar localizada numa
vasta planície ladeada pela serra geral a oeste, e o oceano atlântico a leste,
a região tem na agricultura especialmente a rizicultura de irrigação uma das
suas principais bases econômicas, cultura na qual necessita grande demanda de
água para o seu cultivo.
Nos últimos anos a região do
extremo sul de Santa Catarina vem presenciando significativas alterações no micro-
clima local, com chuvas intensas ou longos períodos de estiagens, cujos
impactos já são percebidos com a secagem de rios perenes e de aqüíferos. Já são
freqüentes na região, nos ciclos longos de estiagem, a ocorrência de conflitos envolvendo
agricultores, criadores de animais e proprietários de empresas pela disputa da
água. Tais impasses forçam as empresas distribuidoras de água e o próprio
Comitê da Bacia do Rio Araranguá a interferirem nos conflitos impondo critérios
quanto à divisão da mesma.
Com a possibilidade do agravamento
das tensões sociais motivada pelas disputas pelo controle da água na região,
certeza quase eminente devido ao modelo de agricultura que está sendo adotado, que
compromete os reservatórios subterrâneos, o Estado de Santa Catarina, através
de recursos financeiros advindos do governo federal e do Banco Mundial, está investido
na construção de médios e grandes reservatórios de água para ofertar à
população.
São projetos caros e ao mesmo tempo
impactantes ao ambiente cujas críticas advindas de entidades científicas e
organizações não governamentais, alertam a todos que tais projetos são desnecessários.
Além do mais reafirmam que o problema da falta d’àgua é política e não técnica,
ou seja, sua escassez está condicionada ao modo como a mesma vem sendo utilizada
pela sociedade, pautada numa cultura muito difundida nos séculos
XIX e XX onde os recursos naturais como a água eram infinitos.
A construção da Barragem do Rio São
Bento, no município de Nova Veneza, é um exemplo de obra hidráulica impactante
à fauna e a flora local, cuja construção do reservatório teve por finalidade
atender as necessidades de abastecimento de uma vasta região, que antes era abastecida por
rios perenes como o Mãe Lusia, Sangão, Criciuma, entre outros, porém, em
decorrência da atividades carbonífera tais mananciais foram contaminados,
comprometendo o abastecimento humano.
Inúmeras foram às opiniões
contrárias à construção do reservatório de água, especialmente de profissionais
conhecedores da área vinculados a instituições de ensino como a UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina) que após realização de estudos constataram
que a obra seria de alto risco para a região em decorrência da vulnerabilidade
geográfica, sujeita a catástrofes cíclicas, como também a forte incidência de
chuvas ácidas que poderá comprometer a qualidade da água a ser consumida pela
população.
A barragem do Rio do Salto/Timbé do
Sul, que represará as águas do rio Amola Faca é outro projeto cujos impactos ao
ambiente poderão ser iguais ou superiores a do São Bento. Tais previsões são
fundamentadas a partir de estudos elaborados por profissionais de diferentes
áreas científicas e mediante entrevistas feitas com moradores da região que
relataram episódios climáticos catastróficos em épocas passadas. A pesquisa de
conclusão do curso de pós-graduação em geografia da UNESC, elaborada pela
acadêmica Selma Pereira, em 2008, cujo tema “Dinâmica do Rio Amola Faca e os
impactos e riscos da barragem para a transposição do Salto é, sem sobra de
dúvida, uma das fontes imprescindível para promover o debate sobre projetos
deste porte.
O que mais chamou a atenção quando
da leitura do trabalho da acadêmica foi perceber que a mesma insistentemente
procura alertar da complexidade que é a bacia do Rio Amola Faca, que antes de
pensar qualquer projeto para o local é imprescindível conhecer a dinâmica do rio.
Questiona os lados fornecidos para FATMA, embora admita haver pontos positivos
no projeto como a contenção de cheias. No entanto o projeto peca quando não
ressalta a dinâmica hidráulica do rio e eventuais catástrofes, semelhante ao
ocorrido na região em 1995.
