A “Via Crucis”
dos educadores da Rede Pública Estadual de Santa Catarina
Vinculada
às políticas de desmantelamento da estrutura publica estadual, como saúde e
segurança, o magistério catarinense vem passando pelo mesmo drama há décadas,
tornando-se mais dramático agora quando vem a público o retrato fiel de dezenas
ou centenas de escolas abandonadas e às ruínas, enquanto que as restantes com
raras exceções apresentam alguma deficiência estrutural ou pedagógica, que impossibilita
ao profissional da educação condições mínimas para o exercício digno de suas
funções. Associado aos problemas de infraestrutura das escolas vive o professor o drama salarial
que para ter direito a uma remuneração
mais digna enfrenta diariamente ou semanalmente à “via crucis” das
estradas lecionando em duas, três ou mais escolas, com carga horária extenuante
de até 60 horas semanais, muitas vezes mal alimentado, obrigando-o, com
freqüência, a utilizar as próprias dependências da escola para preparar ou “requentar”
sua própria refeição.
Como em
qualquer profissão o fator psicológico (equilíbrio emocional) é determinante
para o bom desempenho das funções laborais. Porém, no campo educacional essa
condição continua longe de se tornar realidade, pois diariamente os educadores acordam
na expectativa negativa de novas ações por parte do governo, como a possível
extinção da lei do Piso Nacional do Magistério, da municipalização das escolas
de ensino fundamental, da política de meritocracia e, como agravante, da
possibilidade de encerrar a carreira docente como professor temporário.
É com
medidas vergonhosas para a educação, saúde e segurança, que os governos
estaduais e federal, têm a coragem de ocupar os espaços das mídias para afirmar
que o Brasil está no rumo certo. “Somos a sexta economia do planeta, e com
pouco mais de esforços de todos alcançaremos a quinta, quarta, terceira,
segunda e, quem sabe, a primeira, basta acreditar.”
Recentemente,
em 28 de novembro de 2012, foi divulgado resultado de pesquisa encomendada por
uma consultoria britânica Economist intelligence Unit (EIU), pela Person,
empresa que fabrica sistemas de aprendizado e vende seus produtos a vários
países. A pesquisa, envolvendo 40 países, que avaliou aspectos como
conhecimentos em matemática, ciências e habilidades lingüísticas, qualidade de
professores, dentre outros, colocou o Brasil na ridícula penúltima colocação
entre os avaliados. No topo dos que
obtiveram melhores resultados está à Finlândia, Coréia do Sul e Hong Kong. O
consultor do instituto responsável pela pesquisa constatou que os países que
apresentaram índices satisfatórios têm como premissa a valorização dos
profissionais da educação, interpretado como conceito enraizado na própria
cultura dessas nações.
O que é
curioso acerca desses dados é que não bastam apenas investimentos financeiros,
é necessário construir uma verdadeira cultura nacional de aprendizado, que
valoriza professores, escolas e a educação como um todo. Elevar os
investimentos do PIB na Educação como se pretende no Brasil, mantendo as mesmas
políticas de cunho desenvolvimentista, depredatório, exploratório, irracional e
sem uma inversão cultural profunda, dificilmente retirará o país dessa situação
marginal que se encontra frente às demais.
É
necessário intensificar a importância à educação por parte da sociedade e
melhorar as expectativas dos pais em relação a seus filhos na escola. A
efetivação desses princípios exige uma profunda transformação dos hábitos de
consumo, relacionamento, ou seja, uma revolução cultural, situação que estamos
ainda anos luzes distantes dos demais.
Embora
Finlândia e Coréia do Sul, países que ficaram no topo das melhores, apresentem
profundas diferenças em termos culturais, ambas se assemelham quando atribuem “valor
moral” elevado a educação, ou seja, conceitos adquirimos ao longo da vida com base nos
ensinamentos que recebemos de nossos pais e da comunidade na qual estamos
inseridos, que norteiam nossa forma de ver o mundo e de agir em sociedade. Destaca que os países melhores ranqueados
a importância de empregar professores de alta qualidade e com bons salários é
uma condição de princípio moral que deve ser evidenciado. São esses alguns
exemplos que poderiam já estar fazendo parte da nossa cultura, principalmente quando
se trata da valorização do professores. Não é o que se prevê em curto prazo,
principalmente quanto estiver no comando governos conservadores e autoritários
que sabem muito bem que investir em educação, melhorar as estruturas físicas
das escolas, o aprendizado e valorizar os educadores pagando bons salários
comprometem a hegemonia desse modelo de política, alimentado no apadrinhamento,
na troca de favores e outras tantas benesses.
Quanto
mais angustiado, desestimulado, estressado, estiver o professor menos possibilidades
emocionais ele terá para refletir sua própria condição de trabalhador
explorado, escravizado por um Estado cada vez mais desumanizado e irracional. Esse
sentimento de desencanto, de desesperança dos educadores com sua própria
realidade profissional, refletem diretamente no trabalho diário nas escolas,
com aulas cujos conteúdos “livrescos” são vazios, desconectados com a
realidade, tendo a “prova” ou o “teste” (método comportamentalista, séc. XIX) o
principal instrumento de avaliação. Esse ciclo vicioso que se repete ano após
ano, é percebido na espantosa quantidade de livros didáticos que chegam as
escolas públicas ocupando corredores e salas, numa era em que a informática, a internet,
as redes sociais, os Iped, Iphone, Trablet e tantas outras inovações
tecnologias chamam cada vez mais atenção das crianças e adolescentes, porém
ainda vistos com certo preconceito por ampla maioria de educadores cuja
formação data da era giz, do quadro negro, da prova, do exame, do teste, da
reprovação, da sala da diretoria, do livro negro, do recreio, da sineta, da
campainha, da merenda, etc.
