APROVAÇÃO ESCANDALOSA DO PL
2159/2021, DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL, E SEUS EFEITOS PERVERSOS PARA OS FRÁGEIS
ECOSSISTEMAS
http://aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-2025/item/6772-camara-dos-deputados-aprova-pl-da-devastacao-na-calada-da-noite
Em julho postei texto no meu blog
tratando sobre a aprovação no congresso do projeto de lei n. 2.159/2021 que
flexibiliza os programas de licenciamento ambientais. Destaquei que a aprovação
do PL era um dos maiores retrocessos da nossa história, que para o mundo o ato
representava um escândalo, pelo fato de quatro meses depois da aprovação, em
novembro, o Brasil sediaria a COP-30, para discutir o clima no planeta. Graças
a forte pressão de setores ligados ao meio ambiente e da população em geral, o
presidente Lula vetou 63 pontos do projeto, e cuja expectativa agora era saber
se o congresso nacional manteria ou derrubaria os vetos do presidente.
Passado uma semana da COP-30, veio
a decepção, o congresso derrubou quase todos os vetos, mantendo, por enquanto,
somente os dispositivos referentes a Licença Ambiental Especial – LAE, cuja
redação precisa ser melhorada para entrar em votação. De certo modo não
alimentava qualquer expectativa de que os vetos do presidente pudessem serem
mantido, isso pelo fato da configuração do atual congresso nacional, dominando
por negacionistas que representam setores interessados e expandir seus negócios
sobre áreas protegidas, terras indígenas, quilombolas, etc.
O projeto aprovado retira poderes
de órgãos ambientais como o IBAMA que é responsável pela autorização ou
proibição de obras de elevado risco ambiental. Além da perda de autoridade do
órgão ambiental federal, o PL, retira todo o poder Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA, órgão representado pelas entidades ambientais, científicas e
governamentais nas discussões sobre demandas ambientais. Com a nova legislação,
os licenciamentos de projetos de baixo e médio impacto, o empreendedor pode
agora fazer o auto licenciamento, ou seja, ele próprio, constrói o documento se
responsabilizando no cumprimento dos dispositivos presentes no texto. É como se
um paciente o prescrevesse o tratamento de uma doença, dispensando o médico.
O momento em que estamos passando
de mudanças climáticas extremas onde o que mais se discute é o fim do
desmatamento ilegal e a redução dos gases do efeito estufa, a aprovação da PL
do licenciamento escancara a porteira da devastação e o agravamento dos
episódios climáticos extremos. O Rio Grande do Sul, com as enxurradas de em
2024 e o Paraná, com tornado que devastou o município de Rio Bonito do Iguaçu,
são dois acontecimentos que deveriam estar na mente dos deputados que votaram
contra o presidente, quando derrubaram os vetos.
Entregar para particulares ou até
mesmo autorizar órgãos ambientais e estaduais que se responsabilizem por
conceder licenciamentos de obras de médio impacto ambiental, é o mesmo que
deixar raposas cuidando do galinheiro. No caso de SC, as fundações ambientais,
seus superintendentes são indicações políticas, também não é diferente no
Instituto do Meio Ambiente do estado, cujo chefe da pasta é indicado pelo
governador. Será que irá prevalecer a imparcialidade, a isonomia dos técnicos,
no momento que estiver sendo estudos de viabilidade das obras?
Um exemplo que me veio na memória é
a tão badalada obra de fixação da barra do rio, que volta e meia, o assunto vem
a público. É de conhecimento da sociedade que a proposta de fixação foi
embargada pelo órgão federal há cerca de 10 anos por constatar que o projeto
apresentava uma série de incongruências técnicas. Além do mais a ideia de
fixação não resolveria o principal problema, as cheias, apenas minimizaria os
seus efeitos. Na época, o projeto colocou em posições opostas duas comunidades,
Ilhas e Morro Agudo, ambas próximas por laços de sangue, que passaram a se
rivalizar disputando o local onde seria fixado a barra.
Claro que estavam por trás desse imbróglio
setores empresariais, interessados que a obra fosse bem ao sul, nas
proximidades do Morro Agudo. Por que do interesse? Se deve ao fato de tais
empresários serem proprietários de quase toda a área e que com a fixação
haveria uma forte valorização desses espaços. Além do mais, projeto como
marinas, entre outros empreendimentos, seriam edificados priorizando um
segmento altamente elitizado.
