V COLÓQUIO INTERNACIONAL “A
EDUCAÇÃO PELAS IMAGENS E SUAS GEOGRAFIAS” E XVII SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA DA UDESC
A
geografia como ciência dos espaços e suas diversidades, nos últimos tempos vem
redirecionando seu olhar nos movimentos e tensões sociais globais, compreendendo
que imagens e fronteiras são
instrumentos de poder, muito além das estéticas e limites territoriais. Foram esses
e outros diversos assuntos debatidos durante os quatro dias no V Colóquio Internacional e XVII SIMGEO, realizado
nas dependências da UDESC – Florianópolis, entre os dias 06 a 09 de novembro de
2017. Entre os temas geradores discutidos nas mesas redondas tiveram
destaques: território de poder nas
imagens; cartografias (in)possíveis I e II; invenções entre cinema, educação e
geografia. No encontro, professores/as, estudantes e pesquisadores/as,
brasileiros/as e estrangeiros/as, tiveram oportunidades para apresentar seus
trabalhos investigativos, que totalizaram 113.
A
participação da EEBA de Araranguá no V Colóquio Internacional de Geografia
mostrou que embora existam infinitas barreiras (fronteiras) que se erguem no
entorno e interior das escolas públicas, ela se fez presente provando que na
rede estadual de ensino catarinense também se faz pesquisa com qualidade. Por ser o evento de caráter internacional e com vagas limitadas, era previsível
que houvesse um elevado número de inscrições de trabalhos. O projeto encaminhado à
comissão do colóquio “Práticas Simples para a Contenção dos Desperdícios
de Energia Elétrica e Água na EEBA” foi selecionado entre os 112 escolhidos pela comissão organizadora. Embora
a temática norteadora do encontro fosse Educação Pelas Imagens e Suas Geografias,
a comissão organizadora se mostrou atraída pelo tema encaminhado por
considerá-lo relevante no processo educacional.
As oficinas se constituíram também em instantes relevantes no encontro, pois oportunizaram aos participantes contatos com assuntos
e metodologias pouco difundidas no cotidiano das escolas do ensino básico. Entre
as novidades os destaques foram o emprego de imagens para a interpretação do espaço geográfico;
imagens e geografias descolonias; realidades do lugar-escola que trazem para os filme? cidade em movimento: poéticas do corpo e mapas sensoriais na composição
de geografias menores; uma partida de futebol – globalização e o ensino de
geografia.
Não
havendo possibilidades de se inscrever em mais de uma oficina, todos/as tiveram que optar à oficina que mais se ajustava ao tema de interesse. As novas tecnologias como Smarts
Phones, computadores, notbooks, tablets, etc, por já fazerem parte do cotidiano das escolas, a escolha da oficina “que realidade do lugar-escola traz pro
filme”, foi opção para 15 congressistas, cujos trabalhos apresentados foram mediados pelo
Prof. Dr. Wenceslau Machado de Oliveira Júnior, da Unicamp, Campinas.
Todos/as
que estavam na sala da UDESC para participarem das oficinas mostravam-se um tanto ansiosos/as
acerca do modo como se desdobraria os
trabalhos. O professor Wenceslau, no primeiro momento distribuiu folha de papel A4,
pedindo que desenhassem ou escrevesse algo que tivesse marcado suas vidas na UDESC.
Concluída essa etapa, foram formados grupos com 4 ou 5 membros, cada qual teria
que elaborar um roteiro das impressões obtidas na universidade, que
posteriormente resultaria em um pequeno filme. Para quem jamais vivenciou tal
experiência, o momento foi ao mesmo tempo angustiante e desafiador. Como montar
roteiro diante de pessoas recém conhecidas e com impressões distintas da instituição de ensino (Udesc)?
Depois
de intensas e quase intermináveis discussões, finalmente o grupo chegou ao um consenso descrevendo como seria o roteiro do pequeno filme. Cerca de 30 minutos
depois, os grupos estavam novamente reunidos para a exibição dos curtas. Quem pensou
que haveria a distribuição de equipamentos aos grupos para a produção dos filmes,
se enganou. Cada um utilizou seu próprio Smart Phone e nada mais.
É claro que houve trabalhos mais bem elaborados que outros pelo fato de haver
no grupo indivíduos com habilidades no uso dos equipamentos.
