quarta-feira, 13 de novembro de 2024

 

29ª CÚPULA DO CLIMA EM BAKU, AZERBAIJÃO, A CERTEZA DAS INCERTEZAS QUANTO AO FUTURO DO PLANETA TERRA



Teve inicio nessa segunda feira, 11 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão, mais um encontro das partes para discutir e encaminhar demandas relacionadas ao clima global. Convém salientar aqui que essa é a 29ª reunião coordenada pela ONU, porém até o momento sem qualquer resultado auspicioso que tenha revertido o elevado drama climático que se abate sobre a vida no planeta terra. São duas semanas onde governos, chefes de estados e mais uma centena de milhares de autoridades, ambientalistas estarão reunidas na capital de um país que tem o petróleo como uma das principais fontes econômicas.

É de certo modo um tanto contraditório realizar um encontro tão importante cujo um dos temas geradores é a redução ou até mesmo a eliminação definitiva de um dos principais vilões do aquecimento global, o petróleo. O encontro de cúpula passado também aconteceu em um país produtor de petróleo, os Emirados Árabes Unidos. O penúltimo a sediar, o Egito, querendo ou não tem o petróleo como fonte subsidiária da sua economia. O que é incrível nisso tudo é saber que o clima do planeta nesses últimos anos já entrou no estágio da emergência climática, ou seja, o 1.5 graus Celsius previsto para ocorrer somente no final do século, já está fazendo parte do nosso cotidiano, basta observar a serie de episódios climáticos extremos que se abateram sobre todos os continentes.

Os episódios mais recentes e que servem de alerta máximo foram a estiagem histórica da Amazônia, as enxurradas em Valência/Espanha e a nevasca que se abateu sobre o deserto da Arábia Saudita, ambiente cuja temperatura alcança os 50º Celsius no verão. O tema norteador na COP do Azerbaijão será financiamento. Não recordo qual das Cops foi discutida e aprovada à transferência de cem bilhões de dólares anualmente para os países pobres investirem na recuperação de suas economias. A única certeza que se tem é que essa meta não foi cumprida. Agora o que se propõe em Baku é que o valor deva ser majorado para cifras muito maiores, muitos defendendo até valores equivalentes a um trilhão de dólares.

Esses encontros anuais que tratam questões sobre o clima mais parece a uma serie televisiva muito famosa no passado cujo título era A Ilha da Fantasia. Pessoas desejosas em viver uma fantasia viajavam para essa ilha distante e lá tinham seus sonhos realizados. Baku, Dubai, Sharm el-Sheikh, Paris, entre outras que realizaram as cúpulas do clima, muito se assemelham a essa ilha, ambientes que reúnem centenas de governos, que para lá vão desfrutar e compartilhar as fantasias por duas semanas. Terminando, retornam para seus países, permanecendo tudo inalterado, pior, ampliando ainda mais investimentos em pesquisas e prospecção de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão, entre outros.

A eleição nos EUA cujo vencedor foi o republicano Donald Trump, um presidente negacionista, é mais um indicador negativo de que o encontro de Azerbaijão será mais um daqueles eventos caros, porém, sem qualquer relevância significativa à melhoria do clima global. Há sinais óbvios de que o futuro presidente americano irá se desvincular do acordo de paris, evento pelo qual foi assinados inúmeros protocolos entre as partes envolvidas para mitigar ao máximo os efeitos do aquecimento global. A participação da comitiva brasileira vem tomada por enormes expectativas positivas, pois sempre os governos petistas ocuparam posições de lideranças em temas relevantes, como o fim do desmatamento, políticas de credito de carbono, etc.

Nos discursos de abertura da Cop, integrantes do governo brasileiro apresentaram números comprovando ter havido redução do desmatamento na Amazônia e no Serrado. Pode até ser verdadeiro esses dados, claro que se usarmos como comparativo o desmatamento ocorrido durante os quatro anos de governo Bolsonaro, considerado um dos maiores da historia. Se houve redução de desmatamentos como afirmou o governo brasileiro, 2024 vai ficar para a história como o ano dos incêndios que cobriu com fumaça quase todo o território brasileiro.  

Foram milhões de hectares de florestas devastadas pelo fogo registrado em quase todos os biomas, ambos associados a uma das maiores estiagens na Amazônia. O Brasil certamente entrou na lista entre os que mais emitiram gases do efeito estufa somente em 2024, e isso não foi falado na abertura do encontro em Baku. O que se espera é que no final dessa cúpula possamos ter noticiais um pouco mais esperançosas para toda a humanidade sobre o futuro do planeta. Penso que mais uma vez ficaremos na esperança de uma próxima conferência, de outra, de outra, até que não termos mais tempo de reverter o fim trágico do planeta.

Prof. Jairo Cesa

 

 

          

domingo, 10 de novembro de 2024

 

RESISTÊNCIA COMO ESTRATÉGIA À NÃO MUNICIPALIZAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SC.

As últimas avaliações do IDEB comprovaram o quão decadente está a educação pública brasileira. Diante de tal realidade nada animadora o que se esperava era o engajamento das forças políticas junto com a sociedade na construção de propostas emergentes que assegurasse maior aporte do PIB no financiamento das estruturas físicas, pedagógicas e salariais dos trabalhadores da educação. Parece que não é exatamente essa a intenção dos gestores públicos de estados e municípios que vem cumprindo a risca as políticas impostas pelo grande capital que é flexibilizar ao máximo os serviços públicos, como a entrega de escolas públicas estaduais a grupos empresariais visando exclusivamente o lucro.     

O caso recente ocorrido no estado do Paraná onde foi criado o famigerado “parceiro da escola”, são empresas que terceirizaram cerca de 200 unidades de ensino públicas.  Esses segmentos particulares terão autonomia de contratar merendeiras, servidores gerais e até mesmo ACTs.   Claro que a intenção do governo é se ver livre desse compromisso constitucional, precarizando ainda mais o já decadente ensino público. Todos sabem que quando uma corporação adquire uma instituição pública, saúde por meio das OSS (Organizações Sociais da Saúde); tele comunicação; transporte, etc, o objetivo principal é o lucro, e na educação não é diferente.

O Paraná é um exemplo revelador de como o Estado vem se utilizando de instrumentos legais sórdidos para  privatizar escolas públicas. Lá o governo criou uma nomenclatura palatável, o “parceiro da escola”, que nada mais é do que entregar de inicio 200 escolas para que o parceiro mercado gerencie. Mesmo com toda a pressão da sociedade não foi possível impedir que a assembleia legislativa paranaense, de maioria entreguista, aprovasse o PL 345/24 que culminou na fragilização ainda maior da escola pública.

Proposta parecida ao do estado paranaense também aconteceu em Santa Catarina quando o governo Jorginho Melo, bolsonarista de carteirinha, em 2023, sancionou lei concedendo bilhões de reais dos cofres públicos para as chamadas universidades comunitárias. O que deveria ter feio o governo, em vez de agradar esse segmento que ajudou a sagrar-se vitorioso no pleito de 2022, era ter disponibilizado esses mesmos recursos para melhorar a infraestrutura e o processo de ensino da rede pública básica. Sem esquecer que o Estado tem a sua instituição de ensino superior, a UDESC, que sofre sucateamento e falta de campis em várias regiões do estado.

A redução da intervenção do Estado na educação básica também se estende para outros estados, como São Paulo, onde nos últimos dias o governo, também bolsonarista, leiloou 33 escolas básicas para grupos empresariais, tanto para a construção e manutenção num prazo de 25 anos. O governo do estado paulista reiterou que o processo pedagógico continuará sob a responsabilidade do Estado, ficando apenas a estrutura física e demais serviços de responsabilidade das empresas. A crítica lançada tanto pelo sindicato da rede estadual paulista, como pelos demais profissionais da educação, é que esse é o primeiro passo para que essas e outras escolas sejam integralmente entregues ao mercado, acabando definitivamente com concursos de acesso de docentes e planos de carreira.