Segundo Selma, com a formação do
lago, haverá uma diminuição da velocidade do rio, intensificando o acumulo de
sedimentos na sua extensão. A incidência de sedimentos será maior com a
elevação do nível do lençol freático nas encostas dos morros, tornando-as
frágeis e com possibilidade de deslizamentos permanentes para o interior do
lago. Com a ocorrência de períodos longos de chuvas, os rios transportarão
maior quantidade de sedimentos para o leito da represa, na qual exigirá por parte do empreendedor a contratação de
serviços de drenagens, podendo onerará o
aproveitamento da própria represa.
Nas últimas décadas o processo de
intervenção humana no fluxo natural dos grandes e pequenos rios brasileiros
para a construção de barragens e hidrelétricas vem se tornando rotina, sendo
que os impactos às sociedades tradicionais e a biodiversidade do entorno das
áreas inundadas são incalculáveis. Embora o Brasil tenha uma das legislações
mais completas e complexas no que tange a temática ambiental, o que se constata
é a negligência quase que absoluta do poder público em ouvir as populações que
serão afetas por essas mega-obras. Há pouco tempo, em 2009, quinze nações
indígenas que vivem na região do Rio Xingu, na qual será represado pela
Barragem de Belo Monte/Pará, promoveram encontro de cúpula no Mato Grosso do
Sul para discutir soluções conjuntas contra o respectivo projeto.
As comunidades presentes elaboraram
documento ou carta, a ser entregue ao Ministro das Minas e Energias Edson
Lobão, que na época insistia em afirmar que forças diabólicas conspiravam
contra os licenciamentos para as respectivas obras de hidrelétricas. Em
Brasília, a comissão representando as quinze nações não foi recebida pelo
ministro, deixando transparecer que para o governo a obra em questão é mais
importante que as vidas ali existentes. O que se vê hoje em dia no Brasil é a
simplificação quanto à liberação das licenças ambientais, muitas da quais
apresentam falhas anacrônicas quanto aos estudos e relatórios de impactos
ambientais.
Diante de tamanha insensatez dos
órgãos que teriam a função de manter uma postura ética quanto a liberação de
licenças ambientais e sua fiscalização, no conjunto da sociedade brasileira vai
se fortalecendo o sentimento de descrédito sobre tais instituições e ao próprio
estado republicano onde a classe política brasileira cada vez mais vem perdendo
credibilidade junto a sociedade. Na
extremidade desse sistema contaminado por corrupção, emerge estruturas de
organizações civis tão o mais poderosas que as institucionais, que embora não
tenham capacidade deliberativa, dependendo da pressão que exercem, podem
influenciar os poderes constituídos na tomada de decisões importantes a favor
das classes ou grupos sociais marginalizados.
Quando se faz menção as forças que
brotam no interior da sociedade, principalmente àquelas ameaçadas pela ganância
do capital, a referência é feita as poucas famílias da comunidade de Areia
Branca/Timbé do Sul, que ainda encontram energia para resistir bravamente os
poderosos que relutam em tomar suas terras para instalação de uma barragem de
captação de água para suprir prioritariamente a população e as lavouras de
arroz dos municípios do entorno da obra. De acordo com perícia feita pelo
Ministério Público Federal, o real objetivo do empreendimento é beneficiar
centenas de propriedades de rizicultores dos municípios de Turvo, Meleiro,
Ermo, que receberão maior montante de água disponível, ou seja, 97,5%, enquanto
que o restante, 2,5%, será disponibilizado para o consumo humano. De acordo com
Tadeu dos Santos, o mesmo relata que consta nas diretrizes do Banco Mundial e
do Ministério da Integração que a finalidade da barragem é abastecimento
humano, havendo assim a possibilidade no desvio de finalidade na aplicação do
recurso.