O
objetivo da oficina foi mostrar que é possível revolucionar o espaço escolar utilizando
equipamentos como o celular utilizados por quase todos/as os/as estudantes. Outro aspecto observado no trabalho foi perceber que o imaginário dos indivíduos está contagiado por percepções hollywoodianas
de mundo, ou seja, por produções cinematográficas previsíveis, pouco
impactantes intelectualmente, de fácil compreensão e com finais sempre felizes.
Os roteiros geralmente não refletem o cotidiano conturbado e contraditório de sociedades
marginais, afetadas pela fome, medo e instabilidades emocionais. Quando os filmes foram exibidos, o professor incitou
o publico a distinguir os aspectos objetivos e subjetivos apresentado por cada roteirista.
Inserir múltiplas paisagens, efeitos visuais e sonoros são importantes na
montagem do roteiro. Não havendo possibilidades de inserções de ambos aspectos no
roteiro, somente a imagem pode resultar em excelente trabalho.
A
aplicação dessas ferramentas e metodologias em sala de aula pode proporcionar
relevantes resultados no processo educativo, indo muito além do currículo
formalizado. Sobre a temática imagem em sala de aula, uma professora da Universitária
Federal de Dourados, Mato Grosso do Sul, apresentou trabalho de uma de suas orientandas, com o seguinte tema: o Ensino da Geografia e Cinema: Uma Análise a Partir das Concepções
e Práticas dos Professores de Geografia da Rede Pública Estadual de Dourados/MS.
A proposta da pesquisa se baseou na observação dos critérios e comportamentos
dos/as professores/as de geografia durante a escolha e exibição dos filmes nas
aulas.
A pesquisa teve como objeto motivador a lei n. 13.006/2014 na qual estabelece a obrigatoriedade das escolas exibirem duas horas de filmes nacionais mensais como complemento do referencial teórico curricular complementar. Dentre os vários gêneros exibidos pelos/as professores/as, o que ficou em primeiro lugar foram os documentários, com 16%, em segundo ficou gênero drama, com 13%; em terceiro guerra, com 12%. O que despertou a atenção na pesquisa foi quanto ao roteiro de filmes selecionados pelos professores, na sua grande maioria escolhiam produções já exibida pela rede globo de televisão.
A pesquisa teve como objeto motivador a lei n. 13.006/2014 na qual estabelece a obrigatoriedade das escolas exibirem duas horas de filmes nacionais mensais como complemento do referencial teórico curricular complementar. Dentre os vários gêneros exibidos pelos/as professores/as, o que ficou em primeiro lugar foram os documentários, com 16%, em segundo ficou gênero drama, com 13%; em terceiro guerra, com 12%. O que despertou a atenção na pesquisa foi quanto ao roteiro de filmes selecionados pelos professores, na sua grande maioria escolhiam produções já exibida pela rede globo de televisão.
Portanto,
vê-se nesse processo o papel instigador dos meios de comunicação de massa (TV)
na indicação dos títulos. As produções de
maior preferência em sala de aula foram: O Auto da
Compadecida; Morte e Vida Severina; Central do Brasil e O Quatrilho, etc. A
exibição de filmes nacionais, portanto, não faz parte do cotidiano das escolas
brasileiras como recomenda a legislação vigente. As sessões ainda se transcorrem esporadicamente,
seguindo critérios de necessidade, vinculados a trabalhos ou conteúdos
curriculares específicos.
Nas
duas palestras de abertura do V colóquio, cujo tema foi Territórios e Poder Nas Imagens, o professor Wenceslau Machado
trabalhou a ideia das imagens postadas nas redes sociais, jornais, revistas e
livros didáticos, definindo-as como instrumento de poder e dominação social. Expôs
figuras que ilustram capas dos livros
didáticos de geografia distribuídos nas escolas dos países periféricos, contendo
desenhos de índios, negros e aspectos da geografia. Que tais critérios de
escolhas das mesmas são políticos, com pretensões de fazer as pessoas aceitarem ou naturalizarem
as adversidades econômicas e sociais. Em momento algum ou com raras exceções,
o/a professor/a, diante dessas imagens, fará qualquer reflexão mais apurada,
interpretando-as como algo em movimento, dinâmico.