No estado de Santa Catarina, desde o final da década de 1990, o magistério público estadual vem convivendo com o fantasma da municipalização das escolas geridas pelo Estado. De acordo com a LDB tanto os estados como os municípios podem compartilhar a gestão da educação fundamental. Entretanto, é de responsabilidade dos municípios a gestão do ensino infantil, garantindo espaços físicos ideais e profissionais capacitados no exercício das funções.    Os governos estaduais que se sucederam a partir das primeiras décadas do século XXI tentaram ininterruptamente fazer valer seu autoritarismo, estragando muitas escolas aos gestores municipais, sucateando-as ainda mais. Na realidade, um dos objetivos da entrega é sim livrar-se de compromissos como contratação de professores.  

As experiências mais contundentes de municipalização ocorreram durante o governo de Raimundo Colombo, porém, medidas essas passaram a se repetir mais frequentemente no atual governo de Jorginho Melo. Comprovadamente muitas das escolas que se municipalizaram não obtiveram êxitos em relação à melhoria na qualidade do ensino. Um dos agravantes é que o apadrinhamento político prevalece e irá prevalecer ainda mais em vários municípios, principalmente no aspecto gestão escolar, cujos diretores continuam sendo por indicação política.

Em 2023 o governo de Jorginho Melo entregou quatro escolas estaduais de ensino fundamental aos municípios, sendo uma delas a Eufrásia Rocha, no município de Maracajá. É claro que esse procedimento não segue princípios democráticos, como a consulta à população se concorda ou não com o repasse da unidade de ensino ao município. Muitos podem até querer argumentar que seria perda de tempo resistir a imposições verticalizadas, de um lado, o estado, oferecendo-as, e do outro, o município, recebendo-as.

Mas não foi o que ocorreu em Araranguá, sendo duas escolas estaduais indicadas para serem municipalizadas, uma delas, a EEF Mota Pires, situada no bairro Sanga da Toca. Informações repassadas confirmaram que o estado ofereceu ao município outras três ou quatro escolas, além dessas duas destacadas acima. Quando se imaginava que seria mais uma entrega de escola sem resistência, os fatos mostraram o oposto, a comunidade da Sanga da Toca, junto com os professores e o corpo gestor, se ergueram e foram para o enfrentamento com o município e o Estado. Claro que o epicentro da resistência foi corpo gestor, eleito pela comunidade, que tomou a frente na luta pela permanência da escola à rede estadual de ensino.

Depois de ter havido manifestação em frente à prefeitura do município, onde o prefeito simplesmente virou as costas aos manifestantes, o corpo gestor articulou reunião na escola, convidando a comunidade escolar, a secretária da educação municipal e o coordenador regional ensino, representando o governo do estado. Por cerca de uma hora todos os presentes puderam se manifestar expondo seus argumentos favoráveis e desfavoráveis acerca da municipalização. Em relação à escola Mota Pires, a gestora da escola foi enfática em afirmar que não havia motivo para a entrega da mesma ao município, pelo fato de ser a unidade de ensino, referencia no estado em inclusão de estudantes com deficiência visual. Diante disso, não havia qualquer certeza de que o município daria continuidade a esse projeto premiado em âmbito estadual e federal.

Alguns dias depois da realização da reunião e que teve forte mobilização da comunidade, a gestora da escola, gravou vídeo, expondo aos moradores do bairro que o município de Araranguá havia desistido de municipalizar a respectiva escola. Uma vitória da mobilização, que deve servir de exemplo para outras escolas que estão no radar da municipalização. É preciso aqui entender a jogada sórdida do atual governo. Há poucos dias o governo usou as principais redes de comunicação do estado para divulgar que havia promovido um dos maiores concursos públicos para o magistério estadual. Gastou milhões de reais com tais publicidades.  

Acontece que milhares dos professores aprovados no concurso poderão ficar por anos sem acessar as escolas. Como assim? Com a municipalização muitos dos professores efetivos dessas unidades de ensino terão de ser removidas ocupando vagas excedentes, que seriam preenchidas pelos concursados. Portanto, com a municipalização o governo estadual irá economizar milhões de reais, é claro que todo esse dinheiro não será revertido em melhorias das escolas do ensino médio, nem melhorar a remuneração dos professores, parte dele é para financiar campanhas eleitorais, como já é de praxe.

Prof. Jairo Cesa          

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sábado, 2 de novembro de 2024

 

SÉCULOS DE SERVIDÃO À LUTA PELO RECONHECIMENTO OFICIAL DO QUILOMBO MARIA ROSALINA EM ARARAGUÁ

A invasão portuguesa das terras dos tupi-guarani, tapuias, aruaques e caraíbas, no começo do século XVI, repercutiu decisivamente na construção do território brasileiro, considerado um dos mais desiguais e atrasados do mundo. Desde a sua ocupação, a coroa portuguesa enviou para cá a ralé da sociedade lusitana, prisioneiros condenados por inúmeros crimes cometidos na metrópole. Claro que a coroa portuguesa possuía outros interesses aqui além de depósitos de renegados, vindo de fato a ocupá-la oficialmente trinta, quarenta anos após a chegada de Cabral em 1500.

 Explorar riquezas como o pau brasil foi o primeiro plano pensado pela metrópole, para a sua extração aproveitaram a abundante força de trabalho indígena disponível, usando-as sem qualquer remuneração. A substituição do trabalho indígena pelo africano se deu num cenário de transformações econômicas protagonizado pela Inglaterra que passou a liderar o comercio de escravos entre as suas colônias e das demais metrópoles.

O Brasil durante quase três séculos recebeu milhares de escravos africanos, muitos dos quais arrancados de suas terras e trazidos em porões de navios sem o mínimo de higiene e conforto. Aqui eram vendidos em leilões públicos e encaminhados às fazendas paro o cultivo de cana e a fabricação do açúcar. A atividade da mineração na região das Minas Gerais recebeu também forte aporte de mão de obra escrava africana. O cultivo e o beneficiamento do café nas grandes fazendas de São Paulo e Rio de Janeiro durante a época do império fez surgir uma nova elite política que foi responsável pela transição da monarquia para a república.

A escravidão nas colônias britânicas, francesas, etc, já demonstrava não ser um bom negócio para a burguesia industrial em ascensão. Era necessário criar legislações que dificultassem ao máximo o comércio de escravos nas colônias. Em vez de escravos, as colônias passaram a ser vistas como um mercado vantajoso para as manufaturas de uma indústria em franco crescimento. No Brasil, inúmeras foram as leis criadas visando impedir o comércio de escravos, claro que impulsionado pela burguesia industrial inglesa. Oficialmente o fim da escravidão no Brasil ocorreu em 13 de maio de 1888 por meio da Lei Áurea assinada pela princesa Isabel. Essa lei não assegurou qualquer direito aos ex-escravos, saindo da condição de cativos paro um novo regime de trabalho, agora assalariado.

Na eminência de que o escravismo já estava em decadência e bem próximo do fim, o regime monárquico passa a aprovar medidas que assegurasse o direito às terras às elites brancas, inviabilizando desse modo o acesso do escravo liberto à terra que não fosse por meio de compra somente.   A Lei de Terras sancionada em 1850 muda o regime de aquisição e propriedade, sendo agora por meio de compra e venda, ou seja, todos que estivessem ocupando espaços sem escrituras seriam passivos de expulsão pelos novos proprietários. Essa medida gerou inúmeros conflitos violentos principalmente no sul do Brasil entre o século XIX a partir da chegada de levas de imigrantes europeus. 

O enfrentamento aconteceu tanto contra indígenas, como também contra posseiros luso brasileiros, denominados caboclos. O conflito do contestado, no oeste de Santa Catarina, é um bom exemplo dessa ação velada de extermínio patrocinada pelo governo federal contra os povos tradicionais. Foram atitudes como essas que fez o Brasil se tornar uma das nações mais violentas e desiguais do planeta. O processo de extermínio, contra negros, indígenas, permanece latente, porém as elites tentam ocultá-las emitindo opiniões que revelam o Brasil como sendo uma democracia racial, que de fato não existe.

