A crise econômica européia e o
fortalecimento da xenofobia
A
atual crise européia vem colocando em xeque os alicerces de um padrão de
prosperidade que para muitos cidadãos e cidadãs daquele continente era concebido
como orgulho e exemplo a serem imitados pelas demais nações. No entanto, a
precarização das relações produtivas e sociais que assola o velho continente
nada mais é do que a própria crise do sistema de produção capitalista que tenta
se ajustar a um novo padrão de produção e consumo que procura limitar a participação
do Estado no financiamento de serviços essenciais à sociedade como saúde,
educação e seguridade social.
O
Estado de Bem Estar Social, uma das principais conquistas da sociedade européia
no período pós-guerras, vem sofrendo atualmente um forte revés histórico. Para
os gerenciadores dos mercados financeiros, são os excessos de benefícios
subsidiados pelo Estado que contribuem para que países como Espanha, Portugal,
Itália, França e especialmente a Grécia, recorram às instituições financeiras
internacionais como o FMI, implorando ajuda para cobrir seus déficits
orçamentários. A contrapartida imposta por essas organizações de créditos às
nações em crise é um tanto quanto amarga e que afeta expressiva parcela da
população como a perda progressiva de benefícios sociais.
Como em qualquer sociedade, tanto as mais
antigas como as modernas, a economia foi e sempre será a base de sustentação de
toda sua estrutura. Sua condição de estabilidade ou instabilidade reflete diretamente
nas relações de convívio entre os diferentes grupos sociais que ocupam o mesmo
espaço ou territórios distintos. As duas guerras mundiais que devastaram quase a
totalidade da infra-estrutura européia servem de exemplo para elucidar como
amor e ódio, caminham juntos, sendo que a maior ou menor manifestação de ambos
está condicionada as condições de subsistência dos indivíduos ou grupos de
indivíduos que dividem o mesmo espaço de trabalho, bairro, município ou país. É
o caso, por exemplo, da atual crise que assola o velho continente que é hoje
constituído por um intricado e complexo mosaico étnico que transformam Paris,
Lisboa, Londres, Berlin, entre outras metrópoles, em cidades cosmopolitas.
A
absorção desse contingente populacional atraídos pela expectativa de sucesso
profissional e econômico obrigou os governos a disporem de mais recursos para
suprirem o crescimento da demanda social, sendo sua maioria composta por
imigrantes originários de suas ex-colônias.
Com o agravamento do processo recessivo que reflete na redução
vertiginosa de postos de trabalhos, os governos europeus, cumprindo as
recomendações das instituições financeiras internacionais, põem em prática suas
políticas de ajustes estruturais, dentre elas a redução do contingente de
trabalhadores dos serviços públicos, cortes de gastos em setores essenciais
como saúde e educação, reforma previdenciária, entre outras.
Vendo
suas condições de subsistência se
precarizarem dia após dia, a população européia não imigrante transfere ao
outro, ou seja, ao imigrante africano, asiático e latino americano a culpa pela
situação de depreciação social. Esse quadro depredatório vem gerando sentimentos
de xenofobia (medo do outro, do estrangeiro) cuja resposta manifestada pela
população ocorre sob a forma de atos de vandalismo e violência ruas ou mediante
o voto, elegendo candidatos vinculados a partidos de tendências
ultradireitistas, com programas de governos cujo eixo principal são as deportações
e o controle rígido do fluxo migratório.
Ao
mesmo tempo em que a Europa se torna mais e mais aculturada, a ameaça aos
princípios republicanismos, principal legado do modernismo do século XIX,
torna-se mais evidente. Os princípios iluministas baseados na liberdade,
igualdade e fraternidade, tem sua razão de ser quando da existência de uma
estabilidade econômica. Se fosse o inverso, não teriam ocorrido guerras
fratricidas como os dois conflitos mundiais. Como manter um Estado laico, livre,
quando se sabe que o próprio Estado passa a sancionar leis restringindo o
acesso de indivíduos em locais públicos com trajes típicos de sua cultura de
origem.
É
possível estabelecer sentimentos concretos de patriotismo mesmo sabendo que o
território no qual habitam os sujeitos apresenta profundas diversidades culturais?
A resposta poderia ser sim, se não fosse instituído um modelo de organização
abstrato, conhecido por nação e entregue a um estadista que procura impor verticalmente
uma idéia ou conceito interpretados como verdadeiros. O nazifascismo e o
stalinismo são alguns exemplos de organizações abstratas, que se cristalizaram
pautadas nas concepções de mundo e de sociedade idealizadas de cima para baixo
por seus líderes, ou seja, o mundo que se vive na cabeça é melhor que o mundo
real. O risco do surgimento de grupos
extremistas ou líderes fundamentalistas de caráter nacionalista e com
receituário pronto para solucionar os problemas da crise, são possíveis de
ocorrer em momentos de incertezas como as que estão sendo vivenciadas agora
pela sociedade européia. Não podemos jamais esquecer o holocausto alemão, das
guerras separatistas da ex-Iuguslávia, da Rússia, entre outras tantas.
O
fato mais emblemático e que serve de ilustração para comprovar que muitas vezes
o ódio que se espalha pela Europa não tem como alvo o próprio estrangeiro
imigrante. Muito pelo contrário, o alvo são os próprios cidadãos (ãs) europeus
como o atentado na Noruega, na Ilha de Utóia, quando dezenas de jovens que
participavam de um acampamento foram surpreendidos e mortos a tiros por um
ultradireitista norueguês. O ato pode ser interpretado de duas maneiras, uma
resposta às políticas públicas equivocadas dos governos atuais e ação contra as
gerações futuras, representada pelos jovens mortos, que possivelmente
comandariam o país.
A
crise européia pode também se configurar como o esvaziamento de sentido a uma
cultura milenar, representada na arquitetura, nos monumentos, nas catedrais
transformadas em museus, visitadas e contempladas anualmente por milhares de
pessoas de diferentes países e cultos. Como conciliar o aspecto ético e o
estético num continente habitado por um complexo contingente de povos e línguas
tão distintas, que tentam se adequar a valores e comportamentos baseados na
razão ocidental?
Prof.
Jairo Cezar
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