segunda-feira, 10 de novembro de 2025

 

RIO ARARANGUÁ COMO DEPOSITÁRIO DE LIXO NO OCEANO ATLÂNTICO

Foto - Jairo


Venho insistindo há algum tempo na construção de textos abordando a questão do lixo plástico que está colapsando os oceanos, comprometendo toda a complexa biótica marinha. Insisto também em afirmar que entre as bacias hidrográficos de SC que desaguam no oceano atlântico, vertente leste, a do Araranguá é certamente a que mais injeta detritos no oceano, como resíduos de carvão mineral, agrotóxicos, esgotos e rejeitos plásticos. Além do problema lixo, toda a extensão da bacia vem sendo impactada pela agricultura mecanizada, por exemplo, a rizicultura, onde o proprietário, querendo mais ganhos produtivos, reduz a quase zero os limites da APP, mata ciliar.

Foto - Jairo


Já temos dados suficientes que confirmam que o sul de Santa Catarina é a região do estado cujos efeitos do aquecimento global são mais evidenciados. Talvez a perda significativa de cobertura vegetal para dar lugar as canchas de arroz irrigado esteja por trás dessas anomalias climáticas locais. Continuo enfatizando que dos 21 municípios que integram a bacia do rio Araranguá, sem dúvida, o município de Araranguá é que vem enfrentando os maiores desafios. Bairros e lugares baixos do município basta uma chuvarada no montante da bacia para que inundações aconteçam, com famílias desabrigadas e perdas materiais.

Diante dessa problemática de cunho ambiental, diversas foram as aberturas de canais nas proximidades da foz para escoar o excedente de água durante as enxurradas. Sempre, tais iniciativas, o município de Araranguá arcou e vem arcando com os custos financeiros, acrescentando nos gastos a limpeza da orla. Já houve até, há pouco mais de dez anos, tratativas para a fixação da barra do rio Araranguá, projeto que foi embargado pelo IBAMA por apresentar inúmeras inconformidades técnicas nos estudos. De tempo em tempo o assunto fixação da foz vem a público, sempre, é claro, em anos eleitorais.

Foto - Jairo


O assunto fixação já não convence parte da população da bacia, que acredita que fixar sem resolver as demandas ambientais da bacia, como a recuperação da mata ciliar, por exemplo, não soluciona os impactos das enxurradas, que estão sendo mais violentas e destrutivas. Em escala local, os reflexos da abertura do canal mais ao sul, para agilizar o escoamento das cheias do rio, são notados na comunidade tradicional de Ilhas com a obstrução definitiva da foz, se transformando em um braço de rio quase inativo, morto.

Sem o movimento da água para empurrar os sedimentos da bacia para o interior do oceano, a expectativa é que haverá acúmulo desse material nesse braço, que resultará em menor tempo para o assoreamento, com impactos irreparáveis as comunidades próximas a foz. É importante destacar aqui uma imagem captada desse braço de rio na década de 1970, quando houve também abertura do canal auxiliar e que por pouco não levou no desaparecimento da comunidade de Ilhas pelo avanço das dunas.



Voltando a questão do lixo, principalmente plásticos que estão formando gigantescas ilhas artificiais nos oceanos, é preciso tratarmos urgentemente desse tema com todos os municípios da bacia hidrográfica de Araranguá. A sensação é que os gestores públicos da bacia, a grande maioria, não demonstra o mínimo de interesse em abraçar a causa. Já relatei em outros textos que o problema poderia ser minimizado com a execução das políticas de saneamento básico, como a coleta e a destinação correta de resíduos sólidos. Se em todos os municípios essa prática fosse aplicada, além de promover emprego e renda para centenas de famílias, possivelmente não nos depararíamos com cenas tão impactantes nas proximidades da foz do rio, bem como em toda a orla do município, com toneladas de lixo espalhadas.

É necessário mobilizar os órgãos como FAMA, MPSC, MPF, POLÍCIA AMBIENTAL, COMITE DA BACIA DO RIO ARARANGUÁ, bem como o poder público, o executivo e o legislativo de todos os municípios, para discutir e buscar soluções conjuntas aos passivos ambientais da bacia. É urgente o debate sobre as emergências climáticas, que o aquecimento global já é uma realidade na nossa região, basta observar o que aconteceu na região de Florianópolis depois das últimas ressacas. A realidade é que toda faixa costeira do estado catarinense, a exemplo de Araranguá, vem sofrendo os efeitos dessas ressacas, que tem motivações da progressiva elevação do nível dos oceanos devido ao derretimento das calotas polares.

Claro que se os municípios da bacia do rio Araranguá fizessem o dever de casa como a execução das políticas de saneamento básico, isso ajudaria muito a minimizar a crise climática global. A expectativa é que a COP 30, que acorrerá de 10 a 23 de novembro de 2025 em Belém do Pará, Brasil, temas como lixos nos oceanos, aquecimento global e políticas de adaptação climáticas deverão estar no centro dos debates durante as duas semanas de encontro. Acredito que essa COP deva ser entendida como a última chance que o planeta está nos dando para salvá-lo.

Outra mostra de que estamos próximo a um momento do não retorno climático, foi o que ocorreu no município de Rio Bonito do Iguaçu, no estado do Paraná, quando um tornado de categoria 3 destruiu completamente o município. Também não podemos nos esquecer do Rio Grande do Sul, quando em 2024, três quartos do território foi destruído por enxurradas históricas.

Prof. Jairo Cesa     

 

         

sábado, 1 de novembro de 2025

 

A MORTE COMO PURIFICAÇÃO DO PAÍS: A SALVAÇÃO PELA BALA

https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/30/mortos-em-operacao-chegam-a-121-e-governos-federal-e-do-rio-criam-escritorio-de-combate-ao-crime-organizado-entenda.ghtml


Como havia escrito no último texto postado no meu blog sobre a Casa Grande e Senzala, que permanece ilesa no cotidiano brasileiro e cujos reflexos são vistos nos morros do Rio de Janeiro e de outros estados, como uma grande senzala a céu aberto, a operação da polícia da cidade do Rio, no dia 29 de outubro, que matou mais de 100 suspeitos de integrarem o Comando Vermelho e quatro policiais, se caracterizou como sendo a mais letal da história daquele estado.  

Como historiador, sempre defini a cultura da violência no Brasil, à formação do nosso território, forjada pela espoliação da metrópole portuguesa e o trabalho escravo. As políticas que privilegiaram as elites da época colonial, passando pela monarquia e a república, resultaram no que vemos hoje, quase duas mil favelas na cidade do rio, entre outras milhares, distribuídas em todo o território nacional. Nesses lugares, muitos dos que ali habitam, são descendentes de escravos, expulsos das fazendas, da casa grande, após a lei Áurea, que aboliu a escravidão, sem que o "liberto" tivesse direito a um pedação de terra ou outra forma de indenização por parte do Estado brasileiro.  

Os morros, paulatinamente foram sendo tomados por esse imenso exército de reserva do capital, com a ausência ou presença mínima do Estado, assegurando serviços como saneamento básico, educação, lazer, segurança etc. Durante a guerra de Canudos, na Bahia, escravos libertos do Rio de Janeiro foram recrutados para lutarem contra o exército de Antônio Conselheiro, líder do reduto de Canudos, com a promessa de que, vitoriosos, seriam agraciados com terra no Rio de Janeiro. Nada do que havia sido prometido foi cumprido, portanto, agora sem-terra e sem trabalho, os recrutados que lutaram em Canudos, tiveram como destino os morros, onde deram origem as favelas.

Um aspecto importante em relação a capital fluminense, é que foi o município que mais recebeu escravos libertos depois da abolição da escravatura. Vieram escravos libertos da região canavieira de Campos dos Goitacazes, norte do estado; da região do Vale do Paraíba, das fazendas de café, e por último, de Parati e seu entorno, envolvidos na lida do ouro, vindo de Minas Gerais. O ouro era transportado em lombos de mulas, depois embarcados em navios no porto de parati sendo levados para a Europa. Agora imagina, todo esse povo migra para a área urbana do Rio, formando o que é hoje a cidade do Rio de Janeiro, com quase duas mil favelas com todas as carências inimagináveis.     