Tanto em relação aos povos originários, como também aos africanos escravizados, é incorreto afirmar que ambos foram submetidos à escravidão sem qualquer resistência. Um dos exemplos da resistência dos cativos africanos foi o episódio que deu origem ao Quilombo dos Palmares, na região da Serra da Barriga, estado de Alagoas. Milhares de negros fugidos das fazendas, entre outros desertores cativos, lá se refugiaram adotando o modelo de organização social coletiva.  

Grandes lideranças desse quilombo foram Ganga Zumba e Zumbi, esse ultimo morto pelas forças do governo brasileiro a mando dos coronéis amedrontados pelo risco de rebeliões generalizadas de escravos nas fazendas do nordeste. Graças a forte mobilização das comunidades negras em todo o Brasil, o herói Zumbi dos Palmares tem o dia 20 de novembro como data alusiva à consciência negra no território brasileiro.  O estado de São Paulo decretou essa data como feriado estadual, como outros estados.

Em 2003 o presidente Lula sancionou a lei n.10.639/03 que obriga o ensino da historia da cultura afro-brasileira em todas as escolas de ensino fundamental e médio no Brasil. Cinco anos mais tarde, no segundo mandato do presidente Lula, foi sancionada nova lei a de n. 11.645/08, que também torna obrigatório o ensino de história e cultura indígena e afro-brasileira, mas não nos cursos de formação de professores do ensino superior.

Entretanto, embora as escolas tenham recebido um turbilhão de materiais didáticos, como livros específicos à cultura indígena e afro, grande parte desse material continua quase esquecido nas prateleiras das bibliotecas sem qualquer utilidade. Lembro de ter trabalhado um período na biblioteca da EEBA de Araranguá onde havia uma estante repleta com bibliografias relativas à cultura afro-brasileira, porém, eram raros os professores e estudantes que tiravam um tempinho para consultá-los.

Acredito que foi e deve ser essa a realidade de centenas de escolas brasileiras. A culpa de fato não pode ser alocada somente aos docentes, tomados por um currículo denso, que devem ser executados por imposições circunstanciais, como do próprio ENEM. Por outro lado esse mesmo currículo mostra-se esvaziado em temas relevantes como cultura africana e povos originários. Parte expressiva dos profissionais, de história, em específico, que exercem as docências nas escolas brasileiras, tem o mínimo do mínimo de compreensão sobre cultura afro-brasileira, menos ainda sobre cultura africana.

Isso certamente deve ser um dos motivos de termos uma sociedade ainda tão preconceituosa, tão desinformada, quando o assunto é cultura indígena e africana. O preconceito contra indígenas e africanos continua enraizado no imaginário social, basta observar os estereótipos compartilhado no cotidiano das pessoas, as piadas, a musica, as roupas e no próprio linguajar.

Tanto os indígenas quanto os negros ainda hoje lutam para serem reconhecidos como grupos sociais de direitos, como reza a constituição de 1988. Entretanto, sofrem as agruras diárias de forças políticas extremistas que tentam apagar suas histórias, até mesmo por meio de um processo de genocídio institucionalizado. As ações da polícia nos morros do Rio de Janeiro, Salvador, entre outras cidades importantes como São Paulo, fazem parte de sistema de apartheid social.

O processo de segregação não acontece exclusivamente nos grandes centros, nas médias e pequenas cidades, comunidades negras também são passivas de limpeza étnica. A frágil presença do Estado, com serviços de infraestrutura, saneamento básico, educação, cultura, esporte, saúde, etc, vem tornado esses apartheids alvos prediletos de grupos organizados vinculados às milícias e ao tráfico de drogas. Quase que diariamente a grande imprensa vem noticiando conflitos entre facções disputando o controle do trafico principalmente no Rio de Janeiro. Conflitos entre facções, algo que era inimaginável em pequenas cidades brasileiras, vem se tornando rotina atualmente.

Mais uma vez reitero que essas ações se dão exatamente em locais onde a sociedade e o estado historicamente insistiram e insistem em virar as costas. Tem também por trás dessa dita patologia social, uma raiz histórica, ou seja, o processo econômico baseado na força de trabalho escravo. A obra do professor historiador Antônio Cesar Spricigo, Sujeitos Esquecidos Sujeitos Lembrados explica bem todo esse conturbado processo econômico forjado a partir da mão de obra escrava. Do mesmo modo como ocorreu em muitas regiões do Brasil, com a abolição, o escravo liberto foi jogado à sorte das circunstâncias. Na região sul de Santa Catarina a trajetória desses libertos não foi diferente, sem terra, sem direito algum, tendo agora que trabalhar para ganhar alguns trocados para não morrer de fome.

A participação da população preta no desenvolvimento da região sul de Santa Catarina foi decisiva, tanto na atividade carbonífera na AMREC, quanto no cultivo e beneficiamento da mandioca, cana-de-açúcar, etc, na AMESC. Entretanto com o passar do tempo as elites que se forjaram do regime escravista insistem em manter invisíveis os sujeitos remanescentes do escravismo. Para essas elites advindas de famílias tradicionais, inconscientemente há uma divida social à ser paga aos remanescentes de escravos e povos originários. Mantê-los distantes ou Isolá-los em guetos são estratégias que redundaram em problemas que repercutem no cotidiano das próprias elites que vivem no entorno desses espaços. 

A comunidade quilombola Maria Rosalina pejorativamente conhecida como “Buraco Quente” lá vivem famílias remanescentes de ex-escravos libertos, entre outras pessoas, que diante das dificuldades tentam levar uma vida normal. O incrível é que pouquíssima gente sabia que a respectiva comunidade é um quilombo, território oficializado por meio de decreto federal n. 4887/2003, onde identifica e delimita terras quilombolas. No extremo sul do estado já existe o quilombo São Roque, no município de Praia Grande. O que mais chama atenção é que o quilombo de Araranguá é um dos poucos no Brasil situado em área urbana.

Portanto aqui está o problema visto pelo olhar daqueles que se instalaram no entorno dessa comunidade que já estava ali há mais de um século. Diante de todos os problemas vividos principalmente o preconceito e o distanciamento do poder público, o quilombo Maria Rosalina sofre os efeitos da violência, pois o trafico conseguiu capturar algumas pessoas do local e de outros pontos da cidade, jovens em especial, para fazer girar a roda do vício.

Assustados com o aumento da violência e a frequente intervenção da polícia no local, isso fez aumentar ainda mais a rejeição da população para com a comunidade, até mesmo elevando o senso comum de que lá só vivem traficantes e que é um lugar perigoso. Frente a essa visão equivocada a sociedade branca araranguaense por meio de suas entidades representativas se reuniu com objetivo de buscar soluções ao “buraco quente”, como é erroneamente conhecida. A proposta pensada seria a remoção da população do local? Claro que isso somente transferiria o problema de um lugar para o outro, não é mesmo? Essa reunião causou enorme desconforto aos moradores do quilombo, pois se sentiram ainda mais excluídos, injustiçados, por não terem sido convidados para o encontro.

Diante do ocorrido, moradores e entidades da sociedade civil organizada foram entrevistados pelo canal POST TV de Araranguá, onde puderam esclarecer com detalhes o que é exatamente a comunidade quilombola Maria Rosalina, sua caminhada histórica, as dificuldades e os desafios a serem enfrentados. O programa foi dividido em dois blocos, o primeiro, as entrevistadas foram Luciana Mina, Coordenadora do CEJA - Centro de Educação de Jovens e Adultos quilombola e Dona Custódia Anacleto, Presidente da comunidade Maria Rosalina.

Luciana Mina, com seu farto conhecimento e carisma, desconstruiu toda uma visão erronia sedimentada sobre a comunidade Maria Rosalina, que constituída por dezenas de famílias, na sua maioria descendente direto de escravos libertos do Grande Araranguá. A comunidade é considerada centenária cujo terreno foi doado por um cidadão araranguaense, o senhor Max, ressaltou Luciana.  Desde a sua constituição a comunidade vem passando por enormes dificuldades. Todas as famílias, muitas das quais pobres, que para sobreviver executavam funções muitas vezes desprestigiadas pelos demais munícipes como trabalhos domésticos, engraxates, ajudantes de caminhoneiros, entre outros.