Na
realidade a fotografia mostrada tenderá reduzir ao máximo a percepção do
espaço. Qualquer questionamento será feito à imagem, na tentativa de saber quem a fez, como e por que. A
intenção será minimizar a possibilidade do expectador de poder penetrar o mais
profundo possível na imagem, compreendê-la a partir das experiências de
que as tirou, seu contexto ético e político. São comuns
nos livros didáticos de geografia que retratam países desenvolvidos, imagens de cidades iluminadas, campos agrícolas informatizados e outras
tantas benfeitorias. Questões como
miséria, pobreza, favelas, etc são omitidos. Agora quando o intuito e descrever
os países periféricos ou subdesenvolvidos, que imagens geralmente ilustram as
capas e páginas? Qual o sentido ético e político de tudo isso?
Imagens,
portanto, podem servir para diferentes fins: fortalecer o sentimento de
impotência coletiva ou, que é mais comum, forjar imagens para atrair
investimentos ou promover à venda de aportes públicos. Na sequência do tema
imagens como instrumento de poder, uma acadêmica de geografia explicitou em seu
trabalho, vídeo da cidade de São Paulo que foi roteirizado pelo poder público e exibido para empresários
do mundo inteiro em Dubai. O
documentário ostentava uma cidade
frenética, dinâmica, atrativa, multicultural, globalizada, empreendedora e que fazia
jus ao apelido de a Locomotiva do Brasil.
A propositura do vídeo foi oferecer aos detentores do capital o patrimônio
público da cidade como parques, estádios de futebol, marcados públicos,
terminais de ônibus, entre outros. O documentário
ilustra bem o papel político da imagem, vendar a cidade, tornando invisível aos
olhos do mundo a cidade real, das contradições, da violência urbana, do trânsito
caótico, das favelas, das enchentes, das drogas, do caos na educação, saúde e
segurança pública. Nada disso foi mostrado.
Dois
outros trabalhos apontaram exemplos de como a imagem pode ser manipulada para
construir desejos e possibilidades. Ambos dissertaram temas distintos, porém
convergiam nos seus propósitos, que foram imagens como instrumentos de manifestar
desejos. O primeiro trabalho tratou sobre o turismo religioso em Santa Catarina
como estratégia de vender a imagem do estado para o restante do país. Destacou
na pesquisa a cidade de Nova Trento, que adquiriu nova formatação a partir da
canonização e criação do santuário Madre Paulina. Nos sites, folders e outros recursos
publicitários sobre a cidade, a imagem em primeiro plano sempre destaca o
santuário ou a Santa Paulina. A própria imagem da santa, que evidenciava feição
sisuda, séria, os marqueteiros tiveram o cuidado de forjá-la, dando ar sereno, suave,
meigo.
O
segundo trabalho procurou delinear a cidade de Blumenau pensada para 2050, evidenciando
o perigo das imagens no planejamento urbano. Segundo o pesquisador, o projeto protagonizado
por empresários da região preconizam uma cidade moderna, futurista e com enormes
riscos em apagar definitivamente seu passado, transformando espaços históricos
em centros comerciais. Outra pesquisa apresentada foi em relação ao filme Uruguaio O Banheiro
do Papa e as Geografias Possíveis. O tema abordado proporcionou ao público reflexões sobre contextos tão diversos entre dois territórios (Brasil
e Uruguai). Embora ambos estivessem separados
por uma fronteira física, alfândega, a respectiva barreira não era suficiente para impedir a movimentação de
pessoas de uma lado para o outro, repletas de sonhos, de fé, de superação das dificuldades de uma
região esquecida pelo Estado e pelo próprio poder divino.
As
fronteiras geralmente são espaços repletos de tensões entre os que transitam de
um lado para o outro. Na cidade de Ponta Porã, MS, que faz divisa com Pedro Juan
Cabaleiro, cidade Paraguaia, uma professora desenvolveu atividade com
estudantes de uma escola no lado brasileiro, onde produziram vídeos sobre
fronteiras. Dentre os trabalhos elaborados, o que mais a impressionou foi o vídeo construído no interior do próprio cemitério da cidade. Para os/as protagonistas
do roteiro, a justificativa apresentada pela escolha do cemitério como objeto de
filmagem foi acreditar que fronteira nem sempre é física, podendo ser também abstrata,
subjetiva. O portão ou o muro do cemitério ambos servem como fronteiras entre
dois momentos distintos, a vida e a morte.