 Com o tempo essa região desassistida pelo Estado tende a se transformar em um campo atrativo para o crime organizado, as facções, as milícias, das quais vão exercer forte poder, como um Estado paralelo dentro do próprio Estado. É claro que a existência e a permanência desse sistema de governo não oficial, não germina sem a colaboração do próprio Estado. Para provar que o Estado legal não está isento de responsabilidade da violência que se instalou nas favelas do Rio de Janeiro, em menos de cinco anos, quatro governadores foram presos ou afastados do cargo, acusados de corrupção, entre outros crimes.  

A corrupção está presente em quase todos as esferas das instituições no estado fluminense, está na polícia, na ALERJ, na câmara municipal etc. Um exemplo claro de que há corrupção nas instituições, porém, quem delata pode estar assinando o atestado de óbito, foi o assassinato da vereadora Marielle Franco, do partido PSol, cujos mandantes foram os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o primeiro deputado estadual, e o segundo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Quem tem um pouco mais de esclarecimento e vê o mundo de um ponto de vista mais crítico e não passional, sabe que a ação adotada pelo governo do estado, Cláudio Castro, que levou a morte  quatro policiais e mais de 120 "bandidos" do Comando Vermelho, não resolverá o problema da violência nos morros do Rio. O fato é que o centro do problema, o tráfico de drogas e armamentos,  vêm de outros lugares, os chefões do tráfico não foram mortos, foram os varejistas do tráfico, bucha de canhão dos “grandes tubarões”, que vivem em palacetes e não nos morros.

A cena perturbadora de dezenas de cadáveres recolhidos da mata e das vielas, postos um ao lado do outro em uma rua na cidade do rio, dá uma dimensão de como foi o “enfrentamento” entre os ditos bandidos e a polícia. O que está havendo agora é uma guerra de narrativas envolvendo o governo do estado do Rio e o executivo federal. O governo Cláudio Castro responsabiliza o presidente por não ter atendido solicitação do envio de força federal para ajudar a polícia na ação nos morros.  É sabido que segurança pública é de responsabilidade dos estados. O fato é que o governo fluminense recusou receber quase duzentos milhões de reais do fundo de segurança pública do governo federal. Então, quem está falando a verdade?

O que ficou explícito no ato de terça-feira foi de ter o governador tomado a decisão da invasão no Complexo da Penha como uma ação política eleitoreira, com vistas a candidatar-se ao senado federal na eleição de 2026. Essa política de execução sumária praticada pelo governo do estado do rio, não teria relação com o projeto de lei estadual n. 6.027/25, aprovado por 40 votos a 15 na ALERJ, com o objetivo de estruturar a Polícia Civil?  O que se discute é a emenda incluída no projeto, que garante gratificação adicional de até 150% por “atos de bravura”. A proposta de gratificar o militar fluminense por corpo abatido já havia sido aplicada no governo Marcelo Alencar, entre 1995 a 1998.

O que chama a atenção nas inúmeras reportagens já exibidas sobre a violência no Rio de Janeiro, é a quantidade de drogas e armamento pesado que entra nesses lugares onde o tráfico ocorre. Com tanta tecnologia de ponta disponível e a inteligência da polícia, principalmente em escala federal, como não rastrear e interceptar o deslocamento desses armamentos, a partir das fronteiras do território brasileiro. Não acontece porque tem muita gente graúda envolvida, e cujo dinheiro ganho nesse esquema ilícito é o que vai financiar campanhas de candidatos as cadeiras do congresso, das assembleias legislativas e câmaras municipais. Sobre a estratégia de atacar o tráfico pela raiz, foi o que ocorreu há poucos dias, quando foi desbaratado esquema no coração financeiro de São Paulo, na Faria Lima, onde bilhões de reais do tráfico eram esquentados por meio do capital financeiro.

Desde o instante que o governo Lula recebeu elogio do líder norte americano, Donald Trump, a extrema direita brasileira entrou num processo de letargia política, fato que vinha reduzindo as chances de sucesso eleitoral em 2026. A ação da polícia no Rio de Janeiro, com mais de 120 mortes, caiu como uma luva para o bolsonarismo de extrema direita. A partir desse momento a segurança pública passou a ser o assunto principal em todos os meios de comunicação, principalmente na grande mídia. Analisando alguns sites que lançaram pesquisa de opinião pública sobre a postura do governador do Rio em deliberar ação que matou mais de uma centena de ditos traficantes e quatro policiais, é assustador o percentual de pessoas que parabenizaram o governador, classificando-o como um herói.

Quase sempre a opinião pública sobre certos fatos, especialmente atos violentos como o que aconteceu no Complexo da Penha, podem ser manipulada, direcionada de tal foram que o resultado seja exatamente o que se deseja. A construção do discurso do herói e do bandido sempre fez parte da nossa cultura, pois basta prestar a atenção nos nomes de grandes rodovias, monumentos, ruas e avenidas dos municípios brasileiros. Muitos dos homenageados foram frios matadores de índios, torturadores assassinos, porém seus nomes são lembrados como heróis.

É possível que no futuro, pesquisas possam revelar o que de verdade ocorreu no complexo do alemão e da penha onde quatro policiais e 121 “traficantes” foram mortos em confronto com a polícia. Foi de fato uma chacina como atribui certos segmentos da sociedade ou legitima defesa, justificativa essa defendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro?

Prof. Jairo Cesa    

    

https://sinpol.org.br/home/home/noticia/joao-b-damasceno-gratificacao-da-politica-de-extermino

https://diplomatique.org.br/a-injusta-guerra-de-narrativa-sobre-a-chacina-no-rio/

https://diplomatique.org.br/a-chacina-do-rio-como-climax-das-narrativas-da-extrema-direita/

https://diplomatique.org.br/o-massacre-da-penha-e-a-necropolitica-como-politica-oficial-do-rio-de-janeiro/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-11/quase-90-dos-mortos-por-policiais-em-2023-eram-negros-diz-estudo

 

 

 

          

terça-feira, 28 de outubro de 2025

 

CASA GRANDE E SENZALA AINDA PRESENTE NO CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO

Por quase quatro séculos o Brasil teve a sua história forjada pelo trabalho degradante dos povos originários e de africanos trazidos em porões insalubres de navios. Tanto está, como permanece até hoje, no âmbito cultural brasileiro, as cicatrizes ainda abertas de uma nação marcada por séculos de colonialismo, espoliação e dominação das oligarquias agrárias tradicionais.  Se prestarmos a atenção nos sobrenomes de parcela significativa dos parlamentares que integram a totalidade do congresso nacional, muitos vem de famílias que no passado tinham escravos em suas fazendas como mão de obra de trabalho.

No congresso nacional, ambos/as defendem pautas conservadoras, redução de direitos trabalhistas, flexibilização de licenciamentos ambientais, entre outras demandas de interesses das elites. Todos sabemos que o fim da escravidão a partir da Lei Áurea se deu por pressão de um segmento econômico que acreditava ser mais rentável o trabalho assalariado que o escravo. Essa elite agrária foi tão esperta que antes de decretar o fim da escravidão, instituíram algumas leis que lhe interessavam, como a Lei de Terras em 1850.

A legislação definia que o direito à terra só seria assegurado por meio de compra, não mais por ocupação ou doações, como se sucedera anteriormente. Essas medidas retiravam qualquer possibilidade do escravo liberto, de receber uma gleba de terra como compensação pelo trabalho exercido nas fazendas. Os reflexos da escravidão e da servidão seus efeitos são percebidos atualmente no tecido social brasileiro, cujo trabalhador/a preto/a, com raríssimas exceções, não tem acesso a cargos importantes em empresas, setor público e outros serviços.

O fato é que a ferida da escravidão e da servidão ainda se mantém não cicatrizada depois de quase 150 anos do seu fim oficial. Quase todos os dias, fiscais do trabalho detectam pessoas exercendo serviços em fazendas ou empresas em condições análogas a escravidão. São trabalhadores contratados por agências ou pelo próprio proprietário do empreendimento, com a promessa de salários e outros benefícios trabalhistas.  Isso é muito comum na região sudeste, nas fazendas de cana de açúcar, e no sul do Brasil, durante a safra da maça, da uva, da cebola, entre outras culturas.