Envoltos em carências para subsistir, o problema é agravado com o abandono do poder público, que literalmente virou as costas em garantir as mínimas condições de infraestrutura básica, principalmente saneamento básico. O reconhecimento federal, Fundação Palmares, do quilombo Maria Rosalina, é visto como um divisor de água na vida dessas famílias. Relatou Luciana dos vários projetos que estão em andamento na comunidade, todos articulados na reconstrução da identidade cultural do povo local, da sua ancestralidade, dos rituais, etc, como ferramentas ao fortalecimento do sentimento de pertencimento e empoderamento.

Ozair da Silva, popular Banha, que presta assessoria jurídica à Associação Maria Rosalina, acompanhado por Jorge Roberto Mina, que é membro da mesma associação, foram também entrevistados pela POST TV, onde fizeram importantes revelações acerca daquele espaço repleto de preconceitos por parte da sociedade. Relatou Banha que onde o poder público não chega qualquer comunidade fica desprotegida, que é o caso explícito da Maria Rosalina. Disse também que ficou surpreso, que foi o mesmo sentimento dos demais membros da comunidade, quando souberam, pela imprensa, que integrantes de entidades e populares estiveram reunidos para discutir a questão da comunidade Maria Rosalina sem a presença de integrante da própria associação. Que uma das propostas elencadas foi sim a remoção das famílias do local para outro espaço, claro que longe do centro da cidade.

O prefeito de Araranguá, relatou Banha, que já havia sido certificado da Certidão de Autodefinição do quilombo Maria Rosalina, que o mesmo já está registrado no Diário Oficial do Estado. O próprio INCRA já iniciou processo de certificação da terra. Com todas as tratativas em curso, tanto a comunidade quanto o próprio município podem receber recursos federais para projetos sociais envolvendo toda a sociedade araranguaense.  O que falta mesmo nessa comunidade quilombola é a presença do poder público, em infraestrutura, atividades culturais, etc. Se existe algum projeto acontecendo na comunidade se deve ao apoio de instituições como o SESC, UFSC, entre outros grupos organizados da sociedade civil, ressaltou Banha.

Esclareceu Banha que em 2023 a Maria Rosalina ficou por quase uma semana sem energia elétrica, que houve uma passeata até a prefeitura para reivindicar soluções ao apagão.  Que na ocasião da falta de energia nenhum membro das entidades que estavam presente no encontro do dia 24 de outubro para discutir a comunidade, moveu uma palha para ajudá-los. A pergunta que Banha fez foi o seguinte, quantos cidadãos araranguaenses sabem dos projetos que estão sendo desenvolvidos na comunidade quilombola?  Quantos sabem que o CEJA promove ensino fundamental e médio para adolescentes e adultos, que esse ano, 2024, haverá a primeira formatura de estudantes do ensino médio oriundos da Maria Rosalina?

Nas intervenções realizadas pela polícia no local há denúncias de que residências fechadas são arrombadas e reviradas pelos militares. São residências de moradores que saem para trabalhar, geralmente retornando nos finais de semana. Deixaram bem claro o Banha e seu Jorge que a comunidade jamais foi contra resolver o problema do trafico e da violência no local. É explicito que o trafico está em todas as partes do município, que removendo o povo do local para outro sem políticas públicas, não resolve. Enfatizaram que a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com os negros e os indígenas, que o reconhecimento dos territórios tanto dos originários, os indígenas, bem como dos negros, os quilombos, são dividas que estão sendo pagas por séculos de exploração das elites brancas brasileiras.

Prof. Jairo Cesa

  

              

                            

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 

O PL 4546/21 – PROJETO DE LEI QUE PROPÕE A ENTREGA DA GESTÃO HÍDRICA E DO SANEAMENTO BASICO ÀS GRANDES CORPORAÇÕES

 

https://www.youtube.com/watch?v=_wPPxQ45stE

Década de 1970 em diante o sistema de produção capitalista passou por transformações relevantes no seu escopo de infraestrutura e gestão política. As novas tecnologias em curso fez alterar relações de produção, reduzindo paulatinamente a força de trabalho das fábricas ainda inseridas no modelo fordista de produção em larga escala. Cabe lembrar que até esse momento o papel do Estado foi decisivo na adoção de políticas de interesse social, estimulado, é claro, pela crise de 1930 e a Guerra Fria, que se instaurou a partir do final da Segunda Guerra Mundial.

A forte difusão de ideias socialistas no mundo do trabalho pressionou os governos ocidentais a recuarem suas políticas de exploração da força de trabalho, que assegurava a mais valia do trabalho, o lucro. O Estado que durante os períodos de crises cíclicas do capitalismo se transformara em alavanca na recuperação das economias estraçalhadas, nos anos 1970 em diante esse mesmo Estado se apresenta como um empecilho, obstáculo ao desenvolvimento, portanto, devendo se estreitado seu poder de atuação.

O fim do socialismo soviético a partir da queda do muro de Berlim em 1989 deu mais munição às nações capitalistas à executarem duras medidas fiscais que afetaram diretamente as economias dos países periféricos. Teóricos como Milton Friedman, entre outros adeptos a desregulação da economia, foram decisivos na construção de ideias em defesa do livre mercado, ou seja, a redução tácita do papel do Estado na condução da economia. De fato foi uma reação ao keynesianismo, do pós crise de 1929, que proporcionou maior intervenção do estado sobre a gestão da produção.

Era necessário, portanto, impor regras mais rígidas sobre as estruturas fiscais das economias dependentes como garantia ao não calote das dívidas junto aos países credores. Organismos financeiros como o FMI e o Banco Mundial passaram a exercer forte pressão sobre as políticas econômicas dos países da América Latina, África, Ásia, etc.  A crise econômica que se instaurou na década de 1980, com o risco cada vez maior de calote ao pagamento dos juros das dívidas externas, forçou os credores a adoção de pacotes de medidas fiscais aos países emergentes. Esse plano foi batizado de Consenso de Washington.

Corte de gastos públicos, privatizações de empresas estatais e um amplo conjunto de reformas que atingiam em cheio direitos conquistados pelos trabalhadores, foi, portanto, o receituário apresentado pelos países alinhados ao capitalismo central. Quanto às políticas neoliberais é importante ressaltar que tal receituário teve como uns dos protagonistas o Chile de Pinochet e a Inglaterra de Margaret Thatcher, ambos reformaram suas economias por meio de profundo ajuste estrutural.

No final da década de 1980, com a eleição do Presidente Fernando Collor de Mello, o Brasil dá inicio a sua caminhada de reformas estruturantes, levando a cabo o receituário dos seus idealizadores e chancelado pelo Banco Mundial e FMI. Envolvido em uma séria de denúncias de irregularidades na condução do seu governo, Collor sofre impeachment, assumindo por sua vez o vice Itamar Franco, que dá prosseguimento aos projetos de enxugamento do Estado. Foi, todavia, no governo de Fernando Henrique Cardoso que os programas de ajustes da economia se concretizaram a contendo. É claro que para agilizar todo esse arcabouço de medidas antissociais foi necessário eleger um congresso afinado ao propósito desregulador.

Sistemas bancários, companhias siderúrgicas, de mineração, telefonia, rodovias, aeroportos, ferrovias, hidrelétricas, como um tabuleiro de dominó, foram aos poucos caindo no colo dos grandes investidores internacionais, muitas dessas empresas entregues mediante o pagando de valores irrisórios. Um exemplo foi a Vale do Rio Doce, uma das maiores companhias estatais de mineração do mundo vendida para grandes corporações por uma bagatela aproximada de cinco bilhões de reais. Além de proporcionar ganhos bilionários aos seus acionistas o que mais os brasileiros ganham são passivos ambientais. O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, na região de Mariana, Minas Gerais, foi um desses passivos, causando mortes e prejuízos catastróficos a toda a biótica da bacia da bacia do Rio Doce.

