Os diferentes
discursos e interesses por trás da obra de contenção da água da Lagoa do Caverá
Para
compreender a dinâmica do complexo ecossistêmico lagunar localizado na extremidade sul de Santa Catarina com
destaques as Lagoas do Caverá e Sombrio, que estão secando, se faz necessário
recuar na história geológica da terra e entender que a constituição
geomorfológica da região que é objeto de reflexão se deve a dois momentos
distintos ocorridos nas épocas pleistocênica e holocênica. A primeira época,
mais fria, teve início há cerca de 1,6 milhões de anos, e se estendeu até por
volta de 10 a 12 mil anos quando começou a segunda fase, mais quente, conhecida
também como era quaternária. O planeta
terra, portanto, durante esses quase dois milhões de anos foi submetido a
fortes oscilações geoclimáticas, influenciando o nível dos oceanos ora mais
alto, ora mais baixo.
No início da fase quaternária, há 10 ou 12 mil
anos, fase final da última glaciação ocorreu as deposições derivadas de ações
marinhas e eólicas formando os cordões arenosos/dunas responsáveis pelo
isolamento de lagos/lagoas costeiros como os mananciais Caverá, Sombrio, da
Serra, Pirita, de Fora, Pequena, da Tenreira, Cortada, Comprida, do Bicho, entre
outras menores, interconectadas entre si e constituindo um dos maiores
reservatórios de água doce do estado. O que chama
atenção é a estreita faixa de praia que se estende a partir da foz do rio
Araranguá indo em direção a divisa do estado gaúcho, cujos sedimentos recobrem
e vem recobrindo depósitos de turfas.
A formação turfeira se deve ao avanço do nível do mar, superando os cinco
metros e cobrindo toda extensão em direção oeste, ou seja, rumo a serra geral.
Com o recuo da água formou-se uma barreira arenosa soterrando banhados e transformando-os
em áreas de turfa, que é o primeiro estágio do carvão mineral, e extensivamente
explorado para ser utilizado na queima dos fornos das indústrias da região. Portanto,
o acelerado processo de secagem e soterramento da lagoa do caveira e demais
lagoas como a do Sombrio tem como um dos agravantes a atividade mineradora. Para
enxugar o terreno a empresa adota o sistema de dragagem resultando no
rebaixamento do lençol freático, que por sua vez reduz o nível da água da
própria lagoa.
Paradoxalmente, ao
mesmo tempo em que há manifestações em defesa da lagoa, há aqueles que torcem
pela continuidade do processo de secagem, cuja área antes ocupada pela lagoa dá
lugar à agricultura e a atividade pecuária, que é nitidamente observado tanto
na Lagoa do Caverá como na do Sombrio. Com a construção da barragem, o aumento
do volume da água em mais de um metro invadirá áreas que atualmente é destinada
a pecuária. Por que razão então, o projeto da barragem vem se constituindo em
um tema de difícil execução. Não seria esse um dos motivos, como também das
turfeiras e outras jazidas minerais situadas nas proximidades?
Por
estar a região costeira situada numa área geográfica submetida à intensa e
contínua deposição sedimentar que resulta no soterramento natural do complexo lagunar,
o que se constata é que todo esse processo que poderia demorar milhares de anos
para se constituir, vem se acelerando de modo assustador, com reais
possibilidades dos mananciais secarem definitivamente
em poucos anos como se observa na lagoa do Caveira com área aproximada de mil
quilômetros quadrados. Notem que a situação é dramática beirando o desespero. De
milhares de anos previstos, para apenas alguns anos como se presume, e isso representa
nada quando comparado ao tempo geológico da terra.
Embora
a mobilização da população situada nas proximidades seja intensa engajadas na luta pela sua
salvação, o mesmo empenho não se vê nas instâncias dos poderes constituídos que
não estão encarando a questão do
manancial com a devida seriedade. Se hipoteticamente a lagoa do Caverá se
constituísse como principal recurso de abastecimento da população da região, e
se fosse detectado um problema como o apresentado,
que providências já teriam sido tomadas? Episódio como o da lagoa que vem
perturbando o sono dos moradores, deve servir de alerta para administradores
públicos como dos municípios de Araranguá e Balneário Arroio do Silva cuja
população é abastecida com água oriunda da Lagoa da Serra.
Segundo constatação dos membros da Oscip
Preserv’Ação após vistoria feita há alguns meses, ambos observaram que o respectivo
manancial Lagoa da Serra não recebe os cuidados devidos por parte do poder público.
O que é preocupante são as ocupações e aterros irregulares das suas margens,
que não respeitam os limites estabelecidos por lei. Além do mais há uma
progressiva e criminosa privatização da lagoa, com a fixação de cercas de arame
que se estendem metros adentro.