Para conferir a veracidade dessa modalidade de trabalho servil, é só consultar Lista Suja do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho, que foi criada em 1995, portanto, está completando esse ano, 2025, trinta anos de existência. Nessas três décadas o Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, já resgatou mais de 68 mil trabalhadores em condições análogas a escravidão, assegurando mais de 156 milhões de reais em verbas indenizatórias.

Essa lista é atualizada semestralmente, sendo que, nesse mês de outubro, mais 159 nomes foram incluídos na lista suja, sendo 101 de pessoas físicas e 58 de empresas. De 2020 a 2025 foram mais de 1530 trabalhadores resgatados.  Os segmentos com maior participação de trabalhadores resgatados foram: de criação de bovinos para corte (20); serviço doméstico (15); cultivo de café (9); serviços de britagem (9); construção de edifícios (8). Os estados que lideraram a lista dos trabalhadores resgatados foram: Minas Gerais (33); São Paulo (19); Mato Grosso do Sul (13); Bahia (12).

Na lista suja aparece dois casos identificados em SC, um no município de Itapiranga, envolvendo a empresa ALTENHOFEN – Comércio de Hortifrutigranjeiros – LTDA, e uma pessoa física, cujo nome é Ana Cristina Gayotto de Borba, que é esposa de Jorge Luiz de Borba, Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O site Repórter Brasil, em 09 de abril de 2025, postou reportagem tratando desse caso que gerou forte repercussão. Na sua página, está assim redigida a manchete: Caso de escravizada na casa de desembargador de SC entra na lista suja.

O fato ocorreu em Florianópolis, cujos fiscais identificaram a cidadã Sônia Maria de Jesus, que trabalhava na residência do desembargador por quase 40 anos. Além de cega de um olho, Sônia também era surda. Conforme está escrito na página do site Repórter Brasil, Sonia, havia sido resgatada, pelo casal, de uma creche da grande São Paulo quando tinha ainda 9 anos de idade. Durante esse tempo, não foi alfabetizada em libras, tendo obtido a identidade somente em 2019. Na casa do Desembargador, trabalhava como doméstica, sem carteira de trabalho e demais direitos que lhe assistem. A justificativa do casal à situação de Sônia era que ela fazia parte da família, considerada como filha.  

Há um ditado famoso onde diz, quando se tira um siri do balaio vem uma penca agarrado. É exatamente assim o que aconteceu com o caso da mulher resgatada da residência de um desembargador de SC em condição análoga a escravidão e que repercute ainda hoje. O caso rendeu, tornando-se tema no podcast do jornalista Leonardo Sakamoto, no UOL, em 2023. Na época Sakamoto escreveu o seguinte texto no seu blog sobre o caso da dita filha do desembargador catarinense que vivia em situação de escrava.

A manchete foi assim escrita: “escravizada que desembargador chama de filha está em lista de funcionários”. O jornalista desbaratou a farsa do desembargador, desconstruindo o discurso de ser Sônia sua filha, pois se assim o fosse não estaria na lista entre as  funcionárias de sua residência como havia exibido em certa ocasião. Relatou também que a dita Sônia não aparece em fotografias junto com os seus filhos em eventos ocorridos junto com os pais.

Por que querer dar tanto destaque a um fato, talvez comum, como esse envolvendo uma mulher negra, resgatada pelo ministério do trabalho como trabalhadora análoga à escravidão? O fato em questão é o retrato explícito de uma sociedade onde a casa grande e a senzala estão presentes no cotidiano do tecido social. A violência, a guerra do tráfico, retratada diariamente pela imprensa dos morros do Rio de Janeiro e de outras regiões do país, são reflexos de séculos de escravismo e do abandono do Estado aos seus descendentes.

A realidade é que continuamos em “berço esplendido” assistindo atônitos um processo de genocídio deliberado de cidadãos negra e de povos originários. A ação de extermínio se dá ou pela polícia, no caso da população preta, ou por jagunços, quando nos referimos aos povos originários, contratados por fazendeiros, bem como pela água e alimentos contaminados por mercúrio e outros metais pesados advindos do garimpo ilegal.

Prof. Jairo Cesa   

 

https://almapreta.com.br/sessao/quilombo/trabalho-analogo-a-escravidao-esta-longe-de-ser-vies-ultrapassado-no-brasil/?gad_source=1&gad_campaignid=22546923003&gbraid=0AAAAAqda5py7TtQZ0TSt9nBcieVJ1blNV&gclid=Cj0KCQjwsPzHBhDCARIsALlWNG1HdykHTij-Lf1cfUfny-VzeMKzhU8oPAWGOWrP9HVpkS-BoEOMO9AaAryyEALw_wcB

https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2025/outubro/mte-resgata-57-trabalhadores-de-condicoes-analogas-a-escravidao-no-parana

https://reporterbrasil.org.br/2023/04/nova-lista-suja-do-trabalho-escravo-tem-ex-patrao-de-domestica-e-religioso-que-agredia-dependentes/?gad_source=1&gad_campaignid=22568678341&gbraid=0AAAAADqu8FcZKYNckDXaggm2zCUkGDYv1&gclid=Cj0KCQjwsPzHBhDCARIsALlWNG0h7pz2ZP_9_VTQzjHxh95vzFstgxH6Q--UzHJfjaXdbf9MRLnY8MoaAp0SEALw_wcB

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/10/06/lista-suja-do-trabalho-escravo-e-atualizada.ghtml

https://reporterbrasil.org.br/2025/04/escravizada-desembargador-sc-oba-lista-suja/?gad_source=1&gad_campaignid=22568678341&gbraid=0AAAAADqu8FcZKYNckDXaggm2zCUkGDYv1&gclid=Cj0KCQjwsPzHBhDCARIsALlWNG1HAl_3pftCtZCeuawczrL9sCyjHBKCMcXJM34b0gegc_6L4MlynPcaAkkuEALw_wcB

https://reporterbrasil.org.br/2023/09/ela-tem-familia-irmaos-buscam-reencontro-com-domestica-apontada-como-escrava-em-sc/#:~:text=S%C3%B4nia%20foi%20resgatada%20ap%C3%B3s%20uma,nem%20tinha%20descanso%20semanal%20fixo.

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2023/06/16/escravizada-que-desembargador-chama-de-filha-esta-em-lista-de-funcionarias.htm

 

 

 

 

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

 

O FANTASMA DO ASSOREAMENTO DO BRAÇO DE RIO QUE CORTA ILHAS, ARARANGUÁ, ATORMENTA O IMAGINÁRIO DA COMUNIDADE

 


De todas as barras ou foz distribuídas na extensa faixa litorânea do estado catarinense, inquestionavelmente, a Foz do Rio Araranguá é a que se mostra mais complexa, decorrente da geomorfologia local e a dinâmica oceânica. A foz do rio Araranguá recebe água de dezenas de afluentes e subafluentes de uma bacia hidrográfica de tamanho médio, constituída por 22 municípios de duas microrregiões, a AMESC e da AMREC.   

Quase todas as nascentes que juntas formam a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, estão na base ou sobre a serra geral, cuja água, de início, tem um teor de pureza inigualável. Acontece que, a água cristaliza, que brota das rochas, em muitos pontos da bacia, algumas centenas de metros a vazante, começa a receber todo o tipo possível de poluentes, como esgotos domésticos e industriais, resíduos plásticos, rejeitos de carvão, agrotóxicos, entre outros.

Não bastasse toda essa problemática, tem outro agravante, a frágil mata ciliar, que em muitos trechos da bacia, foi completamente suprimida em decorrência da pressão agrícola mecanizada. Com a redução dessa APP, durante as enxurradas, que estão sendo mais frequentes e violentas, partículas de solo são removidas para o leito dos afluentes, acumulando no fundo, principalmente nos limites do território de Araranguá, que recebe toda a água da bacia.