Depois de
anos pressionando o governo para que atendesse as solicitações e promovesse
concurso público para efetivar milhares de professores ainda temporários, o
Estado, de maneira habilidosa, sanciona edital lançando concurso para apenas dois
mil professores, sabendo-se que o déficit no estado atinge cifras aproximadas
de 20 mil. Embora o número de vagas disponíveis fosse ínfimo, a quantidade de
inscritos na esperança de conquistar uma das vagas foi expressiva,
ultrapassando seguramente os 40. No entanto, para cada inscrição a taxa cobrada
foi de R$ 50,00 reais, que multiplicado pelo número aproximado de candidatos,
totalizou uma arrecadação estimada de dois milhões de reais. A resposta que
todos, imagina-se, desejam saber é por que tão cara a inscrição? Qual foi custo
total do concurso e qual o destino do excedente do dinheiro arrecadado?
Depois de concluído os trâmites e a divulgação
dos aprovados e das vagas disponíveis vieram a público aquilo que se esperava que
é costumeiro das administrações que desvalorizam a educação, uma manobra bem
articulada arquitetada pela Secretaria da Educação e aplicada pelas Gereds descumprindo
descaradamente o próprio Edital. Estamos nos referindo ao item cinco do edital
do concurso que trata da jornada de trabalho e vencimentos. De acordo com o
documento a jornada de
trabalho para o cargo de professor nas áreas 2 e 3 corresponde à carga horária
de 10(dez), 20 (vinte), 30 (trinta) ou 40 (quarenta) horas semanais e na área
1, 20 (vinte) ou 40 (quarenta). Portanto se uma escola tiver disponível 40
horas excedentes, ou seja, vaga antes pertencente a um professor já aposentado,
a mesma deveria aparecer no cômputo de vagas. Pois não foi isso que ocorreu, a
Secretaria Educação encaminhou as Gerências Educacionais, como a de Araranguá,
uma listagem de 56 vagas disponíveis, cuja carga horária permitida para
ingresso seria de 10 horas.
No momento da
escolha funcionários da gerencia regional esclareciam os concursados de que os
mesmos quanto efetivados na escola com dez horas de carga horária, havendo vaga
disponível, poderiam incorporá-las sob a
forma de decreto. O que o decreto diz e que não está no edital, o (a)
professor (a) caso seja removido (a), solicite remoção sem remuneração ou tenha
redução
da carga horária, perderá as aulas incorporadas pelo decreto. Não sei se os
leitores perceberam a sutileza do decreto. Quando ressalta que o (a) professor
(a) perderá a vaga em caso de redução da carga horária, subtende-se nesse item
a explicita política do Estado de continuidade da municipalização da educação,
fortemente criticada pelos educadores e setores da sociedade civil, como o
próprio Sinte (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina).
Diante da
política de desrespeito as regras estabelecidas em edital, e como forma de
compensar as perdas, o governo lançou decreto possibilitando aos concursados a
ampliação da carga horária caso exista vagas excedentes na escola escolhida. Expressiva
parcela dos que participaram da escolha foram prejudicados, pois não tinham
informações seguras da existência de vagas excedentes e da carga horária. Há
casos em que o professor melhor classificado e na ânsia de se efetivar, não
teve o cuidado de verificar se na escola na qual escolheu havia aulas
excedentes. Podem também ter acontecido situações de professores não bem
classificados que tiveram a sorte de escolher uma escola que além das dez horas
garantidas, haviam outras mais disponíveis.
Não há dúvidas de que a lisura do processo de
efetivação dos concursados da rede pública estadual é questionável. Outro
aspecto que, certamente, gerará enorme dor de cabeça aqueles não favorecidos da
primeira chamada do concurso é com relação as vagas que se disponibilizarão
para a segunda chamada. A questão é: serão respeitadas fielmente as
classificações dos professores ou, como é de praxe, ocupará as vagas ou as
melhores vagas o professor que tiver estreitos vínculos com o grupo detentor do
poder? Cabe aos professores não empossados, manter-se atento a lista de
classificação e principalmente uma constante consulta ao diário oficial
observando se alguém abaixo da sua classificação foi efetivado. Diante da
suspeita ou certeza de irregularidades convém encaminhar denúncia ao Sinte,
para que sejam providenciadas ações junto ao
departamento jurídico da entidade.
O que se
percebeu mais uma vez em ações como essa coordenada pelo Estado foi o explícito
desrespeito as regras pré-estabelecidas e a participação eficiente da máquina
estatal, utilizando-se de todas as manobras possíveis para fazer valer o que
era conveniente para o Estado. A dúvida agora que perpassa o imaginário dos
possíveis quinze mil professores temporários que atuam na rede pública estadual
é quanto haverá um novo concurso de ingresso? Dentro dessa política de
precarização do sistema público as chances de ocorrer a médio e curto prazo e
com lisura são remotas.
Prof.
Jairo Cezar
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