A eleição de Lula para presidente da república em 2000, pelo partido dos trabalhadores, representou um momento impar da historia do Brasil, pois pela primeira vez uma pessoa vinda do povo conquistou o posto mais importante da política brasileira. As expectativas agora eram de que houvesse uma reviravolta no processo decisório brasileiro, onde daria prioridade às demandas das quais estavam inseridas no estatuto do partido, visto como amplamente social. De fato foram cumpridas algumas dessas demandas, porém, no radar ainda aparecia o famigerado fantasma do neoliberalismo. Lula um, Lula 2, Dilma 1 e Dilma dois, ambos transitaram pelas dependências do palácio do planalto por quase quinze anos, no entanto, não foi suficiente para tirar o Brasil da triste lista de um dos mais desiguais e atrasados do mundo.

O impeachment que derrubou Dilma em 2016 abriu caminho para que as forças conservadoras do capitalismo dependente reassumissem as rédeas do comando nacional.  Com o golpe contra Dilma, assume a presidência o vice Michel Temer, principal porta voz das elites econômicas nacionais e internacionais, sedentas para fincar as garras nas riquezas do povo brasileiro. Reformas e mais reformas foi a tônica assumida por Temer, agradando, é claro, o agronegócio, grandes investidores e o capital especulativo, ambos cada vez mais poderosos e com forte representação no congresso nacional.

Se já houve retrocessos durante o pouco tempo que Temer permaneceu no posto de presidente da republica, o quadro social e econômico se agravou ainda mais com o pleito que elegeu o ultradireitista Jair Bolsonaro. Quatro anos de retrocessos em vários campos, na saúde, educação, meio ambiente, entre outros. Tudo isso agravado pela pandemia do COVID 19, cuja gestão do governo federal foi um verdadeiro desastre. A eleição de um congresso majoritariamente ultraliberal em 2019 garantiu sustentação ao governo Bolsonaro na execução de suas políticas de fragilização ainda mais do Estado Brasileiro.

Era preciso encolher mais ainda o Estado, para isso adotou a estratégia de responsabilizar os servidores públicos à pouca eficiência dos serviços prestados. Porém esse discurso de vitimização não foi exclusividade somente do governo Bolsonaro, os anteriores, a exemplo de FHC, adotaram com extraordinária propriedade.  Isso aconteceu com as privatizações das empresas de telefonia, mineração, rodovias, ferrovias, bancos, etc. A própria Petrobras não ficou isenta dessa pauta privatista, além, é claro, do sistema elétrico que recebeu e continua recebendo forte assédio dos fundos de capitais internacionais. Além do petróleo e mineração, o segmento hídrico e do saneamento básico são filões que estão na mira do grande capital.

Durante o governo Bolsonaro, o Congresso Nacional, dominado por bancadas entreguistas, apresentaram o PL 4546/21 também conhecido como PL do Novo Marco Hídrico, no qual busca instituir a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, que regulamenta a prestação e exploração de serviços hídricos no Brasil. Resumindo, é mais um daqueles projetos de leis elaborados por parlamentares cujas campanhas foram financiadas por empresas interessadas na desregulação das políticas que regem os recursos hídricos e o saneamento básico.  

Acontece que o processo de privatização dos sistemas hídricos e saneamento básico não é algo recente no mundo. Vários países já realizaram, porém, tiveram que romper os contratos com os governos devido ao não cumprimento dos mesmos.  No momento que uma empresa particular adquire uma estatal ou autarquia de coleta, tratamento e fornecimento de água, o que está inserido em seu portfólio não é nada mais que o lucro, ou seja, água como produto. É claro que os investimentos dessas empresas com infraestrutura se concentrarão nos municípios, bairros com garantias de retorno financeiro. O caso do apagão na cidade de São Paulo há poucos dias e que manteve às escuras milhões de pessoas por alguns dias é um bom exemplo de ineficiência dos serviços prestados pela empresa que comprou os direitos para a prestação desses serviços.

Outro detalhe importante, em 2021 o governo federal sancionou a lei n. 14026/21 que definiu o novo marco legal do saneamento, promovendo alterações em dispositivos presentes no estatuto das cidades. Com a aprovação dessa lei o Brasil passa a ter uma política nacional de infraestrutura hídrica. O importante aqui esclarecer é que essa lei não houve a participação da sociedade na construção e discussão. Em síntese o que se terá mesmo é o desmonte de todo o arcabouço legal já criado que assegura ao ente público, estados e municípios, a governança sobre os serviços de água e saneamento básico. Com o PL 4546/21 todo esse conjunto de normatizações são desfeitas para permitir que empresas, até mesmo as ditas públicas, tenham que participar também das licitações dos serviços de água e saneamento a serem oferecidos. Com o PL, a água e saneamento serão vistos como bens de troca e não de uso como reza a constituição brasileira e as legislações em vigor.

De fato o setor que será mais impactado com o PL 4546/21 é o dos Comitês das Bacias Hidrográficas, criadas com o intuito de estender a participação da sociedade civil, segmento econômico e o poder público na gestão dos recursos hídricos, ou seja, todos os cursos d’água existentes. Essa nova governança participativa vem seguindo o que determina a própria constituição brasileira, que dele a sociedade poderes para intercederem sobre tais políticas. Com o PL, os comitês deixariam de existir, outorgando aos novos gestores, nesse caso, os governos ou donos das outorgas, poderes de decisão, que será verticalizada, ou seja, de cima para baixo.

Prof. Jairo Cesa

sábado, 19 de outubro de 2024

 

NÚCLEO SERRAMAR - QUE INTEGRA A REDE DE AGROECOLOGIA ECOVIDA - PROMOVE ENCONTRO DA REDE DE SEMENTES

"Essa foto me emocionou muito eu no meio das alfaces que minha mãe guardou no freezer por 28 anos .E estão comigo" - Maria das Alegrias


Por milênios as sementes sempre foi motivo de preocupação das civilizações que iam se sucedendo uma após outra. Foi a partir da sua domesticação, bem como do aprisionamento de animais, aves, mamíferos, que grupos humanos transitaram da condição de nômades para sujeitos sedentários, isto é, se fixando em um determinado espaço geográfico e construindo relações de convívio mútuo. Muitos dos alimentos consumidos pela humanidade hoje em dia, como o arroz, o milho, tipos de batatas, mandiocas, legumes, tubérculos, entre outras dezenas de variedades, tiveram suas origens na China, Índia, na Mesopotâmia, no Egito antigo e no Continente Americano.

Coletar as melhores sementes, armazená-las corretamente para assegurar uma germinação satisfatória, foi no passado, função quase que exclusiva das mulheres, denominadas de guardiãs de sementes. Ainda hoje comunidades tradicionais da América Latina, mantém a tradição de produzir e replicar sementes crioulas, variedades que mantém intactas suas genéticas de milhares de anos. De fato as guardiãs, bem como os guardiões, ambos se caracterizam como verdadeiros heróis da resistência, pelo fato da enorme pressão que sofrem das grandes corporações do segmento de sementes e insumos que buscam monopolizar esse setor.

As inovações no campo da ciência agrária e da genética provocaram uma verdadeira revolução no segmento das sementes. Melhorá-las geneticamente, tornando-as mais produtivas, resistentes às pragas e a inserção de agrotóxicos, foi, de fato, o acontecimento mais relevante e ameaçado do final do século XX. Pela primeira vez o ser humano consegue mexer nos seus cromossomos, alterando o seu sequencial genético, a ponto de criar variedades estéreis, incapazes de se fecundarem após a colheita. Isso, de fato, garante o controle das corporações no comércio global dessas sementes.

A agroecologia e a produção orgânica a cada dia vêm se vislumbrando como uma das alternativas ao salvamento da espécie humana e do planeta. As mudanças climáticas em curso se devem em grande parte ao modo como a agricultura vem sendo adotada no planeta, se concentrando em algumas culturas, soja, milho, algodão, cana de açúcar, altamente mecanizadas e vinculadas ao mercado de commodities. Hoje em dia parte dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira, muitos cereais, legumes, verduras, frutas, etc, ambas são provenientes da agricultura familiar. Em menor proporção estão às famílias que cultivam variedades orgânicas, dotando ou não praticas agroecológicas. É, portanto, esse segmento o que mais sofre as agruras de políticas públicas, com maior favorecimento ao setor do agronegócio em termos de financiamentos.