Alguns bairros de Araranguá situados em áreas baixas e inundáveis sofrem mais os efeitos das enxurradas, a exemplo do Bairro Barranca. Para os pesquisadores e demais estudiosos da geografia, de clima e outras áreas afins, os problemas das cheias na vazante da bacia não está na sua foz, como alegaram e ainda alegam gestores públicos que transitaram e transitam pelos corredores do paço municipal de Araranguá. Se prestarmos a atenção em muitas imagens capturadas da foz do rio Araranguá nesses últimos cem anos, podemos perceber que foram inúmeras as aberturas de canais auxiliares nas imediações da comunidade do Morro Agudo, cujo objetivo foi agilizar o escoamento da água ao oceano.

https://g1.globo.com/VCnoG1/0,,VGU943068-8491,00.html


Na figura acima estão três imagens do rio Araranguá entre o Morro Agudo à comunidade de Ilhas, uma tirada em 1938, a segunda, em 1957 e a última, em 1978. O que interessa aqui é analisarmos as duas últimas imagens, ambas mostrando a abertura de canais auxiliares, provavelmente por gestores públicos durante a ocorrência de cheias. A última imagem, por exemplo, o braço de rio, depois do canal que foi aberto, quase que foi totalmente assoreado, restando uma minúscula linha d’água. É bem provável que maquinários foram contratados para desobstruir o braço do rio, bem como a foz, que estaria obstruída.

Depois de 1978, ocorreram mais quatro ou cinco tentativas de abertura de canais auxiliares nesse trecho das anteriores, com objetivos claros de mitigar os efeitos das enxurradas, porém todas, sem sucesso, sendo, portanto, comemorado como vitória pelos moradores de ilhas. Em 2011 audiências públicas foram realizadas em Araranguá para discutir o projeto de fixação da barra. Na realidade, o projeto apresentado propunha de opções para fixação, uma na frente do Morro Agudo, outra mais próximo de Ilhas, e a última, onde está foz tradicional.

O projeto foi embargado pelo IBAMA por apresentar várias incongruências técnicas, dando a certeza que com a fixação da barra não minimizaria os efeitos das enxurradas no montante da bacia.   Não satisfeitos à negativa do órgão ambiental federal, a proposta politiqueira da fixação da barra sempre volta à tona, principalmente em períodos eleitorais. Frequentes enxurradas na bacia do rio Araranguá, claro que agravado agora pelo aquecimento global, fez com que a atual administração de Araranguá, arriscasse a sorte, abrindo mais uma vez um canal auxiliar, mesmo local que muitos administradores pós 1978, tentaram, porém, sem sorte.

O incrível é que a atual administração teve mais sorte que juízo, pois foi agraciado por inúmeros fatores, principalmente climáticos, que fez com que o canal, que se acreditava ser provisório, tornou-se permanente. Diante do ocorrido, voltou a discussão a ideia de fixação da barra, talvez pelo fato de que seus articuladores, terem interesse de que ela seja construída no atual canal aberto. É possível que o canal aberto tenha “ressuscitado o fantasma” do assoreamento do braço do rio em Ilhas em datas passadas.

Esse episódio do assoreamento quase definitivo do canal foi relatado pelo ex-presidente da Colônia de Pesca do bairro, o Sr. Adeirde Pedroso, quando foi entrevisto há quinze anos por estudantes da EEF Padre Antônio Luís Dias do bairro Morro dos Conventos.  Confessou que no passado recente, o braço do rio que passa por ilhas foi quase completamente assoreado, isso pelo fato de que na época, possivelmente final da década de 1970, governo Salmi Paladini, imagem abaixo, executou a abertura de um canal, próximo do Morro Agudo, para acelerar a vazão da água do rio ao mar.


Com o tempo, é correto afirmar que a “boca da barra” tradicional deve ter sido completamente assoreada, fazendo como que o braço do rio ficasse inerte, morto.  Discorreu também Adeirde, que houve muita pressão para que o braço de rio fosse dragado, recuperando o seu fluxo e o salvando da comunidade ao desaparecimento.

Com a recente abertura do canal, ocorrida há quadro anos, no mesmo ponto das anteriores, as imagens tiradas do local já mostram sinais do drama do assoreamento, tirando o sono dos moradores da comunidade de Ilhas. Como afirmou Adeirde, o fechamento da barra, nas proximidades da Barra Velha, durante as cheias, toneladas de sedimentos voltam a ser depositadas no fundo do rio morto, reduzindo progressivamente a sua profundidade. A ação eólica, principalmente do vento nordeste, tende a acelerar o assoreamento, com toneladas e mais toneladas de areia despejadas no rio morto. É possível que o novo canal aberto, já deve ter afetado profundamente toda a dinâmica da atividade pesqueira no bairro.

O que se vê e o que se sente atualmente, é um silêncio sepulcral das autoridades e por parte expressiva da população de Ilhas e Morro Agudo. O assunto hoje que domina o cenário dos debates no município e na comunidade é a construção da quarta ponte integrando Hercílio Luz ao Morro dos Conventos, sua importância para o desenvolvimento da região. Nada se fala acerca do fechamento da barra e seus efeitos nefastos à comunidade.

É preciso deixar claro que tanto a insistente abertura de canais de escoamento da água quanto a desejada fixação da barra, ambos não solucionarão os impactos das cheias na extensa área da bacia, em especial na área urbana do município de Araranguá. O problema das cheias e seus impactos, se devem a questões antrópicas, ou seja, agricultura intensiva, na qual pressiona a APP, matas ciliares, em toda a extensão da bacia.

Colocar Ilhas, Morro Agudo, Barra Velha, no foco do debate sobre a ação do poder público na tomada de decisões em obras estruturantes na extensão do braço do rio, é necessário e urgente. Um dos fatores preponderantes ao fortalecimento do debate sobre o futuro da comunidade, sobre o rio que desagua na foz, é que esse trecho está inserido numa Reserva Extrativista – RESEX, criada por decreto municipal em 2016. Deixar claro que embora a Área de Proteção Ambiental - APA tenha sido suprimida por decreto, e o MONA-UC, reduzido sua área, ambas pela atual gestão, a RESEX, permanece intacta, devendo apenas ser executada as etapas propostas pelo decreto.

Um fator motivador para publicizar o decreto que criou a RESEX é que um dos seus artigos, determina que havendo obras  estruturantes na sua extensão, fração do recurso investido deve ser destinado ao comitê da RESEX, que será aplicado em educação ambiental, bem como outros serviços para a melhoria da atividade pesqueira integrativa nos limites da unidade de conservação.

Prof. Jairo Cesa    

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

 

 RESSACAS NO LITORAL CATARINENSE E AS POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA

https://radioararangua.com.br/ressaca-no-morro-dos-conventos-destroi-deck-e-causa-estragos-fotos/


Em 2021 em encontro articulado pelo MPF com diversas entidades civis e governamentais, entre elas o poder público municipal, ocorreu no Morro dos Conventos, Araranguá, e que teve por objetivo inspecionar os andamentos das demandas em infraestrutura, se estavam seguindo as legislações em vigor. A primeira obra visitada foi o Deck, que estava em construção na praia central do balneário, a qual foram  identificadas inconformidades no projeto de execução. O MPF solicitou ao poder público que refizesse o projeto, recuando a obra ao oeste, para que as dunas frontais fossem preservadas. Mesmo com o recuo, o gestor público insistiu em construir duas passarelas conectadas ao Deck, que se estendeu até a praia, cobrindo parte das dunas frontais.

Os cidadãos mais antigos do balneário e do município como um todo, sabiam que as duas passarelas, a partir da primeira ressaca de média intensidade, iria removê-las, permanecendo somente o Deck de pé. Dito e feito, quatro anos depois da obra concluída, uma ressaca não muito forte colapsou-as. As fortes ondas do oceano também afetaram parte da infraestrutura do prédio do guarda vida ali edificado.  Afinal, por que estou novamente tratando desse tema que já foi por inúmeras vezes relatados em textos que postei nesse blog?