A
situação da Lagoa do Caverá que há alguns anos
era considerada preocupante por
pesquisados e estudiosos do assunto, atualmente o quadro alcançou o
patamar de alerta absoluto, sendo necessárias medidas emergenciais para conter a
vazão sem controle da água. Se em 1962 o volume hídrico do manancial era equivalente
a 3.30 m, atualmente, deslocando cerca de quatrocentos metros adentro, a
profundidade pouco ultrapassa os 50 cm. Em 2004, a facilitadora do Projeto Microbacias
2, Cristiane Belinzoni, quando da realização de vistoria na lagoa junto com representante
da comunidade constatou que o canal vertedouro fora aberto com autorização da
FATMA acelerando o escoamento da água e que estava comprometendo os poços
artesianos. Diante desse quadro preocupante, em 2005, ocorreu ato público na
comunidade para debater o assunto e definir
estratégias para o fechamento do canal. Em 2007, técnicos do Deinfra
autorizaram a construção de barramento com taipa de madeira e pedras, que não
resistiu a pressão da água devido a fragilidade do solo. http://www.microbacias.sc.gov.br/visualizarNoticia.do?entity.noticiaPK.cdNoticia=3731
Na
tentativa desesperadora de encontrar solução rápida para a lagoa, em abril de
2012 uma comitiva constituída pelo vereador Eduardo Merêncio - Chico (PT); José
Gonçalves Elias, representante da comunidade da Lagoa do Caverá e Paulo Sérgio
Simon, Superintendente da FAMA, estiveram na capital do estado e participaram
de audiência na Comissão de Turismo e Meio ambiente da Assembleia Legislativa.
No encontro, cujo grupo foi engrossado com a presença dos deputados Neodi
Sareta, presidente da comissão; Edson Andrino; Altair Guida; Valmir Comem;
Dirce Heiderscheidt e José Milton Scheffer, ambos entregaram documentos
importantes e cuja resposta se deu com a decisão de decretação de estado de
calamidade pública para os municípios de Baln. Arroio do silva, Gaivota e
Sombrio, no intuito de que a obra fosse caracterizada como emergencial.
Sete
meses depois da realização da audiência na comissão de turismo e meio ambiente
na Assembleia Legislativa, de promessas manifestadas e não concretizadas, um
novo encontro para tratar do assunto foi agendado novamente em Florianópolis na
sede do Deinfra. Com a participação dos vereadores Eduardo Merêncio (Chico),
Anísio Premoli, Lourival João (Cabo Loro), Luís B. Paulino, e dos Deputados
Manoel Mota e José Milton Scheffer, ambos ouviram atentamente o presidente do Departamento
de Obra e Infraestrutura Paulo Meller, que o projeto da obra estava sendo
construído e que ficaria pronto nos primeiros meses de 2013.
Em
dezembro de 2012, o Jornal Correio do Sul, apresentou reportagem sobre os
encaminhados da reunião ocorrida nas dependências da câmara de vereadores de
Araranguá para novamente tratar sobre o tema Lagoa do Caverá. O encontro
coordenado pelo vereador Eduardo Merêncio, teve a presença de moradores da
comunidade; representante do Deinfra, o Gerente Ambiental Heriberto Hulse Neto;
Técnico de Gestão Ambiental da Fatma, Danilo
Martins de Medeiros; Promotor Público Henrique Laus Aieda e o Deputado
Estadual Manoel Mota. O objetivo do encontro foi elucidar a todos sobre as
providências já tomadas em relação ao barramento prometido em outras
oportunidades. Na fala do gerente ambiental do Deinfra, deixou explícito que a
solução da lagoa continuava distante de ter solução. Segundo Neto, seria
necessário fazer estudos específicos, a dúvida era se havia necessidade
realização de EIA/RIMA ou apenas um EAS (Estudo Ambiental Simplificado). Deixou
claro aos ouvidos dos presentes que se fosse acordado o estudo de impacto
ambiental, o processo seria mais demorado.
Diante
dessa afirmativa, o promotor público de Araranguá, Henrique Laus, fez severas
críticas ao Deinfra, que admitiu ser emergencial a obra de contenção da lagoa,
porém, desde 2007 o Deinfra já recomendava um estudo do tipo EIA/RIMA, porém,
já se passaram mais de cinco anos e nada foi feito. Criticou o modo como vem
sendo tratado essa questão, que a responsabilidade pela morosidade da obra não
é atribuída ao Ministério Público, como se ventilava nos meios políticos e na
imprensa. Depois de ouvir todas as manifestações Heriberto Hulse Neto se
pronunciou prometendo que em 90 ou 120 dias estariam concluídos o Estudo
Ambiental Simplificado por empresa técnica contratada pelo estado. Na mesma
semana, o presidente do Deinfra, Paulo Mele, garantiu através de uma ligação
telefônica ao Deputado Manoel Mota que a licitação seria feita imediatamente. http://www.grupocorreiodosul.com.br/jornal/noticias/principal/lagoamorresobosolhosdotodos/
Em
abril de 2013 nova audiência pública no salão comunitário da comunidade da
lagoa, com a presença de moradores, autoridades do legislativo e executivo do
município de Araranguá e Sombrio, Ministério Público Estadual, DEINFRA, entre
outros, foi acordado que o governo do estado iria disponibilizar recursos para
a construção definitiva de uma barragem
com altura de 1,30 m, que elevaria o volume da água para 1,70 m. A própria
empresa Soleca, que venceu a licitação
para desenvolver o projeto, estava presente.