Nos últimos anos, de forma tímida, inúmeras foram às legislações criadas para dar estímulo ao segmento agroecológico. Dentre elas está o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO). De fato esse plano é um grande avanço, pois garantirá maior seguridade ao cultivo e ao comércio de orgânicos às famílias que adotam praticas alternativas de insumo e no manejo na produção. Dessa vez o Planapo define 197 iniciativas, divididas em 7 eixos. Tem a participação de 14 ministérios e 9 bilhões de reais em ações. O plano prevê “iniciativas voltadas à pesquisa e inovação, incentivos às compras e inclusão de mulheres, jovens, indígenas, quilombolas na agricultura familiar”.

Junto ao Planapo está o Pronara, que é o programa de redução de agrotóxicos de alta periculosidade. Nesse item, o segmento da agroecologia lança críticas ao programa, pois a expectativa era a inclusão da redução de todo o tipo de agrotóxicos, independente da sua toxidade. Não houve avanço no quesito agrotóxico devido ao forte da resistência do agronegócio, que é chancelado pelo ministro da agricultura, um dos principais representantes do setor.

Foto-Jairo

Outra conquista foi o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato), o PRONAAB, que inclui 29 iniciativas e 92 estratégias. A proposta é assegurar alimentos saudáveis e frescos, com foco nas populações mais vulneráveis. O plano integra políticas públicas, envolvendo diversos setores, como o da saúde, educação, agricultura e desenvolvimento social. Propõe também o fortalecimento das redes territoriais de abastecimento, bem como promover práticas que preservem a biodiversidade e os saberes tradicionais.  

Frente a tudo isso, o segmento agroecológico vem costurando vínculos em forma de redes junto aos seus integrantes, sendo uma delas a Rede Agroecológica ECOVIDA que reúne produtores e consumidores dos três estados do sul. São dezenas de núcleos espalhados, fracionadas em grupos, contendo cinco, seis ou mais famílias, que se reúnem periodicamente para discutir demandas e estratégias para o fortalecimento do setor. Dentre os núcleos da rede está o SARRAMAR, da região sul de Santa Catarina, constituída de famílias dos grupos Terras de Anita, Frutos da Terra, Guardiões e Paleotoca.

Foto - Jairo

Entre as várias demandas assumidas pelo núcleo está o debate acerca das portarias relativas às sementes utilizadas pelos produtores de hortaliças, que deverão, no futuro, ser totalmente orgânicas. Uma delas é a Portaria de n.52, de 15 de março de 2021, que estabelece regulamento técnico para os sistemas orgânicos de produção e as listas de substâncias e práticas para o uso nos Sistemas Orgânicos de Produção. Tal medida gerou forte preocupação dos produtores de hortaliças vinculados a rede ECOVIDA, pelo fato da exigência de que sementes e mudas deverão ser também de variedades orgânicas.

Essa portaria estabeleceu um tempo um tanto exíguo aos produtores para o ajustamento, decisão que resultou em mobilizações do setor junto ao MAPA, para rever a decisão e postergasse o prazo. Em 2024, o MAPA atendeu as reivindicações lançando outra portaria, a de n. 685, de maio de 2024, onde, a partir do §8 no art.103, fica suspenso por 2 (dois) anos, os prazos previstos neste artigo, no qual trata sobre sementes e mudas que deverão ser oriundas de sistemas orgânicos de produção.

Foto - Jairo

Diante das incertezas acerca do futuro dos produtores de hortaliças da rede ECOVIA e principalmente do núcleo SERRAMAR, entre outros, o respectivo núcleo vem promovendo algumas ações com vistas a buscar alternativas que atendam aos interesses desse setor que responde por mais da metade das famílias integrantes da respectiva rede agroecológica. A partir de acordos estabelecidos entre as direções da rede dos três estados, encontros setoriais foram acordados com vistas a discutir o tema, bem como habilitar os horticultores a produzirem suas próprias sementes e mudas orgânicas.

A ETAPA I do IV ENCOTRO da rede de sementes ECOVIDA ocorreu em Chapecó, nos dias 25 e 26 de setembro. A ETAPA II teve como local o município de Jaguaruna/SC, entre os dias 17 e 18 de outubro, com cerca de 100 inscritos, vindos dos três estados do sul do Brasil. Nos dois dias, o público presente teve a oportunidade de conhecer o histórico e a atualidade na produção de sementes; sua origem e a diversidade; sua importância; seu manejo e tratamento; as formas de colheitas; o seu armazenamento e o plano para garantir a manutenção da agrobiodiversidade, suprindo as demandas de sementes da agricultura familiar agroecológica em qualidade.  Durante as falas dos técnicos e pesquisadores, os produtores de hortaliças tiveram a oportunidade de apresentar e compartilhar suas experiências de fracassos e sucessos no manejo dessa atividade.

Foto - Jairo

Foto - Jairo

No segundo dia do evento, o publico foi recepcionado na propriedade de uma família de agricultores agroecológicos no mesmo município. É importante aqui frisar que a proprietária do sítio, conhecida como Maria das Alegrias Garcia, além de agricultora também é uma guardiã de sementes crioulas. Por cerca de duas horas, o público envolvido no evento sobre sementes, teve a incrível oportunidade de conhecer um verdadeiro berçário de variedades de hortaliças em diferentes estágios de desenvolvimento. Acredito que quem prestou atenção nas falas repletas de conhecimento e emoção da Dona Maria das Alegrias, deve ter compreendido que ser agroecológico vai muito além do resultado econômico em si, é um processo sinérgico, onde solo, ar, água, plantas, animais, trocam energias, se realimentando ininterruptamente.

Prof. Jairo Cesa  

          

   https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=detalharAto&tipo=POR&numeroAto=00000052&seqAto=000&valorAno=2021&orgao=MAPA&nomeTitulo=codigos&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=420&cod_menu=7145

https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&tipo=POR&numeroAto=00000685&seqAto=000&valorAno=2024&orgao=MAPA&nomeTitulo=codigos&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=420&cod_menu=7145

https://portaldbo.com.br/governo-anuncia-3a-edicao-do-plano-nacional-de-agroecologia-e-producao-organica/

https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/10/plano-nacional-de-abastecimento-alimentar-201calimento-no-prato201d-garante-seguranca-alimentar-e-sustentabilidade

 

 















segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 

O/A BRASILEIRO/A ADQUIRIU CONSCIÊNCIA POLÍTICA DE DIREITA E EXTREMA DIREITA.

Podemos admitir que o começo da década de 1960 a sociedade brasileira viveu intenso processo de politização de esquerda, claro que influenciado pelas ideias revolucionárias de cunho marxista que arrancaram do poder regimes autoritários a exemplo de Cuba de Fungêncio Batista. Lideranças como Che Guevara, entre outros/as, desempenharam papel de difusão dos ideais humanistas pelo continente americano, porém, foi assassinado nas florestas da Bolívia a mando das forças repressoras pró-capitalismo. Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, etc, passavam por processos de forte ebulição política também nessa década, onde pleitos eleitorais levaram ao poder governos com demandas populares, como  reforma agrária, educação pública, estatização de empresas de base: eletricidade, comunicação, etc.

Vendo-se ameaçadas, as forças econômicas conservadoras se articulam com vistas a desmobilizar todos os focos revolucionários que pipocam por todos os cantos da América do Sul. A forte influência do imperialismo estadunidense junto aos países da América Latina teve papel determinante na desarticulação dos movimentos esquerdistas. É conveniente lembrar que entre a década de 1950 até o ano de 1989, o mundo estava sob a influência da guerra fria, que de um lado estava os EUA/Capitalista e do outro a UNIÃO SOVIETICA/Socialista. Como peças de jogo de dominó, de repente, o exercito sai à rua com seus blindados derrubando governos, um após outros, prendendo e reprimindo todos/as que subvertessem a nova ordem hegemônica estabelecida.