A insistência nesse assunto se deve aos últimos acontecimentos na grande Florianópolis e litoral norte do estado, que tiveram bairros costeiros, como a Praia dos Ingleses, violentamente assoladas por ressacas. Dezenas, centenas de vídeos e imagens foram compartilhadas exibindo um cenário de destruição de residências e da infraestrutura pública. O que está explicito nas imagens é a conivência do poder público autorizando edificações em áreas suscetíveis a desastres climáticos. Se o aquecimento do planeta seguir o ritmo acelerado atual, a tendência é a elevação rápida dos níveis dos oceanos, com água invadindo áreas hoje densamente povoadas.

Relatei também em outros textos, que diante da atual emergência climática, os planos diretores dos municípios brasileiros deverão passar por adequações, ou seja, a obrigatoriedade de incorporação de medidas de redução de emissões (mitigação) e de proteção contra eventos climáticos extremos (adaptação).  Mas parece que nada disso preocupa parcela significativa das administrações municipais, predominantemente constituídas de gestores e corpos técnicos, secretários/as, que negam o aquecimento global como um fenômeno em curso.  Insistir nessa tecla negacionista é colocar em risco milhares de vidas e milhões em recursos públicos gastos em reparos.

O Projeto de Lei sobre a flexibilização do licenciamento ambiental, que foi aprovado pelo congresso, recebeu 63 vetos dos 400 dispositivos destacados no projeto. Dentre os que receberam veto do presidente está o que estabelecia a autodeclaração para licenciamentos, ou seja, o próprio empreendedor faria os trâmites burocráticos, dispensando a atuação de um órgão como o IMA de SC, nas etapas de estudo, execução e fiscalização.  Outro item vetado pelo presidente foi o que retirava o regime de proteção especial em relação à supressão da floresta nativa.  O que pode ocorrer agora acerca do PL, é a derrubada dos vetos do presidente no Congresso Nacional, fazendo valer o texto original. Na hipótese disso se concretizar, é o bioma da Mata Atlântica que será o mais afetado, principalmente florestas de restinga e mangue, que poderão ser suprimidas para dar lugar a empreendimentos imobiliários.

Não há mais como negar que episódios como as fortes ressacas ocorridas nas praias de Florianópolis tenderão a se tornar mais frequentes. Com a flexibilização do licenciamento ambiental, áreas até então desocupadas como encostas de morros e a faixa costeira do estado passarão ser mais disputadas por grupos imobiliários com vistas  a instalações de conjuntos residenciais, marinas, hotéis, pousadas etc. Portanto, em um futuro muito próximo, as notícias que dominarão as mídias do estado serão sobre  catástrofes climáticas, com elevados impactos econômicos e sociais.

Se o aquecimento global não for revertido ou minimizado, fenômeno esse que está contribuindo para o derretimento das calotas polares e a consequente elevação do nível do mar, de acordo com o Climate Central, se a água do oceano atlântico elevar-se a 1.0 metro, a faixa costeira de Araranguá e outros pontos do município ficarão submersos, conforme o mapa destacada abaixo.  Imagens como essa deveriam servir de parâmetro ao poder público em todos os programas,  como da revisão do projeto orla, iniciado em 2014.  

Foto - Samanta Cristiano

Prof. Jairo Cesa

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

 

GOLPES, TENTATIVAS DE GOLPES E ANISTIAS QUE DOMINARAM O CENÁRIO BRASILEIRO A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

O julgamento do século que condenou os principais líderes do núcleo duro das forças armadas, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado em 08 de janeiro de 2023, abriu caminho para um forte debate nacional sobre golpes bem-sucedidos, outros que fracassaram, bem como os dispositivos legais de anistias que beneficiaram os infratores. O que está muito claro no imaginário de milhões de brasileiros é que alguns dos generais que integraram o movimento golpista de janeiro de 2023, foram beneficiados com a lei de anistia sancionada pelo presidente militar João Batista de Figueiredo em 1979.   A lei determinava a anistia tanto aos exilados políticos, os subversivos, como também aos militares suspeitos de envolvimento em atos de prisão, tortura e desaparecimento de cidadãos/ãs.

O golpe de 1964 e a tentativa golpista de janeiro de 2023 não são exceções na nossa história, são tradições que vem se repetindo desde o início do império, em 1822. Tais práticas também se sucederam em muitas nações latino-americanas, por exemplo, nossos vizinhos do Cone Sul, Argentina, Uruguai, Paraguai e o Chile, todos submetidos a regimes totalitários, tão ou mais brutais como o que aconteceu aqui. O que essas nações se diferenciaram de nós, em especifico a Argentina, foi que lá muitos golpistas foram julgados e condenados. Em 1985 nove generais foram julgados, tendo cinco condenados, como o general Juan Rafael Videla, sentenciado a prisão perpétua em 2010.

Já que o assunto central é anistia aos envolvidos em atos de sublevação de regimes institucionais, golpes de estado, por exemplo, quando relatei acima que são práticas bem antigas em nosso território, vindo do início do império, o caso emblemático em tela envolveu José Bonifácio e seu irmão, que foram exilados na França pelo imperado D. Pedro I, acusados por estar discutindo no congresso dispositivos legais que reduziam o poder do imperador. Em 1925 D. Pedro I, anistiou os envolvidos, ato que permitiu o retorno de José Bonifácio para o Brasil em 1828, se tornando tutor de D. Pedro II em 1931, data da renúncia do seu pai, o imperador D. Pedro I.    

É relevante destacar que os atos de anistia, os beneficiados geralmente eram integrantes das elites em forma de clemências. O fato é que esse padrão se manteve durante o período em que o império esteve envolvido em conflitos regionais, como a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul, a Cabanagem, no norte do Brasil. Os rebeldes farroupilhas foram anistiados/perdoados por meio do acordo de Pancho Verde, onde os líderes foram integrados ao exército imperial. O que constatamos é que todos os atos de anistia sempre tiveram um sentido de apaziguamento, reintegração das forças opositoras, como forma de garantir estabilidade ao regime, tanto o imperial quanto a república.

A presença dos militares no cenário nacional como entidade articuladora de inúmeros golpes de estado, bem ou maus sucedidos, teve início a partir do final da guerra do Paraguai. O retorno triunfal da batalha no Paraguaio assegurou aos militares um certo status social, se configurando em 1889 ato golpista que derrubou o regime imperial e instituindo a República. Esse foi o primeiro de outros tantos golpes bem-sucedidos que se repetiram ao longo do século XX, seis ao todo, o de 1930, de 1937, de 1945, 1954, 1955 e 1964.  Já os atos golpistas que não tiveram êxitos, ou seja, que fracassaram durante a sua realização, foram sete, incluindo o de 08 de janeiro de 2023.

Tanto os atos exitosos quanto os que fracassaram couberam cada um uma análise mais detalhada pelo historiador Carlos Fico, com o seu magnífico livro Utopia Autoritária Brasileira: Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje. São mais de quatrocentas páginas recheadas de episódios curiosos relativos a golpes, tentativas de golpes por militares ao estado brasileiro, que foram lidas com muito entusiasmo em três ou quatro dias. O que espanta nessa obra é a similaridade de casos emblemáticos que se repetiram ao longo do tempo, como o fato ocorrido em 1904, na gestão do presidente Rodrigues Alves, na famosa Revolta da Vacina.

Nessa época, o governo de Rodrigues Alves enfrentava uma profunda crise econômica. Estudantes do Clube Militar da Praia Vermelha, liderados pelo senador Lauro Sodré, preparavam um motim para destituir o governo federal. No caminho à sede do governo federal, no Palácio do Catete, os rebeldes enfrentaram a força de segurança do palácio, gerando muitos mortos de ambos os lados. O desfecho foi a prisão dos revoltosos.  Em 02 de setembro de 1905, o senado aprovou a anistia, tendo os oficiais revoltosos retornado à tropa.

