Desde
os primeiros encontros do projeto orla há quase dois anos, os desdobramentos
nas reuniões já davam mostras de que estaria sendo forjado um cenário cujo
objetivo principal era tornar oficial/legal o processo de ocupação imobiliária
em áreas frágeis. O agravante é que o próprio órgão ambiental municipal, cuja
função institucional é de fiscalizador, vinha e vem fazendo vista grossa a tais
irregularidades e prova inflacionaria é que não falta. Essas afirmações são
fundamentadas em inspeções feitas pelo MPF a partir de 2012, quando pela
primeira vez a Procuradora do órgão federal, Rafael esteve no balneário, acompanhada
pelo promotor público estadual Henrique Aieta; o Superintendente da FAMA, Luiz
Lemmer, no qual foram constatados construções em áreas de APP sem licenciamento
ambiental que uma prerrogativa essencial concedida pelo órgão ambiental
municipal para qualquer tipo de empreendimento.
E
não parou por ai, em 21 de fevereiro de 2013, o Oscip Preserv’Ação, encaminhou
ao FAMA, oficio solicitando cópias das autuações realizadas pelo órgão
ambiental contra cidadãos que descumpriram normas ambientais na parte baixa do balneário.
Em resposta, o órgão ambiental encaminhou relatório contendo a lista de seis
autuações, duas delas por descumprimento do artigo 41 da lei 9.605/98[1] e Art. 36 da lei
complementar municipal n. 2.930 de 2010; três por infringir a resolução do
Conama n. 303/02 e Art. 36 da lei municipal e um por desconsiderar o art. 4 da
lei federal n. 12.651/12; resolução 302 do Conama e lei complementar municipal
n. 2.930/2010. Não se tem notícia se todas as ações, multas e embargos impetrados
tanto pelo órgão ambiental municipal como pela polícia ambiental foram
concluídos e seus infratores púnicos como determina a legislação.
Com
o aumento da demanda por áreas situadas na faixa costeira do município de
Araranguá pelo fato dos terrenos tornarem-se cada vez mais valorizados, o
Projeto Orla criou uma expectativa, especialmente entre os ambientalistas, que
se tornaria um instrumento eficaz para restringir categoricamente a fúria da
ganância imobiliária em áreas de APP. A própria escolha do local para a
realização dos encontros se caracterizou como um mecanismo eficaz para excluir
expressiva parcela da população da parte superior do balneário. Na verdade, nos
encontros o público com participação mais efetiva se constituiu de
proprietários de terrenos e empresários de imobiliário. Salvo integrantes da
Associação de Moradores do Bairro, entidades ambientais e vez ou outra dois ou
três moradores do bairro. E olha que a população do bairro hoje oscila entre 1500
a 2000 pessoas. Por que a não realização dos encontros no barracão da igreja
católica, um espaço tradicional da comunidade que certamente convergiria um
público muito maior que dos encontros no hotel.
Outro,
os convites para os encontros freqüentemente eram feitos via radio ou pelas
redes sociais, jamais houve a iniciativa de contratação de um carro som
convidando a população para os encontros. O próprio ministério público federal
somente foi encaminhado convite em junho de 2015, isso é claro, por iniciativa
da própria Oscip que protocolou convite na própria sede do órgão em Criciúma. Antes
da presença do procurador do Ministério Público Federal Fábio de Oliveira em um
dos encontros do orla no Morro dos conventos, integrantes da Oscip participaram
de reunião com o mesmo para discutir os desdobramentos do projeto e ouvir o
posicionamento do órgão federal quanto a essa iniciativa. Deixou claro que não
alimenta muita expectativa quanto aos resultados.