Na
cidade de Uberlândia/MG, uma professora que integrou uma das mesas redondas do colóquio
de geografia, discorreu todos os passos de um projeto que aplicou no município.
A proposta foi trabalhar o mapa da hidrografia de Uberlândia, para além das
linhas representadas pelas imagens de rios ou outras paisagens prontas. A
observação, o contato e o registro fotográfico dos rios proporcionaram novos
pensamentos e reflexões do espaço, que somente as imagens captadas no local
poderiam assegurar. A sala de aula, portanto, tende a ser campo de enfrentamento de
resistência às imagens que aprisionam o pensamento, nesse caso os livros
didáticos.
Além
da imagem fotográfica e mapas, que são impregnadas de intenções objetivadas e
subjetivadas, o cinema, como instrumento de representação de cenários,
linguagens e sentidos diversos, tem um aporte político e ideológico bem
definido por quem os dirige. Contudo, a década de 1960 o cinema clássico, da
imagem em movimento quase linear, se vê desafiado diante de um novo estilo de
fazer arte, que instiga o público a pensar a si mesmo. O Tema Cinema como
linguagem educativa foi mais uma pesquisa apresentada por uma palestrante em
mesa redonda no colóquio de geografia. Abordou na sua investigação o cinema do
diretor francês Jean-Luc Godard, das rupturas, dos conflitos, da provocação, da
perplexidade, dos dramas existenciais que acompanham a humanidade. Nos filmes Godard se utilizou de recursos
simples até mesmo celulares para manipular imagens aqui e agora. Digamos que
Godard se tornou o divisor de águas do cinema tradicional, do consensual, para
o gênero provocativo.
Enquanto
a sétima arte no Brasil vem consagrando diretores internacionalmente, a maioria
do público desconhece ou jamais ouviu falar de Patrícia Ferreira Keretxu, cineasta
da aldeia Koenju, no Rio Grande do Sul, considerada uma das pessoas mais
atuantes nos quadros do vídeo nas aldeias. Sua trajetória de vida e trabalho foi
tema de pesquisa debatida em mesa redonda no V Colóquio de Geografia. Seus filmes
retratam cenários distintos daqueles mostrados corriqueiramente pelo cinema e
mídias tradicionais. Além dos saberes tradicionais e da forte espiritualidade, seus
trabalhos são eminentemente políticos, pois cada imagem, movimento e expressão
corporal estão embebidos de simbologia e atemporalidade. No caso das aldeias, o
trabalho com cinema requer outra dinâmica, pois a relação tempo espaço e
linguagem comunicativa são outras.
Algumas
reflexões e questionamentos foram manifestados às conferencistas que abordaram
a temática cinema como ferramenta educativa. Suas respostas comprovam o
distanciamento descomunal envolvendo cinema e ambiente escolar. É necessário
revitalizar a educação e o cinema, considerados campos férteis que
germinam possibilidades. Cinema, porém, é fazer escolhas, enquanto que a escola,
ao contrário, tudo é dado como definitivo, imutável.
Assistir ou produzir curtas pode ajudar
estudantes a compreenderem que nada é estático, que cenários, imagens, falas,
etc, são decisões individuais ou coletivas. Quando se assiste filme ou
documentário, o roteiro, cenas, falas, etc, são escolhas, são decisões
políticas, saturadas de intenções. Congelar cena de um filme e fazer os/as
estudantes pensarem, opinando sobre como as fariam, qual o enquadramento,
ângulo, etc, é um excelente recurso para levá-los/as a entender que a vida é
repleta de possibilidades, que o que é dado, não é imutável, que pode sofrer
alterações.
Seria
preferível, porém impossível, descrever com detalhes os projetos, mesas
redondas e oficinas apresentadas nos quatro dias do encontro de geografia da
UDESC. Entretanto, a mim me coube escolher o que seria mais significativo e que
poderia contribuir decisivamente para mudanças de paradigma no processo de
ensino da geografia. Como fora descrito acima, essa decisão também se
caracteriza como ato político e ético, forçando-me excluir certas falas e
imagens. Não significa que tal decisão tenha proporcionado o empobrecimento dos
argumentos e da crítica. Acredito que tal leviandade não tenha ocorrido e o
público leitor será testemunha no instante que concluir a leitura do respectivo
relatório.
Prof.
Jairo Cezar
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