Desconstruindo pré-conceitos acerca do dia 19 de abril, dia do índio
Com a aproximação do dia 19 de
abril expressiva parcela das escolas brasileiras aproveita a data para
relembrar a história do que resta de um povo que há 513 anos vem lutando contra
o poder dos latifundiários do agronegócio para fazer valer o direito a um
pedaço de terra que lhe garanta um mínimo de dignidade. Muitas dessas unidades
de ensino devido a escassa preparação de seus profissionais quanto ao tema
continuam difundindo conceitos completamente equivocados que em nada corresponde a realidade das
populações indígenas.
É comum nesse dia, em cada final de
turno, estudantes, especialmente das
séries iniciais, saírem às ruas fantasiados, com cocares, arco e flechas e com
os rostos pintados, cujos detalhes procuram retratar o cotidiano de um povo que
é anterior a chegada dos invasores. Hoje em dia, arco e flecha, cocares e
outras indumentárias não estão mais fazendo parte de algumas comunidades, tanto
em decorrência da progressiva devastação do ecossistema na qual vivem, como
também pela presença cada vez mais freqüente nas aldeias das novas tecnologias
como computadores e celulares que estimulam novos hábitos de consumo.
Trabalhar a cultura indígena hoje,
especialmente a brasileira, exige dos educadores uma extensa e árdua preparação.
Porém, são os professores das séries iniciais, com exceções é claro, que
carecem dessa base, muitos dos quais tem apenas como fonte de informação os
livros didáticos oferecidos pelo estado. E o resultado é o que se vê, ou seja, uma
visão totalmente equivocada, que leva estudantes a acreditarem que índio é tudo
igual, que vivem nas florestas, cuja casa é uma oca, que sobrevivem da caça, da
pesca, etc.
Se antes da chegada dos invasores
portugueses, a população indígena brasileira se aproximava os cinco milhões,
hoje, são um pouco mais que trezentos mil distribuídos em 250 etnias que tentam
manter suas tradições. Esse número cada vez mais vem decrescendo, pois vive-se
atualmente um novo processo de ocupação progressiva de suas terras, não pelos
antigos portugueses, mas por fazendeiros do agronegócio que aproveitam as
vantagens oferecidas pelo governo para aquisição de terras no Serrado e na
Amazônia destinadas à cultura da soja e por barragens que represarão rios
importantes como o Madeira e o Xingu para a instalação de hidrelétricas.
Diante da brutal investida do
capital e com o aval do governo federal, comunidades indígenas não se intimidam
e reúnem forças para impedir que projetos como o da Usina de Belo Monte, no Rio
Xingu, seja efetivado. São aproximadamente 20 mil indígenas de diferentes
etnias que serão diretamente atingidos pelo projeto. Além desses mega empreendimentos
que beneficiarão exclusivamente grandes companhias multinacionais como a Alcoa
de alumínio, que se instalará nas proximidades da Belo Monte, a expansão da
fronteira agrícola em direção ao centro oeste e norte do Brasil contribuirá
para o agravamento das tensões entre fazendeiros e indígenas, cujo reflexo são
as denúncias freqüentes de ataques de pistoleiros contra lideranças indígenas que
resistem a tomada de suas terras.
São temas como estes que os
professores devem trabalhar com seus estudantes durante todo ano letivo,
proporcionado a ambos uma abordagem mais crítica e reflexiva em relação a seu
cotidiano que em nada reflete com a imagem retratada nas escolas. Um exemplo de
desrespeito e demonstração de que o índio continua sendo tratado como intruso
em sua própria pátria, ocorreu na Bahia, na Aldeia da Serra do Pedreiro, quando
fazendeiros atacaram membros da aldeia em represália a demarcação das terras
Tupinambás pela FUNAI.
O problema na região foi tão grave,
que anos atrás houve campanha como a instalação de outdoors, patrocinada por
empresas e fazendeiros cuja tentativa era
intimá-los, colocando a culpa nos mesmos pelo não desenvolvimento da
região.