São as famílias que continuam
resistindo à investida do capital que merecem respeito e admiração, por não
serem ludibriadas e enganadas como foram as já indenizações, que entregaram suas
terras na certeza de que o valor pago por cada hectare estava de acordo com
suas expectativas e que o destino da água seria para o consumo humano como
recomendado. Mesmo vivendo em uma região esquecida pelo poder público cujo
cenário atual é desolador assustando todos que por lá passam, as famílias que
resistem em permanecer, tentam, com muito sacrifício, sobreviver apenas com o
pouco que produzem, pois há anos não recebem qualquer ajuda financeira ou
quando assim recebem os prazos oferecidos pelos órgãos financiadores são
curtos, não ultrapassando a um ano.
O que causa estranheza e ao mesmo
tempo perplexidade acerca da realização da obra é a presença de máquinas
escavadeiras no local extraindo matéria prima para abastecer as cerâmicas da
região de Criciúma. De acordo com informações fidedignas a jazida do mineral
além de ser de excelente qualidade, seus estoques suprirão as cerâmicas por aproximadamente
30 anos.
A intenção de construir uma barragem para
represar as águas do Rio Amola Faca já é um desejo antigo, porém, vem adquirindo
maior expressividade a cada quatro anos quando da realização de eleições. Hoje o
fator que mais contribui para sua realização, motivo de expectativa por
expressiva parcela da sociedade, são os freqüentes e cada vez mais curtos
ciclos de estiagem que resultam em conflitos entre consumidores e agricultores
pelo domínio da água dos rios da região.
O problema da água no entorno da provável
barragem vem se intensificando em decorrência do modelo agrícola que está sendo
praticado. Por estar a região situada em um vale, a rizicultura de irrigação
que está em franca expansão vem proporcionando profunda modificação da
geografia local onde áreas antes ocupadas por densas florestas estão sendo sucumbidas,
influenciando direta e indiretamente no micro-clima local como também no ciclo
das águas superficiais e subterrâneas.
Não há dúvidas de que a barragem terá
como prioridade suprir de água às propriedades agrícolas da região ficando em
segundo plano o abastecimento humano. Diante dessa realidade Tadeu dos Santos,
membro da ONG Sócios da Natureza, em reunião realizada na comunidade de Areia
Branca, Timbé do Sul, apresentou documento contendo alguns condicionantes que
deveriam ser incluídos no EIA/RIMA do projeto da barragem, como a ampliação da
reserva biológica do aguai; medidas compensatórias para a barragem e a viabilização
do uso da água do reservatório aos proprietários que adotarem programas de
reflorestamento da mata nativa num patamar superior a 20% da área total da
propriedade.
Foi em decorrência da progressiva
escassez de água dos mananciais da região e da redução do fluxo das chuvas nas
épocas em que a cultura do arroz necessita de maior demanda de água, que as
discussões acerca da urgência da barragem tiveram maior ressonância, sendo vislumbrada
pela população beneficiada como uma realidade possível. Porém, era de se
imaginar que um projeto de tamanha proporção onde o valor orçado beiraria os
cem milhões de reais, gerasse tanto impasse envolvendo interesses distintos.
Do dia para a noite o fantasma da
desapropriação, do receio de ter suas propriedades mal avaliadas, de não saber para
onde ir, tomou conta do imaginário das quase 100 famílias residentes na área a ser
invadida pelas águas do Rio Amola Faca. O sentimento de preocupação e incertezas acerca
do futuro pode ser conferido na fala dramática de Marlene Correia Plácido,
moradora de Areia Branca há mais de 30 anos quando disse que há 30 anos aproximadamente vem sofrendo,
de ir dormir e acordar não sabendo o que vai acontecer no outro dia. Agora,
eles vêm dizendo que não vai mais existir barragem. Como a gente daqui fica?