Sobre o episódio que por pouco não depôs o presidente Rodrigues Alves, porém, seus articuladores foram anistiados em 1905, Rui Barbosa, por exemplo, afirmou: “que a vacina não era inofensiva e que ela poderia envenenar as pessoas, pois introduzia no sangue um vírus cuja influência seria “condutora de moléstia ou morte”. A fala de Rui Barbosa faz relembrar a pandemia do Covid 19, cuja campanha do presidente na época, Jair Bolsonaro, era de demonizar a vacina. Muitos dos seus apoiadores rejeitaram a vacina, ficando assim suscetível ao vírus e a possibilidade grande de ir a óbito.  Acreditavam no tratamento paliativo a base da cloroquina, intensamente defendida pelo presidente na época.  Mais de 400 mil pessoas morreram vítima do negacionismo impetrado pelo governo e sua equipe.  

Quase duas décadas depois da Revolta dos Oficiais da Praia Vermelha, um novo golpe de estado, em 1922, porém, sem sucesso, sendo articulado para depor o presidente Epitácio Pessoa e impedir a posse do presidente eleito Artur Bernardes, cuja alegação foi fraude eleitoral.  Walter Costa Pinto, ex-ministro do TSE, denunciou o processo eleitoral da época, considerado torpe, de votações fraudulentas, tudo terminando com o vício final, as depurações do Congresso Nacional. De 1894 a 1930, chegaram à câmara dos deputados 2.992 diplomas e 260 foram “degolados”, ou seja, mesmo eleitos pelo voto, grifo meu, foram impedidos de exercê-lo por incongruência afetiva ao grupo oligárquico a frente do poder. Tal depuração, ou “degola”, não era feita pelo congresso, mas localmente, antes da atuação da comissão verificada.  

Em 1924, Artur Bernardes governou com mão de ferra o Brasil, mantendo o estado de sítio durante o período que esteve a frente do mandato. Tais atitudes gerou tentativa de golpe no estado de São Paulo, cujos insurgentes militares conseguiram ocupar o bloco dos quartéis policiais da luz (bairro da Luz, região central de São Paulo). p. 153. Os objetivos dos revoltosos eram promover reformas na república, como o voto secreto, mudanças no ensino público, moralização da política e a destituição do presidente civil, onde acreditavam que moralização da política só seria possível com um governo militar.  O movimento golpista foi abafado pelas forças legais, onde muitos rebeldes fugiram da cidade e mais tarde se organizaram em torno do tenente Luiz Carlos Prestes, formando a Coluna Prestes.  

Fechando o ciclo de mais de trinta anos da República Velha, repleta de crises e tensionadas por tentativas de golpes por militares de patentes inferiores, é chegado o ano de 1930, data de eleições presidenciais. Conforme os acordos firmados entre as oligarquias mineiras e paulistas, nessa eleição o candidato indicado seria um mineiro, pois o que estava no posto era um paulista, Washington Luiz. O não cumprimento do acordo e a indicação de mais um paulista para candidato, agora Júlio Prestes, essa decisão fez com que Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, se mobilizassem para depor Washington Luiz, bem como impedir a posse de Júlio Prestes, com a alegação de ter havido fraude eleitoral. Depois de inúmeros confrontos entre legalistas e apoiadores do grupo revolucionário, em 03 de novembro Vargas entra triunfal no Rio de Janeiro, assumindo o posto de presidente da república.

A frente do poder, Getúlio dá início ao seu governo também repleto de tensões. A promulgação de uma constituição somente se concretizou em 1934, porém, tendo enfrentado antes, em 1932, uma rebelião em São Paulo, conhecida como Revolução Constitucionalista. A elite econômica do estado de São Paulo, que apoiou a ascensão de Vargas ao cargo de presidente se sentia menosprezada pelo governo central. Além do menosprezo, havia a sensação desse grupo de que Vargas pretendia se perpetuar no poder, que de fato aconteceu. No final de 1935 Vargas decretou estado de sítio, tendo como argumento o combate ao inimigo imaginário, o comunismo. Na constituição que foi promulgada, a de 1934, alguns avanços ocorreram, como o voto secreto, o voto feminino, e a criação da Justiça Eleitoral. Também dizia a constituição que o governo de Vargas iria até 1938, e que não haveria reeleição.  

 A criação da ALN, em 1935, por Luís Carlos Prestes, certamente foi fator determinante para que Vargas promovesse de golpe de 1937. O argumento foi que o país estava sobre a ameaça do comunismo, razão pela qual o fez aprovar o estado de Sítio e a Lei de Segurança Nacional. Um plano falso, Plano Cohen, circulava entre os chefes militares onde alertava a tomada do poder pelos comunistas. Era a justificativa que faltava para o golpe, cujo sucesso se deu graças ao apoio dos integralistas, que promoveram grande desfile marcial no dia 1 de novembro, em frente ao palácio Guanabara. O próprio Getúlio ofereceu o ministério da educação ao líder do movimento integralista, Plínio Salgado, porém, foi recusado. p. 215.

Em 1945, Vargas foi deposto pelos mesmos generais que o introduziu no poder com o golpe: Eurico Dutra e Góis Monteiro. Chama atenção aqui um dos motivos pelos quais Vargas passou a ser rejeitado pela elite política e econômica e que levou a sua deposição, que foi a transformação do sindicalismo corporativista de Estado sua principal base de apoio político. De acordo com a constituição de 1937, quando Vargas alcançasse seis anos de mandato, isso em 1943, seria realizado plebiscito popular acerca da sua gestão. Ele aproveitou o estado de guerra que o mundo se encontrava, para a não realização do referendo. Outro detalhe importante, já que o governo Vargas encaminhou soldados para combater os nazifascistas na Itália, onde muitos retornaram vitoriosos, não seria coerente manter um estado totalitário em vigor. 

Com o enfraquecimento do regime de Vargas é dado o início ao processo de escolha dos nomes que concorreriam à vaga de presidente da república. Ao mesmo tempo em que estavam em discussões os trâmites eleitorais, Vargas, em 18/04/1945, lançou decreto que anistiou mais de 500 presos políticos, incluindo o comunista Luís Carlos Prestes. Também estavam nesse grupo de anistiados, integralistas, até os que participaram da tentativa de assassinato de Vargas em 1938.

Já era certo que eleições ocorreriam no final de 1945, no entanto se discutia se Vargas permaneceria no cargo ou seria deposto. Como Vargas teria tido grande apoio das camadas populares, mobilizações se espalharam pelo Brasil defendendo o “queremismo”, ou seja, a realização de uma constituinte com a permanência de Getúlio no cargo de presidente. Os militares desconfiavam até que tal articulação tivesse o objetivo de fazer com que Vargas continuasse no poder e não tivesse eleições presidenciais. Diante das pressões, o presidente não resistiu, sendo deposto em 31 de outubro de 1945, assumindo no seu lugar José Linhares, integrante do STF e chefe do poder judiciário.

Nas eleições para presidente em dezembro de 1945, o eleito foi Eurico Dutra, com o apoio de Getúlio Vargas, esse último foi eleito senador por São Paulo e deputado por sete estados. Um fato curioso ocorrido depois da morte de Vargas foi ter tido o Brasil, num prazo de um ano, cinco presidentes da república, sendo assim distribuídos:  um chefe militar autocrático, dois golpes de estado e dois impeachments inconstitucionais. Os tramites ocorreram da seguinte forma: Café Filho, que era vice de Vargas, se licenciou por doença, assumindo o seu lugar, Carlos Luz, presidente da câmara, que foi deposto. Nereu Ramos, vice-presidente do senado, que assumiu a presidência, transmitiu o cargo ao presidente eleito, Juscelino. O fato é que antes da posse de Juscelino, Café Filho, pretendeu assumir a presidência, foi impedido por Henrique Lott, o mesmo que depôs Carlos Luz.  Cabe destacar aqui que a atitude de Henrique Lott de depor Café Filho e Carlos Luz, permitiu a posse de Juscelino ao posto de presidente da República.