Além desse episódio lamentável e
pouco divulgado pela mídia oficial, outros não menos graves e também rapidamente
abafado pelo próprio governo estão se abatendo nas inúmeras comunidades
indígenas espalhadas especialmente na região centro oeste e norte do Brasil que
tentam sobreviver em pequenos territórios que mesmo demarcada, sofrem
investidas de grileiros, garimpeiros e pistoleiros. Um dos estados mais
emblemáticas no Brasil e que vem sendo
responsável pelo aumento das
estatísticas de assassinatos contra indígenas é o Mato Grosso do Sul. São
centenas de casos de lideranças indígenas assassinadas nos últimos anos por
pistoleiros a mando de fazendeiros na tentativa de expulsá-los das terras, das
quais são pretendidas para a expansão do agronegócio.
O que repercute na região e que
motivou a presença dos jornalistas Spensy Pimentel e Joana Moncau, sendo que o
primeiro é antropólogo e também um dos maiores pesquisadores dos problemas
sofridos pelos Guarani-Kaiowa no Mato Grosso do Sul, foi a divulgação de
entrevistas feitas com parentes de índios Kaiowa assassinados por pistoleiros,
porém jamais encontrados e que buscam
desesperadamente recuperá-los para um enterro digno. Segundo Leonardo Sakamoto,
o mesmo escreve no seu blog que o triste
é que a ditadura militar acabou, mas o Estado brasileiro continua protegendo
por ação direta ou sua inação, os que matam por lucro e poder e escondem os
corpos pela garantia de impunidade.
Outro caso um tanto quanto curioso
envolvendo a Atriz global Regina Duarte, em 2009, quando, participando de uma
feira de exposição agropecuária e comercial em Dourados, Mato Grosso do Sul,
lançou total apoio aos fazendeiros que se posicionavam contrários às
demarcações das terras indígenas. Como todos acreditam que sabem a atriz
global, que também é fazendeira, nas eleições presidenciais quando José Serra
era candidato, lançou publicamente seu apoio ao mesmo, admitindo que à vitória
do candidato Lula lhe causava medo. Em dourados a mesma assumiu a palavra
afirmando que: “confesso que em Dourados voltei a sentir medo”. Sua fala fazia
referência às portarias da FUNAI que previa a criação de reservas nas regiões
da grande Dourados e sul do estado do Mato Grosso do Sul.
Não podemos permitir que tamanha
brutalidade continue sendo praticada contra as comunidades indígenas. Outro
exemplo de brutalidade contra o indígena aconteceu em São Paulo, no Zoológico
municipal quando foi construída uma Oca para representar desse povo. De acordo
com os responsáveis pela iniciativa, a idéia era estimular o respeito e a
valorização do índio como um dos pilares culturais e étnicos do Brasil. Não se
sabe se foi por ingenuidade ou de propósito a escolha do local que em nata
contribui para atingir os objetivos defendidos por seus promotores. O que é
verdadeiro acredito, que muitos concordarão comigo, que poderia ter sido
escolhido qualquer outro local para exposição como praça pública, jardim, etc,
porém jamais um zoológico cujo público freqüentador na sua expressiva maioria
são crianças, que passam a construir um imaginário de que índio é um animal
perigoso que deve ser recolhido como um elefante, tigre, macaco, etc.
Em Santa Catarina, onde no passado
as terras eram habitadas por milhares de indígenas pertencentes aos grupos
guarani, kaigang e Xokleng, hoje se resumem a poucas aldeias como a do litoral cuja
população na sua maioria pertencente ao tronco guarani vem perdendo
progressivamente traços de sua cultura e sendo forçados a ingressarem no
mercado de trabalho para sobreviver. Essa
perda vem ocorrendo desde a chegada dos portugueses e se agravou mais quando
aqui chegaram os imigrantes europeus cujas terras adquiridas eram ocupadas por
tais comunidades. Iniciou-se assim uma
brutal ofensiva do europeu munido de armamento pesado contra arcos e flechas. O
resultando é o que se vê hoje nos muitos municípios do litaral de santa Catarina,
cujos vestígios da presença indígenas são possíveis de comprovar através de restos
de artefatos cerâmicos, pontas de flechas e outros artefatos.
A reconstrução da memória desses
povos é compromisso das escolas como forma de mostrar aos educandos que os
mesmos possuíam e ainda tentam preservar uma cultura rica cujos traços podem
ser encontrados na extensa lista de nomes de origem indígena como Ituporanga,
Intaimbezinho, Timbé, Itacurumbi, entre outros.