Nós vamos nos unir e daqui por diante vamos cobrar nossos direitos. Jornal do
sul – 23/10/09
Aproveitando a situação de
vulnerabilidade na qual as famílias daquela comunidade estavam submetidas, a
partir de 2004, as forças políticas pró-barragem do sul de Santa Catarina,
pressionadas pelos rizicultores e demais setores interessados, fecharam o cerco
lançando ultimato às famílias para que aceitassem imediatamente os valores
estipulados pelas indenizações e saíssem imediatamente das terras.
Algumas famílias, não suportado as
pressões advindas do empreendedor, acataram os valores oferecidos e abandonaram
suas propriedades deixando para trás ruínas e lembranças do passado. Outras
famílias, mais precavidas, suspeitando que as avaliações feitas às propriedades
em 2008, por uma empresa contratada pela Casan estavam envoltas de falhas, pois
os valores atribuídos beiravam o ridículo, tomaram medidas ousadas contratando um
profissional independente para avaliar as terras. Os valores orçados foram anexados
ao processo e encaminhado ao Ministério Público Estadual, que até o momento não
tinha sido ainda sentenciado pelo referido órgão.
A ação judicial impetrada pelos proprietários
das terras contra a Casan exigindo que a mesma revisse os valores oferecidos às
propriedades, parte do pressuposto de que a empresa se utilizou de uma
metodologia para avaliar as terras que não é reconhecida pelos moradores. A
justificativa apresentada por um das pessoas envolvidas na ação, rejeitando a
proposta da Casam, parte do princípio que a empresa aproveitou a situação de
penúria e incertezas acerca do futuro oferecendo um valor ínfimo cuja
justificativa foi a desvalorização das terras.
Em termos comparativos, uma das
propriedades da região cuja área avaliada é de aproximadamente sete mil metros
quadrados, de solo excelente para o cultivo de arroz, fumo, milho e com três tipos diferentes de barro
para a indústria cerâmica, o valor oferecido pela empresa foi de R$ 540.927.06.
A empresa contratada pelos moradores, que adotou metodologia mais consistente,
levando em consideração aspectos mais específicos como qualidade do solo e toda
infraestrutura construída, o resultado surpreendeu, chegando próximo a R$
1.500.000, três vezes superior ao valor orçado pela empresa contratada pela Casan.
Diante da ação impetrada na justiça
pelos moradores tentando forçar o empreendedor a rever os valores, o processo
de construção da barragem foi paralisado, podendo, quem sabe, recomeçar os
trabalhos depois de decisão judicial. A empresa responsável pelo empreendimento
tendo conhecimento da ação acionou seus advogados encaminhando processo de
defesa cuja intenção seria convencer os promotores de que o processo lançado
pelos moradores de Areia Branca não corresponde aos fatos.
Nos autos do processo é possível observar
alguns itens que tentam convencer a justiça de que os trâmites de negociação
com os moradores ocorreram dentro da mais pura tranqüilidade, tendo o
acompanhamento de assistentes sociais e outros profissionais. Em conversa com
uma das moradoras beneficiadas pela liminar, a mesma afirmou que o processo não
ocorreu como alegou a empresa, que os profissionais que participaram das
negociações em nenhum momento se sensibilizaram acerca das angústias dos
moradores de areia branca.
No processo impetrado pela Casan, a
mesma tenta convencer o Ministério Público que os valores exigidos pelos
moradores estão muito acima do teto estabelecido e pede que seja cassada a
liminar na qual impede a continuidade da obra para que a empresa se aposse dos
terrenos. Outro artifício adotado pelo
empreendedor nos autos encaminhados à justiça para derrubar a liminar é o
Decreto Estadual n. 1.726 de 20/09/2008, que corrige o Decreto Estadual 500 de
06/08/2007, que torna de utilidade pública, todas as áreas que serão atingidas
pela barragem.