Depois de
realizada a audiência na qual deixou a
população um pouco mais esperançosa, nove meses se passaram e nada aconteceu,
sendo que a única certeza é que a lagoa continua secando, e a barragem...,
apenas promessa e mais promessa. Se fosse ano eleitoral, será que a mesma já
estivesse pronta? Há poucos dias, em entrevista a um programa de radio, o
gerente da SDR (Superintendência de Desenvolvimento Regional), deixou claro que
talvez em fevereiro ou março de 2014 fosse procedida licitação para a
construção da barragem. Se a obra realmente vai ser realizada no ano que vem, por
que enganar o povo com promessas como o
fez o representante do Departamento de Infraestrutura em audiência com a comunidade no começo de
2013. Quanto ao Estudo Ambiental Simplificado prometido pelo gerente ambiental
do Deinfra em audiência em Araranguá, o mesmo ocorreu, ou foi mais uma das
promessas descabidas.
Em
julho de 2013, três meses depois de realizada audiência na comunidade de Lagoa
do Caverá, mais uma vez se constituiu nova comitiva formada pelos vereadores
Adair João, Fama e o engenheiro agrônomo Zaqueu de Favaria, que estiveram em
Florianópolis para uma vez mais ouvir do Deinfra que até o final daquele mês o
projeto estaria sendo executado, pois já estava pronta a licença ambiental,
sendo que os recursos financeiros necessários também estavam disponíveis. O que
faltava, segundo o vereador Jordão, era apenas algumas adequações do projeto
cujos trabalhos estavam sendo providenciados pela Fatma (Fundação Ambiental de
Santa Catarina). O próprio agrônomo que participou da comitiva argumentou que
com a realização da obra seria possível desenvolver alguns projetos como a
instalação de tanques para a criação de peixes nativos, cuja iniciativa poderia
ser coordenada pela Secretaria Municipal do Interior. http://www.cmva.sc.gov.br/noticia/349/jul-2013--lagoa-do-cave
O
superintendente da SDR em entrevista concedida a um programa de rádio local
enfatizou que se tudo correr dentro do cronograma, abril ou maio de 2014 a abra
de barragem poderá ser iniciada. Mas, nem mesmo os mais crédulos se sentem convencidos com mais essa promessa. O que
é verdadeiro e jamais sairá da memória dos habitantes da comunidade da
lagoa é quanto aos esforços que foram concentrados para salvar o manancial.
Salvar o manancial não seria apenas garantir água doce e de qualidade para as
futuras gerações, mas a perpetuação da história de uma comunidade construída a
partir da lagoa. Segundo a fala do ainda candidato a prefeito Sandro Maciel, quando
do comício ocorrido na comunidade da lagoa, o mesmo ressaltou: “se pensarmos em ter uma cidade
sustentável, é preciso que cuidemos da lagoa do caveira”. Por que razão o
problema da lagoa ficou limitado a uma meia dúzia de cidadãos não se configurando
num assunto de primeira grandeza tanto das administrações públicas como da
própria população em geral? A questão da lagoa do caveira muito se assemelha ao
que vem ocorrendo no Morro dos Conventos, balneário situado no município, porém
é tratado como se não fosse pelas antigas administrações e a atual. O resultado
dessa indiferença é o que estamos presenciando atualmente, um balneário
abandonado, com um frágil ecossistema ameaçado pelo vandalismo.
Tanta no
balneário como na comunidade da lagoa somente chegou ao conhecimento da
população os descaso depois que cidadãos (às) foram a público e denunciaram os
problemas que vinham ocorrendo. O que se vê tanto lá como aqui é a certeza de
que alguém ou algumas pessoas oportunistas tenderão a capitalizar para si
algumas vantagens eleitoreiras. A capitalização de tragédias anunciadas como do
manancial do caveira, certamente poderá ser utilizando como bandeira de
campanha política nas eleições de 2014.
Outro
aspecto importante que deve merecer atenção quanto ao tema lagoa do caveira, é
que a solução do problema jamais poderá ser concluída a partir da construção
apenas da barragem. É urgente incluir nas pautas das administrações dos
municípios que integram o complexo lagunar do extremo sul catarinense,
políticas públicas de ocupação e manejo sustentável das mesmas. A criação de
Unidades de Conservação desses ecossistemas será o caminho mais salutar como
garantia para mantê-las seguras. A atividade de educação ambiental relativa às
lagoas, os demais ecossistemas e suas fragilidades deverão fazer parte dos currículos
das escolas dos respectivos municípios. Compreender a dinâmica e as
peculiaridades desses macros e micros sistemas naturais, a partir da tenra
idade, ajudará na construção de uma nova cultura de cidadãos e políticos
sensíveis, éticos e de caráter, cujo princípio da verdade, honestidade
prevalecerá sobre outros dos quais são muito difundidos atualmente.
Prof.
Jairo Cezar
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