Sendo assim, a escola de Educação Basica padre Antônio Luis Dias do
Bairro Morro dos Conventos, há aproximadamente dez anos vem desenvolvendo
trabalho que segue essa tendência, ou seja, reconstruir a memória local,
conciliado os aspectos ambientais locais que foram determinantes para que ali
se constituísse uma rica cultura que apresenta traços indígenas,
luso-açoreanos, italianos, entre outros. O que mais motivou os educadores a estender
as atenções para a questão indígena local foi a descoberta na década de 1990 quando
da realização de uma escavação para colocação de uma fossa séptica, de urna funerária guarani em perfeito estado de
conservação, cujo artefato foi doado ao museu municipal de Araranguá.
Em 2010, os professores da unidade
escolar sentindo a necessidade de conhecer um pouco mais do cotidiano desse
povo que de acordo com a vasta presença de pedaços de artefatos encontrados na
região e relatos de pessoas antigas que afirmam ter mantido contato com alguns,
deixa transparecer que o Morro dos
Conventos como todo litoral catarinense eram habitados por milhares de
indígenas predominantemente de tradição guarani.
Com base nesses vestígios e relatos
foi desenvolvida no dia 19 de abril de 2010, ampla atividade na escola onde
cada profissional se comprometeu em divulgar aos estudantes alguns elementos da
cultura guarani como contos e lendas, danças e a produção de artefatos
cerâmicos. Em relação à cerâmica guarani, pois se sabia que a construção dos
artefatos para o cozimento dos alimentos e sepultamento dos mortos era tarefa
das mulheres, foi decidido promover oficina cerâmica envolvendo todos os
estudantes. Coletar
o barro e prepará-lo para a construção dos artefatos foi o primeiro paço. Cada
estudante durante um período de aproximadamente duas horas aproveitou o momento
para construiu seu pequeno artefato que
depois de finalizado os mesmos foram acomodados na biblioteca para secagem e
posterior queima. Essa última etapa ocorreu dois meses depois quando foi aberto
próximo da escola um pequeno buraco e ali depositados os objetos para ser
queimados.
A conclusão que se chegou foi que a
habilidade dos estudantes no processo de construção das peças ficou muito aquém
à das mulheres guaranis, sendo que grande parte dos objetos produzidos não
resistiram a queima e se desintegraram com o fogo. Que técnicas as mulheres
guaranis utilizavam na construção das peças que fez com que resistissem durante
séculos como a urna funerária encontrada no bairro? São estas e outras
perguntas que invadiram o imaginário dos estudantes. Passado três anos, os
professores, não os mesmos da época, pois muitos como eram acts foram para
outras escolas, resolveram repetir o trabalho. Durante toda semana que
antecedeu o dia 19 de abril, professores e estudantes estiveram envolvidos nos
preparativos das atividades à serem apresentadas na escola. A apresentação de
dois documentários acerca do cotidiano das populações indígenas foi fundamental
para mostrar a todos as dificuldades que passam para sobreviver.
No dia 19 de abril de 2013, nos
dois períodos foram feitas encenações retratando algumas lendas conhecidas como
a do milho, presente na tradição guarani. Outro ponto marcante foi o
envolvimento dos estudantes na produção de desenhos com a utilização da técnica
rupestre, que são figuras ou símbolos que aparecem nos objetos confeccionados
pelos indígenas e que expressam um certo significado. Saber a origem dos
indígenas brasileiros, suas localizações no território brasileiro, seus troncos
culturais e suas subdivisões como a dos guaranis que habitam o litoral
catarinense foi outra importante tarefa desenvolvida na escola. A conclusão do
trabalho ocorreu com a oficina cerâmica cujos estudantes tiveram a oportunidade
de experimentar um pouco a arte de produzir artefatos com as próprias mãos.
São atividades como essa que
permite o estudante vivenciar um pouquinho o mundo de um povo ainda pouco
conhecido pela sociedade e que pode contribuir para poder repensar a forma como
essa mesma sociedade dita civilizada vem tratando o ambiente em que vive.
Garantir a sobrevivência dessas sociedades depende das políticas públicas que
estão sendo adotadas pelos governantes. O que assusta é que tais políticas não
proporcionam nenhuma garantia substancial às comunidades, muito pelo contrário,
a única certeza é de que a sobrevivência desses povos está condicionada na
integração dos povos, unindo forças para enfrentar os “abutres do capital”,
cujo dinheiro e o poder é o que interessa.
Prof. Jairo Cezar
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