Se a área em questão tornou-se de
utilidade pública deixa transparecer que não houve negociação quanto aos
valores dos terrenos como alega o empreendedor nos autos, e que o papel das
assistentes sociais não foi de ouvir o que pensam os moradores, mas
convencê-los de que a obra será importante e que devem aceitar a oferta
oferecida e sair do local para que a “população beneficiada” não seja
prejudicada. Nota-se que nos autos o empreendedor chegou ao ponto de solicitar
a presença da polícia no local para garantir o prosseguimento das obras caso as
negociações não dessem resultados.
Pouco foram os políticos que se
sensibilizaram com a causa da população daquela comunidade, deixando
transparecer que era muito mais confortável e seguro defender a execução da
obra hidráulica, mesmo sabendo dos equívocos técnicos apresentados, pois, com a
sua efetivação a garantia de dividendos políticos era indiscutível. Por que ser
contrário a uma obra tão importante politicamente sabendo que trezentas pessoas
aproximadas que lá residem, pouco impacto oferecem a uma campanha eleitoral.
Talvez seja esse o fator mais convincente para justificar o quadro de abandono
da comunidade.
Os primeiro sinais reais de que o
projeto se tornaria realidade ocorreram já em 2004 quando a Epagri/SC
apresentou EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/ Relatório Impacto Ambiental)
para iniciar da obra. Tendo conhecimento do documento tanto a FATMA (Fundação
Ambiental Tecnológica do Meio Ambiente) como o MPF (Ministério Público Federal)
vetaram o documento alegando deficiência
técnica, pois não constava no texto itens como a definição quanto ao uso da
água armazenada; o inventário da flora e da fauna e a não caracterização das
APPs. Iniciava a partir desse momento um longo impasse envolvendo CASAN, FATMA
e MPF, que se arrasta até dias de hoje.
O fato mais intrigante ocorrido
durante a tramitação dos processos para a construção da barragem ocorreu em
2008, a partir de denúncia feita pela advogada Ana Cândido Echevenguá que afirmou
existir manobra política junto ao órgão ambiental de Santa Catarina FATMA, cuja
tentativa era facilitar a liberação da licença para o empreendimento sem que
fossem considerados itens importantes como a definição de áreas de preservação
permanente; a política de distribuição da água à população e as medidas mitigadoras,
ou seja, ações que o empreendedor deverá promover para reduzir ao máximo os
impactos ambientais. Para Echevenguá, a manobra teve início depois da
realização de uma (webconferência) em Florianópolis tendo a participação de representantes
do Ministério da Integração Social que garantiram a liberação de 58 milhões de
reais para que a barragem fosse iniciada em 2010, data que no calendário
eleitoral seriam realizadas eleições para o legislativo e o executivo estadual
e federal.
Para que fosse viabilizada a
liberação dos recursos era compromisso do governo estadual, como exigência
Legal, encaminhar licença ambiental. Nesse ínterim entra em ação a FATMA que providenciou
o documento sem a apresentação do novo EIA/RIMA, que deveria constar as 22 cláusulas
recomendadas pelo judiciário estadual e federal e pela própria FATMA, na qual foi
anexado ao relatório como condicionantes da Licença Ambiental Prévia. Para o
procurador do Ministério Federal, Darlan Airton Dias, houve leviandade por
parte do órgão ambiental, pois bem sabia que a Licença Ambiental Prévia é um
instrumento que atesta a viabilidade ambiental, portanto, os estudos ou
cláusulas encaminhadas jamais deveriam aparecer como condicionantes da LAP
(Licença Ambiental Prévia), mas anterior a mesma. De acordo com o Art. 8, I, da
resolução do Conama n. 237/97, a Legislação Ambiental Prévia atesta a
viabilidade ambiental do empreendimento. Portanto, a mesma só pode ser
concedida após a aprovação do estudo do EIA/RIMA.
A tentativa do governo de burlar a
legislação federal quando encaminhou de forma equivocada e proposital a licença
ambiental para a construção da barragem com a pretensão de favorecer o
empreendedor, CASAN, porém imediatamente anulado pelo Ministério Público Federal,
abriu espaço para que fossem proferidas críticas ácidas contra o governo. Segundo
Tadeu dos Santos da ONG Sócios da Natureza o mesmo defendeu que tal transgressão
mereceria investigação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, pois
configurou uma possível improbidade administrativa e um flagrante favorecimento
político.