Países como a Argentina e o Chile, as forças repressivas dos governos militares provocaram milhares de mortes e outras centenas de desaparecidos/as. Muitos outros, políticos, intelectuais, artistas, para se livrarem das perseguições do regime autoritários fugiram recebendo asilo político em países da Europa. Embora em menor proporção em termos de vítimas da ditadura, o Brasil permaneceu por mais de vinte anos sob a égide dos generais. Alguns mais cedo, outros demoraram um pouco mais, o fato é que no final da década de 1970 dá-se inicio ao processo de redemocratização conservadora dessas nações sul americanas, isto é, sem que as elites econômicas perdessem as rédeas do mandonismo capitalista.

Com a anistia muitos que fugiram para não serem presos, retornaram e deram inicio à gradual e contínua articulação das massas de trabalhadoras. Rearticulam os sindicatos com forte apelo às lutas de classes, bem como de resistência à ordem econômica repressora.  Por todos os cantos do país, vão surgindo pessoas, jovens que se organizam, muitos dos quais liderados por religiosos seguidores da teologia da libertação. As próprias universidades, muitos dos cursos acadêmicos oferecidos, economia, sociologia, entre outros ligados as licenciaturas, seus currículos passam a ter fortes cargas de conteúdos de correntes ideológicas de matriz marxista.

Conteúdos e livros de pensadores como Vigotsky, Gramsci, Piaget, Paulo Freire, Maria Ferreiro, Moacir Gatotti, até mesmo Karl Marx, ocupavam espaços de destaques nas prateleiras das bibliotecas das escolas espelhadas por todos os cantos do país. Os projetos políticos pedagógicos estavam repletos de propostas desses pensadores, entretanto em nenhum momento havia risco de alguém ser taxado de comunista, subversivo pelo fato de estar ensinando ou seguindo tais correntes de pensamento.  De fato podemos concluir que a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2001 que também se replicou em centenas de municípios até 2012 teve o impacto direto e indireto dos movimentos sociais fortemente politizados.

Com o golpe de 2016 que tirou Dilma Rousseff do cargo de presidente da república, a direita e a extrema direita se reorganizam com a perspectiva de um novo realinhamento social de base conservadora. A vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018, o mesmo assumiu o protagonismo de desconstruir o pouco do que havia sido conquistado em termos de consciência política progressista. Claro que não foi tão difícil tal meta, pois se aproveitou da precariedade dos sistemas educacionais brasileiros que não conseguiram durante os governos petistas alicerçarem um projeto de educação que promovesse o empoderamento das massas sociais.

O crescimento das igrejas neopentecostais, apresentando às massas desassistidas possibilidades palpáveis de “prosperidade”, ambas alcançaram projeções no campo das mídias e na esfera política. Tanto na primeira quanto na segunda, essas organizações obtiveram sucesso na difusão de ideias e valores conservadores fundamentados na moral cristã e na família tradicional. No campo da política construíram um espaço sólido de tomada de decisões até mesmo com bancadas contendo dezenas de parlamentares eleitos no congresso, assembleias legislativas e câmaras municipais. São esses, somados com outras centenas, mais as mídias conservadoras, que juntos vem promovendo uma hecatombe nas massas desassistidas, transformando-as, promovendo o que o PT e outras forças de esquerda fizeram no passado, uma extraordinária onda de politização, porém, de modo oposto, ou seja, uma politização de direita e extrema direita.

Desde a eleição de Bolsonaro os pleitos eleitorais começaram a mostrar esse perigoso cenário, o crescimento assustador de partidos conservadores ocupando os espaços de poder nas instâncias federais, estaduais e municipais. Criminalizar, demonizar tudo que se enquadra aos ditames ditos de esquerda, isto é, a defesa da educação pública, a diversidade de gênero, a igualdade social, o meio ambiente, o socialismo, o comunismo, tomou pulso e apoio incondicional de todas as vertentes conservadoras da sociedade.

Isso é notório, é inquestionável, o brasileiro adquiriu sim, consciência política, mas consciência de direita. Ser de direita é ser bom, correto, de deus. Ser de esquerda é ser mau, ser ateu, comunista. Hoje em dia é muito perigoso dizer que é de esquerda, pode ser vaiado ou até mesmo sofrer algum tipo de violência física. A realidade é que quem pensa diferente que se opõe ao establishment conservador está prezo a um labirinto, sem saída.

É quase certo que durante realização de um culto religioso ou evento político de partidos conservadores, qualquer um que se manifestar afirmando que é de direita será certamente aplaudido, ovacionado de pé, não é mesmo? Imaginem pobre de direita!!! Para essas pessoas é digno passar fome, porém ter posição política de direita, extrema direita. Esse comportamento de direita, não está se cristalizando nos bancos das escolas, mas por meio das redes sociais, grupos de WhatsApp, por exemplo. De repente, todo mundo se sente apto em lançar opiniões de tudo, recebendo e compartilhando informações sem prestar atenção nas fontes. Enquanto a esquerda entrega um pãozinho em forma de benefícios sociais, a direita entrega fantasia do neoliberalismo, entrega circo, igreja – o coach, a exemplo de Pablo Marçal.

Prof. Jairo Cesa   

 

 

                            

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

 

BREVE RADIOGRAFIA DOS PLEITOS ELEITORAIS MUNICIPAIS DO DIA 06 DE OUTUBRO DE 2024: O QUE ESPERAR PARA 2026?

Como um estudioso da história social de Araranguá, nas investigações que venho realizando há mais de vinte anos acerca dos desdobramentos eleitorais não identifiquei um pleito eleitoral, pós redemocratização, em que um candidato ao executivo tenha tido mais de 83% dos votos válidos nas urnas. Esse foi o percentual alcançado pelo candidato do MDB, em Araranguá, no dia 06 de outubro de 2024, que costurou uma aliança com o PSD, REPUBLICANOS, UNIÃO BRASIL, PSDB, PDT, CIDADANIA. O resultado acachapante para o executivo refletiu diretamente aos eleitos para o legislativo, sendo que das quinze cadeiras disponíveis na câmara, treze delas serão ocupadas por vereadores que integram essa aliança.

É claro que o MDB tem um longo histórico de participação e gestão administrativa em Araranguá. Durante o regime militar assumiu uma aparente posição de força de resistência ao regime autoritário. Embora tenha participado de vários pleitos ao executivo e ao legislativo durante os vinte anos de ditadura, nesse intervalo de tempo, as únicas vitórias obtidas foram para o legislativo elegendo um ou dois vereadores e nada mais. Foi, portanto, em 1982, com a redemocratização, o maior triunfo do MDB quando conquistou, pelo voto, o posto máximo do executivo municipal. A segunda e última conquista, até a chegada de Cesar Cesa ao poder, foi em 1996.

Porém, tanto na eleição de 1982, quanto na de 1996, ambas as disputas sempre foram acirradas, pois nesses pleitos o PDS, que depois virou PPB e atualmente é o PP era o partido que rivalizava ao MDB. Com o passar do tempo os partidos tradicionais foram se dissolvendo, dando lugar a outras nominatas, porém, muitas das agremiações surgidas pouco ou nada se diferenciavam das suas matrizes partidárias de ideologias conservadores.  O PT, no entanto, nascido no ceio das classes trabalhadoras no final do regime militar se caracterizou como uma força alternativa ao mandonismo autoritário das elites burguesas.

No município de Araranguá sua existência data do início da década de 1980 a partir de lideranças advindas dos movimentos sociais, associações de bairros, sindicados e da igreja católica. Em 2012 o partido obteve a proeza de eleger o seu prefeito, também por meio de uma aliança com partidos de centro e centro esquerda: PRB, PDT, PTB, DEM, PHS E PSB.  No legislativo a primeira eleição vitoriosa do PT ocorreu em 1996 conquistando duas cadeiras. Na eleição de 2012, Sandro Maciel, do PT, conquistou o posto de prefeito vencendo o candidato do MDB, Cesar Cesa, por 13.565 votos, contra 12.935.  A boa soma de votos também garantiu ao PT três cadeiras no legislativo, Banha, Eduardo Merêncio e Professor Jordão. Desde então, o partido vinha ocupando uma das cadeiras da câmara a cada pleito, cuja rotina cessou em 06 de outubro de 2024 quando não elegeu nenhum vereador.

