POLÊMICA SOBRE A REFORMA QUE DESCARACTERIZARÁ A FACHADA DA IGREJA MATRIZ/SANTUÁRIO NOSSA SENHORA MÃE DOS HOMENS
Há
poucos dias os cidadãos do município de Araranguá foram surpreendidos com a
notícia de que a fachada da quase centenária igreja católica Nossa Senhora Mãe
dos Homens passaria por reformas, trocando a atual por outra, cujo argumento
dos seus idealizadores era pelo fato de ser mais moderna, compatível com a
filosofia do santuário. A notícia correu como um rastilho de pólvora,
provocando apreensão, indignação e revolta para expressiva parcela da população
que acredita que tal proposta descaracterizante impactará a memória, a cultura,
bem como a fé dos araranguaenses.
Historicamente
no Brasil são poucas as cidades cujos povoados não surgiram no entorno de uma
pequena igreja, edificada em um local estratégico, geralmente num ponto mais
elevado. Araranguá serve de exemplo, cuja primeira edificação foi erguida na
antiga comunidade de canjicas, hoje Hercílio luz, início do século XIX, tendo
como padroeiro São Bom Jesus da Colina. Em meados do século XIX, portanto, com
a edificação de uma minúscula igreja de madeira nas proximidades do rio
Araranguá, hoje Praça Hercílio Luz, o povoado Capão da Espera começou a crescer,
com residências e demais edificações públicas instaladas ao redor da referida
igrejinha.
A
população foi aumentando significativamente, em 1848 o povoado foi elevado na
condição de distrito de Laguna, tendo agora como padroeira Nossa Senhora Mãe
dos Homens. Por ser muito pequeno o imóvel católico e não comportar a imagem da
santa, tratativas para a construção de uma nova igreja, maior que a primeira,
foram articuladas pelos munícipes devotos. Finalmente bem no começo do século
XX, entre 1891 e 1892, uma nova edificação com traços arquitetônicos singelos
foi construída na qual comportaria no seu interior a padroeira e os fieis
católicos do já município, emancipado em 1880.
Foi
na década de 1950 que a atual igreja, hoje santuário Nossa Senhora Mãe dos
Homens foi erguida. Com sua arquitetura estonteante sua enorme torre pode ser
vista de todos os pontos da cidade e também de quem transita pela Br.101. Além da
extraordinária veneração devido as graças concedidas sob a intersecção da
santa, o espaço arquitetônico interno e externo também é repleto de
simbologias, sentimentos, misticismo, que vão além das fronteiras da fé. Quem
conhece um pouco de história ou que já viajou vai perceber que povos
culturalmente avançados têm seu patrimônio arquitetônico religioso e não
religioso bem preservado. E qual a razão disso? A razão se deve a memória, no
fato de as pessoas se sentirem integrados, pertencentes a um coletivo social. Ruas,
edificações, monumentos preservados, ambos guardam no inconsciente coletivo
traços importantes do passado.
Os
colonizadores europeus quando chegaram ao continente americano, final do século
XV e começo do XVI, sabiam muito bem como dominar a população nativa local. A
estratégia foi destruir tudo que se referia a cultura, a memória do povo.
Templos e demais símbolos religiosos, afrescos ricamente desenhados esculpidos,
foram os principais alvos dos invasores, pois tinha certeza que destruindo todos
os elementos míticos culturais ambos ficariam fragilizados pela falta de
referências simbólicas.
Já
observaram que quanto mais preservada é a história, a cultura de uma cidade,
município, a população se mostra mais empoderada, pois consegue se impor aos
ditames autoritários de elites sanguessugas, predadoras. Isso não acontece somente
no espaço temporal, no espiritual também é perceptível. Quem visita ou visitou
cidades mineiras e baianas, por exemplo, os turistas quando lá chegam uma das
primeiras incursões é entrar nas igrejas centenárias e se impressionar com
tamanha beleza estética e riquezas simbólicas.
Parece
que em Araranguá, uma elite torpe inclui-se nesse grupo membros do clero, foram
contaminados pelo vírus do atraso, do retrocesso. Não há porque continuar com
tal sandice de querer mudar a fachada da igreja matriz quando se sabe que
parcela expressiva da população é contrária. O autoritarismo que sempre
perpassou nos meandros dos segmentos civis por gerações tem também suas raízes
incrustadas no território religioso. Os argumentos de que a cúria e demais setores
hierarquizados da igreja têm o poder de decisão sobre espaços por ela
administrado são inconsistentes.
Padres,
bispos, papas, todos que compõem a hierarquia de um complexo sistema clerical,
são membros não permanentes, ou seja, ficam um tempo em suas funções pastorais
e, de repente, são substituídos por outros. Acontece que os espaços onde atuam:
capelas, paróquias, basílicas, santuários, ambos são permanentes, compondo o
complexo conjunto arquitetônico de um espaço, que se transformam com o tempo em
uma espécie de osmose, trocas de energias com seus moradores. Essa energia é
mais contagiante entre os fiéis, que tem a imagem do objeto, nesse caso a
igreja, seus traços artísticos e arquitetônicos como algo intrínseco ao seu
corpo, a sua alma.
Mais
uma vez reitero minha revolta, indignação à tamanha barbaridade que querem
cometer contra um dos nossos principais símbolos da memória dos araranguaenses.
Portanto, venho aqui reiterar que haja profunda discussão futura sobre esses
temas com os poderes locais constituídos. Deixar claro que a tentativa de
descaracterização não acontece somente como o referido símbolo sagrado dos
munícipes, outros espaços também sofreram o mesmo processo de apagamento da
memória. Muitos devem lembrar-se do polêmico processo de abertura de Rua no
Morro Azul, uns dos símbolos paisagísticos do município que foi totalmente
descaracterizado. Os sítios
arqueológicos, no Morro dos Conventos, com datações de quatro a cinco mil anos
de história também estão à deriva do vandalismo, sem qualquer perspectiva de
alguma ação do poder público para a sua proteção.
Por
ser ano eleitoral, a sugestão é que tais assuntos componham o arcabouço de
proposições dos/as candidatos/as que concorrerão às vagas do legislativo
municipal e do executivo. A cultura de valorização, proteção dos nossos bens
históricos materiais e imateriais deve ser disseminada entre todos, pois só
assim teremos mais certezas que as próximas gerações desfrutarão daquilo que
foi construído pelos nossos antepassados. Quanto mais preservada a arquitetura,
a memória, a história temporal e espiritual de um município, mais fortalecidos
serão os laços de pertencimento de seus moradores. Arquitetura, cultura,
história preservada, auxiliam na construção de cidadãos mais críticos, resistentes
as manipulações de políticos, imprensa e membros do clero.
Falando em manipulação, se observarmos o folder de divulgação da festa da padroeira, em 04 de maio, notaremos, claro que nem todos, um implícito instrumento de manipulação. Na capa do folder, está escrito o seguinte lema “Com Maria, Edificamos a Casa do Senhor. Bem embaixo, no canto esquerdo do papel, em tamanho reduzido, está a imagem frontal da igreja, não da atual, mas da seguinte, toda modificada. Se perguntarmos para os fieis, devotos da santa, o que entendem sobre “edificar a casa do senhor”, raros/as serão aqueles/as que de pronto perceberão que a mensagem faz referência à nova edificação/mudança da fachada. Eu mesmo tive dificuldades de perceber essa sutil manobra.
Prof. Jairo Cesa
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