O segundo governo de Vargas foi repleto de tensões, pois o Brasil vivia uma grave crise econômica, com desemprego e preços elevados dos alimentos. Entretanto ocorreram alguns avanços durante o seu curto mandato, a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e a Petrobras. A marcha das “panelas vazias” e a greve dos 300 mil no entorno do palácio das laranjeiras tornavam o seu governo mais fragilizado ainda. Havia rumores de que integrantes do exército estavam agindo para a sua deposição, e motivos não faltavam, como o boato de que o presidente tinha interesse de instalar uma república sindicalista aos moldes da Argentina, durante o regime Juan Peron. De fato, a gota d’água do fim do governo foi a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda por um integrante da guarda do presidente. Conversações com Vargas procuraram convencê-lo a renunciar, porém sua resposta foi negativa. No entanto, na madrugada do dia 24 de agosto de 1954 ele se suicidou.  

Com a morte de Vargas, assume o posto de presidente, o seu vice, Café Filho. “Porém, a família não permitiu que Café adentrasse ao velório de Vargas alegando traição. A elite ligada a UDN estava preocupada porque suspeitavam que com morte de Getúlio Vargas poderia favorecer o PTB nas eleições seguintes, que formou aliança com o PSD, lançando como candidato a presidente, Juscelino Kubitschek. A preocupação da elite se tornou maior quando Luís Carlos Prestes decidiu dar apoio ao candidato Juscelino. Nesse sentido grupos conservadores lançam uma cruzada anticomunista, porém, não foi suficiente para evitar a vitória de Kubitschek que teve como vice-presidente, João Goulart. Durante o seu governo, Juscelino teve que enfrentar duas tentativas de golpe de estado por oficiais da aeronáutica, uma em 1956 e outro em 1959, os dois contra o ministro da guerra Henrique Lott, magoados pelo afastamento de seus comandantes.

Antes da posse de Juscelino, em 11 de novembro de 1955, grupos de militares tentaram golpe para derrubar café filho e colocar no seu lugar Carlos Luz. O ministro da guerra, Henrique Lott, decretou estado de sítio e impediu o golpe, conseguindo assim a deposição de Carlos Luz pelo Congresso Nacional. Depois que Juscelino assumiu o posto de presidente em janeiro de 1956, os militares continuavam atuando para golpear o presidente alegando transformar o país em uma nação comunista. Oficiais da aeronáutica se rebelaram, sequestraram aviões e ocuparam a base aérea de Jacareacanga, no Pará, em fevereiro de 1956. O movimento foi abafado, muitos revoltosos fugiram, porém, um apenas foi preso. Tempos depois, Juscelino, encaminhou ao congresso nacional projeto de anistia aos revoltosos do levante em Jacareacanga.

Outro movimento insurrecional das forças militares ocorreu já no final governo Juscelino, quando já iniciavam os preparativos para as eleições de 1960. O candidato que se apresentou para disputar a vaga a presidente contra o candidato da situação, foi Jânio Quadros, apoiado pela UND, partido no qual lutava a ferro e fogo para governar o país. O fato inesperado foi a renúncia de Jânio à candidatura, que resultou em alvoroço, principalmente de setores das forças armadas preocupadas que o grupo ligado a Juscelino permanecesse a frente de poder. A renúncia de Jânio como candidato foi o estopim a outro levante armado, ocorrido dessa vez em Aragarças, no estado de Goiás. Tudo se deu devido a boatos ventilados na imprensa de que JK negociava emenda constitucional que permitia sua reeleição, bem como informação de que Brizola orquestrava golpe parar a provável vitória de Jânio, e por sua vez, instaurar uma ditadura sindicalista.

O movimento dos insurgentes falhou porque não tiveram o apoio de toda a UDN, cujo partido alegava que isso poderia influenciar o presidente na decretação de estado de sítio que cancelaria as eleições de 1960. No levante de Aragarças, 15 rebeldes foram presos incluindo 3 civis. Diferente do levante de Jacareacanga, no Pará, onde os revoltosos foram anistiados, dessa vez, os rebeldes de Aragarças não tiveram a mesma sorte.

Sobre as eleições de 1960, o presidente Juscelino, lançou o Marechal Henrique Lott como candidato situacionista para disputar com Jânio Quadros, apoiado pela UDN. O próprio Juscelino tinha consciência da reduzida chance do seu candidato ao pleito, porém, acreditava que diante da enorme crise econômica que se abatia sobre o país, o presidente eleito estaria fortemente desgastado no final do seu governo, contribuindo desse modo na vitória de JK, no pleito eleitoral de 1965. Um fato inusitado nesse período foi a renúncia de Jânio Quadros, que resultou na posse do seu vice, João Goulart, do PTB.

Acontece que a posse de Goulart ao cargo de presidente não ocorreu de modo pacífico, foi extremante turbulento, se dando apenas após aprovação no congresso nacional de emenda constitucional que implantou no Brasil o Parlamentarismo. Antes da posse, ocorreu movimento no RS, liderado por Brizola, reivindicando o cumprimento da constituição na qual estabelecia que na ausência do presidente, a vaga deveria ser ocupada pelo vice, nesse caso, João Goulart. O palácio do Piratini, sede do governo do RS, cujo governador era Brizola, foi ameaço de ser bombardeado pelos militares, cuja alegação era de que Brizola queria instalar no Brasil uma república comunista.

Com o parlamentarismo em vigor, o indicado para o cargo de primeiro-ministro foi o gaúcho Brochado da Rocha, tendo como meta prioritária a antecipação do plebiscito que definiria a continuidade ou não do parlamentarismo. Uma grande greve geral liderada pelo CGT pressionou em favor do plebiscito, sendo o próprio congresso favorável a tal iniciativa. A razão do retorno do presidencialismo tanto favorecia Goulart quanto a oposição, pois acreditavam que na hipótese de saírem vitoriosos nas eleições de 1965, assumiriam o controle da administração do Brasil.

Goulart e seu grupo de apoio sentiam-se amarrados no regime parlamentarista, para dar um empurrãozinho a favor do presidencialismo no plebiscito, promoveu aumento salarial aos trabalhadores. O resultado foi positivo, fazendo com que 77% dos eleitores decidirem pelo retorno ao presidencialismo. A oposição precisa fragilizar a todo custo o governo de Goulart, para isso usaram a propaganda antigoverno, e a estratégia foi associá-lo ao comunismo. E as pressões vinham também do governo dos EUA, com o envio de recursos para financiar programas contra o governo Goulart.

Até mesmo o irmão do ex-presidente John Kennedy, Robert Kennedy, veio ao Brasil para pressionar o governo para que demitisse seus assessores esquerdistas. As agitações cresciam em todo o território com o envolvimento de oficiais do exército, sendo que isso teria motivado Goulart em decretar o estado de sítio, que não o fez. Em março de 1964 é o primeiro comício de uma seria prevista pelo governo em todo o Brasil. Esse primeiro ocorreu na Central do Brasil, Rio de Janeiro, que ficou conhecido como o comício onde o governo iria pressionar o congresso para que aprovasse suas reformas de base. Também havia a proposta de estender o direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos, bem como anistia aos civis e militares indiciados e processados por crimes políticos. Propôs também o programa de desapropriação de terras para a reforma agrária.

A fala de Goulart, no comício, criou um estado de tensão entre segmentos da igreja católica, quando disse que os rosários não podiam ser levantados contra a vontade do povo e as suas aspirações mais legítimas. p.553. A fala de Goulart foi interpretada como propaganda política, atitude que fez com que a neta de Rui Barbosa, Lucília Batista Pereira (Irmã Ana de Lourdes) promovesse movimento contra a ofensa ao rosário. Essa marcha foi chamada de Marcha da Família, Com Deus, Pela Liberdade. Sobre as reformas de base pretendida por Goulart, ele decidiu fazer um plebiscito para ouvir a população se aceitava ou não a proposta. A atitude do presidente foi interpretada por integrantes da UDN como se fosse um ato golpista, nesse sentido o partido deu início a um pedido de impedimento do presidente, que não foi colocado em execução.