Que
há outras iniciativas similares em andamento, algumas já bem avançadas cujos
resultados são semelhantes ou melhores do que os pretendidos no Orla. Citou o
mapeamento, através de imagens aéreas, da faixa costeira que está sendo
realizado pela Secretaria de Planejamento do Estado; das reuniões que vem
ocorrendo na capital do estado entre o MPF e os administradores públicos dos
municípios da faixa costeira, com intuito de regularizar tais áreas, que tais
propostas não são bem assimiladas pelos prefeitos pelo fato dos mesmos não
quererem gerar conflitos com a população situadas nas áreas ocupadas
irregularmente; que está sendo procedido ações de demarcação da linha da
preamar como forma de preservar o patrimônio da união. Por fim, disse o
procurador, que há outra proposta, uma terceira via que é a regularização
fundiária mediante zona magro-regional, ou seja, um estudo integral de toda
faixa costeira, entre Balneário Rincão e Passo de Torres, que apresentam
características similares. São abordagens distintas do projeto orla que tratam
de ações específicas de um micro-território fragmentado.
Nas
dezenas de encontros do Projeto Orla, em nenhum momento teve a presença de
algum representante do Iphan ou do IBAMA, órgãos federais importantes. Antes do
início dos encontros do Orla, quando foram encaminhados convites às entidades
para indicarem seus delegados, a data limite para protocolar os ofícios na FAMA
era para o dia 15 de outubro de 2015. A Oscip cumpriu exatamente o prazo
estabelecido. Dias depois veio informação que o prazo tinha sido prorrogado
para o dia 30 de outubro do mesmo ano.
Quando deram inicio as reuniões a informação era que somente os delegados
indicados e protocolados no órgão ambiental na data que foi definida, 30 de
outubro teriam direito ao voto, sendo que para os demais participantes seria
permitida apenas manifestação oral.
O
que se esperava no primeiro encontro era que a coordenação procedesse a leitura
dos nomes dos delegados e entidades únicas com direito ao voto. Nada disso
ocorreu. Se o projeto orla é de iniciativa do poder público era de se esperar
que a coordenação ficasse sob a responsabilidade da secretaria de obras e não
do órgão ambiental municipal, sendo órgão fiscalizador e autônomo. Outro erro
que passou batido. Todos nós sabemos que eventos como o projeto orla fosse
procedida elaboração de ata dos encontros. Acredite, a primeira ata elaborada
somente foi lavrada sete meses depois do primeiro encontro, isso graças a
insistência dos participantes. Como ficam as deliberações anteriores? Diante
dessa situação embaraçosa, a Oscip Preserv’ação encaminhou, em outubro de 2016,
ofício à coordenação do orla solicitando cópias das atas e dos ofícios, este
último identificando os delegados indicados pelas entidades.
Até
o presente momento nenhuma resposta foi dada pela entidade responsável. Até que
ponto tudo o que foi deliberado nesse quase dois anos de reuniões tem validade
legal. No começo de 2016 a própria Oscip enviou ofício ao MPF para que fosse
tornado nulo o Orla, se por ventura a coordenação não atendesse a solicitação
da Oscip. E as denuncias continuaram. Outra prova que o projeto orla terá
apenas papel figurativo se repetiu durante 2015 e 2016, quando proprietários
deliberadamente expandiram ruas e construíram imóveis sem qualquer impedimento
dos órgãos ambientais competentes. Se as discussões sobre regularizações das
áreas destinadas à construção imobiliária e APPs estavam em andamento, o mínimo
que se esperava era autuação do órgão ambiental municipal inviabilizado
qualquer obra sem antes ter aprovado o plano diretor com os indicativos do Orla.
Nada aconteceu.
A
própria câmara de vereadores também intercedeu de forma irresponsável propondo
também deliberadamente ações para o balneário, sem que o vereador propositor
jamais tivesse tido participação de algum encontro. Portanto, a audiência
pública da terça feira, quando foi apresentado o mapa do morro dos conventos constando
os códigos das áreas permissíveis e não permissíveis às construções, ficou explícito
aos olhos de quem enxerga o Morro além do capital, de que nosso frágil e
complexo santuário está com os dias contados. A presença de cerca de cinquenta
pessoas no encontro, desse total, apenas três ambientalistas, já dá uma noção a
quem realmente beneficiará o projeto orla.
Prof.
Jairo Cezar
[1] Art. 41. Provocar incêndio em mata ou
floresta: Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo
único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e
multa.
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