O que se questiona é o motivo pelo qual o partido dos trabalhadores tem se desidratado tanto nos últimos tempos, mesmo tendo no assento do executivo federal um governo petista que concedeu tantos benefícios sociais às populações carentes? Claro que tais políticas assistenciais não estão sendo suficientes para retirar o país de um cenário de desigualdade social extrema. É sabido que tal patologia social não deve ser creditado somente no executivo, o legislativo federal tem enorme responsabilidade nos malefícios que assolam a vida de milhões de brasileiros.

A ascensão de forças políticas extremistas que apregoam concepções ideológicas fascistas vem recebendo forte simpatia de setores da burguesia e de estratos sociais vinculados ao neopetencostalismo religioso. Um congresso dominado por partidos que rezam a cartilha do neoliberalismo, do entreguismo e pautas moralistas, tende a resultar no episódio de 09 de janeiro de 2023, quando hordas de arruaceiros invadiram a sede dos três poderes em Brasília depredando tudo que havia pela frente.

A formalização de um congresso, câmara e senado, ultraconservador nas eleições presidenciais de 2022 transformou os gabinetes dos parlamentares em Brasília em uma espécie de puxadinho das câmaras e executivos municipais. São centenas de vereadores e prefeitos que para se deslocam periodicamente para a sede dos três poderes na ânsia de abocanhar fatias dos recursos do orçamento, emendas parlamentares, entre outras modalidades, para financiar obras nos seus municípios. Sem dúvida o orçamento secreto que abocanhou bilhões de reais de recursos públicos, deve ter auxiliado a reeleição de milhares de prefeitos, vereadores, na sua expressiva maioria filiados em partidos que integram o centrão.

Além dos recursos oriundos das emendas parlamentares que azeitaram as instancias administrativas locais, a participação das forças econômicas de plantão também foi decisiva na nova configuração dos parlamentos municipais. Em uma sociedade altamente despolitizada e economicamente carente onde muitas famílias sobrevivem dos parcos recursos do bolsa família, a presença de um político oferecendo um, dois, três mil reais por um par de votos tende a ser uma proposta extremamente tentadora, não é mesmo?

Há indícios revelando que em municípios da Amesc, grupos empresariais gastaram milhares de reais no último pleito eleitoral. São praticas viciadas ainda arraigadas na cultura dos municípios que historicamente foram dominados por oligarquias. É o toma lá dá cá. A fragilização das estruturas públicas como da educação tende a servir para arregimentar exércitos de cidadãos à marginalidade. Situação que faz desacreditar da escola como um importante campo de ascensão social. São indivíduos, adolescentes e jovens, marginalizados, que se transformam em  presas fáceis das máfias do crime e de lideres religiosos espertalhões que apregoam prosperidade em troca do dízimo.

Diante do atual cenário social, tem-se a sensação de que quem ousar pensar ou agir “fora da caixinha”, atribuição entendida como de um anormal, de um não alinhado à ordem da maioria, tende a ser criminalizado, taxado de subversivo, até mesmo de comunista, como se comunista fosse uma doença, uma perversão. Os regimes nazistas, fascistas ascenderam a partir dessas premissas consensuais, de acreditar em figuras míticas, da rejeição aos diferentes, da supressão dos obstáculos ao progresso sem limites. O cenário pós eleição nos municípios da AMESC e AMREC demonstrou que estamos diante de um regime de consenso político partidário perigoso.

Na AMREC, que congrega doze municípios, quatro partidos se sagraram vitoriosos na eleição dos seus prefeitos.  Primeiro foi o PP, com cinco prefeituras; o segundo, o PSD, com quatro; o terceiro, o MDB, com duas e por último, o PL, com uma prefeitura. Já os municípios da AMESC, a radiografia eleitoral foi muito parecida a da AMREC. O PP, também foi o partido hegemônico, com seis prefeituras; vindo em seguida, o MDB, com quatro; o PSDB, com 2; o PL, com duas e o PSD, com uma prefeitura apenas. O que se notou nessas duas regiões do sul do estado é aquilo que já foi observado em outros pleitos, principalmente para presidente da república, a espantosa ascensão do conservadorismo, cada vez mais se enraizando no tecido social.

Se tivéssemos uma sociedade com a mínima compreensão de toda a arquitetura político partidária do país seria muito difícil muitas agremiações políticas galgarem algum sucesso eleitoral. A resposta ao insucesso se deve ao papel que exerceram e exercem nos debates e votações de projetos de interesse dos trabalhadores. Reforma trabalhista, previdenciária, educacional, etc, com raras exceções, os parlamentares dos partidos vitoriosos nos pleitos locais votaram pela retirada de direitos, tornando a vida das pessoas mais difíceis. A radiografia das eleições para o legislativo nos municípios dessas duas regiões também foi similar ao executivo, prevalecendo majoritariamente os partidos acima destacados. As únicas exceções foram os municípios de Criciúma e Cocal do Sul, que elegeram dois vereadores fora desse espectro conservador. Giovana Mondardo, filiada ao PCdoB, que obteve 3.481 votos e Célio Elias, do PT, que conquistou 561 votos.

Fazendo uma projeção mais geral sobre como foi o processo eleitoral, quais os partidos campeões em cadeiras nos legislativos dos mais de cinco mil municípios, o que se comprovou foi a hegemonia de agremiações partidárias tradicionais como o PP e o MDB, ambos liderando os assentos de milhares de prefeituras, totalizando 14.978 cadeiras. Na sequência, em ordem decrescente: o PSD, com 6.579 assentos; UNIÃO BRASIL, 5.437; PL, 4.929; REPUBLICANOS, com 4.616; PSB, com 3.557; PT, COM 3.118; PSDB, 2.975; PDT, 2.479; PODEMOS, 2.314; AVANTE, 1.513; PRD, 1.400; SOLIDARIEDADE, 1.244; PV, 487; CIDADANIA, 431; MOBILIZA, 357; PCdoB, 354; AGIR, 292; NOVO, 259; DC, 251; REDE, 171; PMB, 107; PRTB, 96; PSOL, 80.

Claro que a configuração desses partidos em âmbito local se distingue enormemente em escala federal. Muitas das agremiações que deram sustentação ao governo de Bolsonaro, que comungam com as ideias de estado mínimo, estão hoje ocupando espaços no primeiro escalão do governo lula, como o MDB, o PP, PSD, UNIÃO BRASIL, REPUBLICANOS. No congresso nacional muitos parlamentares vinculados e esses partidos votam demandas contrarias ao próprio governo, no entanto estão ocupando ministérios relevantes com objetivo de assegurar a governabilidade do atual presidente.

É importante aqui realçar que o resultado eleitoral dos municípios é possível vislumbrar um prognóstico para 2026 quando teremos eleições para presidente da república.  Embora o PT tenha tido crescimento em número de prefeituras no país em comparação a eleição de 2020, quase 17%, expressiva parcela delas são municípios pequenos com pouca expressividade no cenário político nacional. Das 27 capitais, o partido dos trabalhadores vai disputar o segundo turno em quatro delas: Cuiabá, Fortaleza, Natal e Porto Alegre, além de 9 cidades com mais de 200 mil habitantes: Anápolis (GO); Camaçari (BA); Caucaia (CE); Diadema (SP); Mauá (SP); Olinda (PE); Pelotas (RS); Santa Maria (RS) e Sumaré (SP).

A ascensão do PL, partido  do ex-presidente Bolsonaro, em muitos municípios do nordeste e norte dos pais, pode criar certo ceticismo da esquerda brasileira, o PT, por exemplo, à reeleição do presidente Lula. Claro que não se podem fazer comparações entre pleitos eleitorais municipais e o federal. Muitos dos que votaram em um candidato do PL, PSD, MDB, etc., para prefeito ou vereador, votariam no Lula em uma eleição para presidente? Aguardemos os resultados das urnas no segundo turno, em São Paulo, com Guilherme Boulos, do PSol, que disputará contra Ricardo Nunes, MDB e outras quatro capitais, cujo PT medirá forças com seus oponentes. O mapa eleitoral definitivo depois do dia 27 de outubro ajudará num prognóstico mais assertivo para 2026.

Prof. Jairo Cesa