Poucos dias antes do Golpe Militar, em 25 de março eclodiu a revolta dos marinheiros. Era o segundo aniversário da Associação dos Marinheiros, constituída por cabos e fuzileiros navais, grupo não reconhecido pelo ministério da marinha. O evento ocorreu no sindicato dos metalúrgicos, onde aproveitaram para reivindicar certos direitos. O ato foi visto pelo ministro da marinha como de indisciplina e tentou prendê-los. Goulart não concordou em prendê-los para não perder o apoio do almirantado. A decisão do ministro da marinha foi de demitir-se do cargo. Goulart indica outro ministro de sua confiança. No dia 27 os marinheiros rebelados são liberados e enviados para os quarteis. Horas depois foram liberados pelo governo e iniciam passeata em direção a igreja da candelária. O presidente concedeu anistia aos rebelados, fato que não pegou bem para a sua imagem, principalmente quando os marinheiros rebelados carregaram nos braços o contra-almirante Candido Aragão, tido como esquerdista.   

Essa e outras atitudes do presidente fez levantar o exército contra si, que resultou na deflagração do movimento golpista pelo general Mourão Filho, que tinha pretensões de assumir o posto de presidente com a deposição de Goulart. O comandante do II Exército de SP, que era amigo de Goulart, tentou convencê-lo a fazer uma declaração rejeitando vínculos com a esquerda, pedido que não foi aceito. A resposta de Goulart fez o comandante se colocar favorável ao golpe, que também foi aceito pelo IV Exército de Recife. Castelo Branco vinha minando o governo Goulart há algum tempo, divulgando informações de que Jango havia intenções de instalar uma ditadura.

O que sobrou para Jango foi o III Exército, no RS, que lhe prestou apoio.  No Rio de Janeiro, o comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, o general Emílio Garrastazu Médici, decidiu usar os cadetes da AMAN para bloquear a estrada, Br-116, impedindo a passagem do I Exército até a chegada do II Exército, de SP. Médici. 1° de abril, a cidade do Rio de Janeiro ficou agitada com a tomada do quartel-general da Artilharia de Costa, que ficava ao lado do Forte de Copacabana. Jango foi para Brasília.

O ministro da Justiça de Jango foi preso no aeroporto de Santos Dumont. Em Brasília, Darci Ribeiro, chefe da casa civil, tentou convencer o presidente para resistir. De Brasília, Jango viajou para Porto Alegre, e de lá para o Uruguai onde se exilou. No dia 2 de abril, aconteceu a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, reconhecida como a marcha da vitória. O posto de presidente passou as mãos de Costa e Silva, formou uma junta militar que o denominou de Comando Supremo da Revolução. Tempo depois entregou o posto de presidente ao general Castela Branco.

Prof. Jairo Cesa

  

  

 

 

 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

 

USO DE AGROTÓXICOS EM VIAS PÚBLICAS DE ARARANGUÁ, QUE É PROIBIDO PELA LEGISLAÇÃO, CONTAMINA O SOLO, A ÁGUA E TODA A BIÓTICA

CAPINA QUÍMICA - RUA QUE FAZ LIGAÇÃO A PRAIA - MORRO DOS CONVENTOS


Nos últimos anos o Brasil superou os estados unidos no uso de agrotóxicos, principalmente na produção agrícola. São toneladas e mais toneladas despejadas nas plantações de soja, cana de açúcar, algodão, citros, arroz, entre outros cultivares que alimentam milhões de brasileiros. O problema é que a contaminação não acontece somente nos alimentos, os lenções freáticos, açudes, lagos, lagoas e rios também são afetados recebendo índices enormes de partículas afetando toda a biótica. Existe forte mobilização da sociedade civil, como das redes de produtores agroecológicos, para que o estado brasileiro implemente o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA, bem como a promoção da transição agroecológica, o uso de bioinsumos, o melhoramento do monitoramento e a garantia de alimentos mais seguros.

Embora não se possa de imediato suprimir definitivamente os agrotóxicos no nosso cotidiano, o que vem se fazendo é a elaboração de legislações e protocolos disciplinando a aplicação. São legislações e diretrizes, federais, estaduais, municipais que asseguram aos gestores públicos e seus órgãos ambientais poderes para monitorar e dar sansões aqueles que infringirem resoluções sobre agrotóxicos. Em se tratando de municípios, os planos diretores e os códigos ambientais, existem capítulos, artigos e parágrafos, que discorrem sobre o assunto. É bem possível que todos os municípios brasileiros, que são mais de cinco mil, nenhum deles têm nos seus planos diretores e códigos ambientais, permissão para aplicação de agrotóxicos nos limites do seu território.

O plano diretor de Araranguá que contém 198 artigos construídos por meio da participação de entidades representativas da sociedade, em 2024 por meio da lei complementar n. 504, o documento foi revisado para se adequar a atual realidade. Quanto as políticas ambientais do município, que são destacadas no Cap. III, é relevante observar o Art. 60 e os seus incisos I e XIX. O artigo citado trata sobre ações estratégicas no campo do meio ambiente e cujo inciso I diz que “é função do município implementar ações de conscientização, visando adequar e reduzir as quantidades de agrotóxicos utilizadas, pesquisando alternativas ambientalmente eficazes. Já o inciso XIX, relativo ao artigo acima citado, define que o poder público proíbe e coíbe o uso de agrotóxicos e o emprego de queimadas para a remoção da vegetação residual como forma de limpeza, no território do município.

É possível que pequena fração da população do município deve ter ouvido falar desses dispositivos contidos no plano diretor relativos a agrotóxicos. Já relatei em outros textos escritos e postados no meu blog da quantidade de agrotóxicos aplicados na capina química em toda extensão do território. É costume o agricultor quando aplica o veneno em sua lavoura para suprimir plantas invasoras, no final pulveriza também as vias públicas como estradas. No campo, com ressalvas, até certo ponto pode ser tolerável, agora, em se tratando de perímetro urbano, a capina química, os responsáveis teriam que responder por ato criminoso contra a saúde pública.

Quando a capina química é praticada por cidadãos, até pode ser compreensível que o sujeito infrator desconheça a legislação, podendo até ter sua pena atenuada. Como explicar quando se tem informações seguras de que o agente infrator é o próprio poder público, que autorizou o uso de agrotóxicos nas vias públicas do município?  É isso mesmo, no balneário morro dos conventos, nas vias de acesso à praia e num dos principais cartões postais, o farol, foram despejados litros de agrotóxicos para suprimir o mato nas margens das ruas e dos passeios. O fato é que não é a primeira vez que essa ação delituosa ocorre no bairro. Além do aspecto feio provocado pelo veneno, tem o agravante da contaminação do solo, que com a chuva, os resíduos dos agrotóxicos são transportados para as tubulações pluviais, podendo contaminar o lençol freático, o lago que abastece o bairro com água e a orla banhada pelo oceano atlântico.

Para o município de Araranguá onde o turismo vem sendo o carro chefe da atual administração, não pega nada bem aos olhos dos/as que aqui residem e daqueles/as que nos visitam ou veraneiam, se deparar com um cenário paradisíaco contrastado com ruas e passeios tomados agrotóxicos. É preciso que medidas urgentes sejam tomadas para que tais práticas criminosas sejam repelidas e seus autores responsabilizados. Reitero aqui que o assunto agrotóxico ocupe mais espaço dos debates, em especial no poder legislativo do munícipio. As ações de conscientização sobre os riscos do uso de agrotóxicos no cultivo de alimentos e na capina química também devem dominar o cotidiano das instituições de ensino das redes estadual, municipal e particular. Explicar que agrotóxicos são venenos, e, portanto, causam danos severos aos ecossistemas, sendo também responsáveis atualmente por inúmeras doenças degenerativas e outras tantas síndromes, como o Autismo, Parkinson, Alzheimer etc.  

Prof. Jairo Cesa


CAPINA QUIMICA - RUA EM DIREÇÃO AO FAROL

CAPINA QUIMICA - FAROL MORRO DOS CONVENTOS

CAPINA QUÍMICA - RUA QUE FAZ LIGAÇÃO AO FAROL

CAPINA QUÍMICA - RUA QUE FAZ LIGAÇÃO AO FARL

CAPINA QUIMICA - RUAL QUE FAZ LIGAÇÃO A PRAIA

CAPINA QUIMICA - RUA QUE FAZ LIGAÇÃO AO GUARDA-VIDA CENTRAL