Sobre o flagrante crime de
responsabilidade acerca da liberação da licença, o MPF, denunciou em nota que
desde o segundo semestre de 2006 vinha constatando deficiência técnica no EIA/RIMA,
e que tais irregularidades já tinham sido comunicadas ao governo, porém, sem
que fossem tomadas providências. Continuou o procurador que lamenta que o órgão
ambiental de Santa Catarina tenha descumprido a legislação para atender
interesses de políticos regionais e do governo do estado.
Em reportagem publicada pelo Jornal
Diário Catarinense em 24 de agosto de 2006, Cristiano Rigo Dalcin, cidadão residente
em Timbé do Sul, o mesmo não se eximiu de expor sua indignação revelando quem
serão os verdadeiros beneficiados com a obra. Segundo ele há por trás do
projeto interesses políticos e eleitoreiros e a ganância dos produtores de
arroz de municípios vizinhos que usam como justificativa para convencer a
população local o histórico de estiagens. Outro argumento importante na fala de
Dalci é a discriminação causada pelo decreto, que declarou o vale onde será
construída a barragem como de utilidade pública, e que resultou na
desapropriação indireta dos moradores.
Na busca de mais informações acerca
do projeto da Barragem do Rio do Salto, foi possível ter acesso a inúmeras
reportagens publicadas pelos jornais da região nos últimos sete anos. Lendo-as tem-se
a sensação de que os mesmos agentes noticiosos mantém uma posição de defesa incondicional
da barragem abordando apenas aspectos
positivos do projeto, se eximindo de publicar questões polêmicas e
controvérsias como as manobras adotadas pelo órgão ambiental na tentativa de
burlar à justiça e garantir a construção da obra. O argumento apresentado pelo
empreendedor, teoricamente, atende os preceitos da Lei n. 9.433/97 de Recursos
Hídricos na qual determina que o uso da água, em situação de escassez, deverá ser
para o abastecimento humano, vindo em segundo os animais e em terceiro, a
agricultura. Desobedecendo a tal legislação incorre o responsável pela
infração, de crime de responsabilidade.
Como qualquer obra de tamanha
envergadura como uma barragem, as legislações brasileiras são severas quanto a
sua execução. Em 2006 vieram à tona os imbróglios de um projeto cheio de falhas
e confuso cujos interesses políticos se sobrepuseram aos pareceres técnicos na
qual obrigavam o empreendedor a cumprir todas as determinações legais. O
problema é que tais entidades como a FATMA e CASAN responsáveis pelos estudos
de viabilidade e gerenciamento do projeto são pertencentes ao próprio governo e
cujos pareceres lançados exibiam nítidas falhas técnicas.
Mais duvidoso ainda são os critérios
adotados pelo empreendedor quando da avaliação das propriedades a serem
indenizadas, não correspondendo com o discurso apresentado pelo presidente da
CASAN, Walmor de Luca, quando esteve na comunidade de Areia Branca em 2007. Na
oportunidade o mesmo reafirmou que sua pretensão era fazer as coisas do modo certo para evitar conflitos. Prometeu pagar
as indenizações em única parcela e entrar em acordo com os moradores tão logo tivesse
recebido parte do dinheiro do Ministério da Integração. Sua promessa de que todas as famílias seriam indenizadas e em
conta única, não passou de mais uma das tantas promessas não cumpridas pelo
empreendedor. E isso pode ser confirmado em reportagem publicada pelo Clic
Tribuna, pertencente ao jornal a Tribuna
de Criciúma em 16,17/07/2011, cuja manchete reafirmava que o governo promete indenizar restante das
famílias atingidas pela barragem. A notícia foi divulgada mediante entrevista realizado
com o Deputado Manoel Mota que foi
enfático em afirmar que o governador Raimundo Colombo pagará as 53 famílias
restantes em seis parcelas, com início no próximo dia 22 de julho de 2011. A
obra está inserida no PAC 2 do governo federal, com recursos na ordem de quase
50 milhões de reais. o governo queria pagar em 12 ou 15 vezes. Pressionei e
consegui em 6 meses.