Quem transita pelo trecho entre as
duas comunidades vai perceber a quantidade de obras de infraestrutura em
execução. O que chama atenção é que o trecho é constituído por uma densa
vegetação ciliar e que está sendo suprimida para dar lugar a aterros gigantes. Por
que tanta obra em execução, mesmo sem ter a certeza da fixação da barra?
Primeiro motivo é porque está em fase de conclusão os trâmites do licenciamento
para a construção da ponte ligando as comunidades de Morro dos Conventos e
Hercílio Luz; segundo, tramita no imaginário social, principalmente do setor
empresarial, que com a abertura do canal para o escoamento da água do rio, que se
manteve “permanente” em frente ao Morro Agudo, há fortes expectativas que obra
de fixação da barra possa se concretizar.
É aqui que entra o PL 2.159/2021.
Como relatei anteriormente, o projeto de fixação discutido em 2012 passou por
todas as etapas, estudos, audiências públicas, sempre monitorado pelo órgão
ambiental federal, que tomou a decisão pelo embargo da obra. Com a aprovação do
PL do licenciamento, obras dessa magnitude como de tantas outras na faixa
costeira catarinense e do município de Araranguá, os estudos de viabilidade poderão
ser de responsabilidade do órgão ambiental municipal (FAMA) ou estadual (IMA).
Em casos mais específicos, quando for de menor impacto, nem o municipal e nem o
estadual, o próprio empreendedor pode ele mesmo fazer uma autodeclaração e ter
a autorização para a execução de obras de seu interesse.
Mesmo com regras ambientais mais
rígidas ainda valendo, observando o cenário da comunidade do Morro Agudo, o que
se nota é a já flexibilização das regras ambientais, no que tange aos
licenciamentos para terraplanagem. Acredito que qualquer atuação em áreas de
APP/mata ciliar, os licenciamentos só seriam aprovados quando fossem para empreendimentos
de interesse público, que penso que não é o caso dos inúmeros projetos
licenciados naquela comunidade.
O que se observa é que em alguns
pontos onde não há mata ciliar e que recebeu aterro para a construção de decks
ou marinas, as últimas enxurradas já provocaram forte erosão no barranco do rio.
É possível que a abertura do canal para agilizar a vazão do rio esteja
contribuindo para o processo erosiva, e que isso deveria ser considerado técnicos
como fator negativo, impedindo o licenciamento. Outro aspecto importante que o órgão ambiental
municipal de Araranguá e o poder público teriam que também considerar nos
licenciamentos, é o Decreto Municipal de 2016 que criou a RESEX, cuja
finalidade é desenvolver a pesca artesanal sustentável no trecho do rio a
partir da balsa, até a foz, nas proximidades da barra velha.
Outro detalhe importante que já
relatei em outros textos postados nesse blog acerca do decreto 7830/2016,
relativo a RESEX. O art. 6 está assim redigido no decreto: empreendimentos
ou atividades sujeitos ao licenciamento ambiental, com impactos diretos à RESEX
do Rio Araranguá, deverão indenizar os impactos gerados por meio de compensação
ambiental à mesma, com custos entre cinco a dez por cento dos totais previstos
para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão
gestor de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. Os
recursos arrecadados serão investidos em recursos humanos, bem e materiais
necessários para a implementação, manutenção e gestão da unidade.
Esse artigo, portanto, deve ter
sido um dos fatores relevantes de o poder público de Araranguá não ter dado prosseguimento
as etapas de execução da unidade de conservação. De fato, se tivesse já
funcionando a RESEX, todas as obras de infraestrutura em execução da balsa a
comunidade de ilhas, o grupo gestor da unidade teria direito em receber os
percentuais obrigatórios das respectivas obras como medidas compensatórias. A obra da ponte que está em processo de
licenciamento, orçada em mais de 30 milhões de reais, cinco ou dez por cento
desse montante, teria que obrigatoriamente ser repassada para a RESEX.
Um elemento positivo acerca do
decreto dá RESEX é que ele continua valendo, não foi suprimida, a exemplo do
decreto da APA, e nem reduzida a área de abrangência, como do Unidade de Conservação,
Monumento Natural Morro dos Conventos UC-MONA, que passou de 280 ha para 81ha. Para
salvar as comunidades do Morro Agudo e de Ilhas dos episódios climáticos extremos
e da ganância do mercado imobiliário, o único caminho que temos é fazer valer reserva
extrativista – RESEX.
Prof. Jairo Cesa