Se em 2006 o número de famílias a
serem indenizadas era de 85, cinco anos depois apenas 32 tinham sido contempladas.
A pergunta que todos certamente gostaram de fazer seria a seguinte: Que valores
foram pagos por tais indenizações, se ambas ocorreram em parcela única e por
que as demais não foram contempladas? O que se soube mediante contato com uma
das moradoras da comunidade é que a proposta lançada pelo governo não foi acatada
por algumas famílias, pois a mesma fora interpretada como ridícula. De acordo com Jonas de
Oliveira, 19 anos e residente em Areias Brancas, o mesmo relatou que a
negociação da terra improdutiva está em
R$ 7 mil o hectare, enquanto que a produtiva o valor estipulado é um pouco
maior, ou seja, chega a R$ 10 mil o hectare. Segundo ele somente a residência vale R$ 110
mil. (jornal de manhã, 31/03/09). Outra
moradora, Rosa Maria Inácio, indignada com a situação de penúria na qual se
encontra a comunidade desabafa fazendo uma profunda crítica aos políticos da
região, segundo ela os políticos falam que aqui só tem pobreza, mas não estamos
pedindo ‘bóia’ prá ninguém, temos água boa, vivemos tranqüilas aqui. (jornal de
manhã, 31/03/09). Como forma de assegurar tal direito, tais famílias entraram
na justiça. Enquanto não for solucionada tal questão todo processo da barragem
ficará parado. Na
mesma reportagem do jornal Clic Tribuna o deputado Mota seguiu dizendo que é um
sofrimento de 28 anos. Que Fez muita gente chorar com a notícia. Que na próxima
sexta feira, o governador virá para se
reunir com a comunidade e repassar a primeira parcela.
Em 2009 a questão das indenizações
das famílias ainda não tinha sido resolvida como prometido na época do
lançamento do projeto, e a ameaça de perda dos recursos passou a ser divulgada
principalmente pelo Dep. Jorge Beira que insistia ameaçando o governo de que se o mesmo não cumprir o acordo e pagar o que
deve às famílias até o dia 20 de dezembro de 2009, os recursos serão destinados
para outra obra. No entanto a justificativa do governo para o não pagamento das
indenizações é a falta de recursos no caixa da Casan e dificuldades junto aos
órgãos ambientais para o licenciamento. Um ano antes de o deputado Boeira fazer
ameaça de possível perda dos recursos para barragem, na Assembléia Legislativa
do estado os deputados se preparavam para a votação de uma emenda que ampliaria os recursos do estado
para a barragem, certamente tais valores seriam destinados às indenizações das
famílias.
O que causou estranheza foi à
atitude da bancada do PMDB, especialmente dos deputados Manoel Mota e Ada de Luca que votaram contra a
emenda. Nas audiências ocorridas e nas entrevistas concedidas aos jornais e
rádios da região sul, ambos parlamentares assinaram termo de compromisso em
conjunto com os demais legisladores da bancada do sul que a prioridade seria a
barragem. O deputado do PP Valmir Comin, justificou a atitude como lamentável,
afirmando também que na hora da votação da emenda, que garantiria mais um
milhão e meio no orçamento, o deputado Genésio Goulart (PMDB) não apareceu,
enquanto que Manoel Mota, vice-presidente da comissão sobre a barragem e Ada de
Luca, esposa do presidente da Casan, Walmor de Luca, votaram contra. No total
da emenda, os recursos chegariam a 5,5 milhões, como contrapartida do Estado (jornal
correio do sul -16/09/09).
Prof. Jairo Cezar
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