O CONTEXTO HISTÓRICO E OS DESDOBRAMENTOS DOS CONFLITOS NA REGIÃO DO
ORIENTE MÉDIO
Para compreender os desdobramentos que
resultaram no surgimento do Estado Islâmico, reconhecido por muitos como um
movimento de caráter religioso que visa apregoar uma espécie de “guerra santa”-
versão contemporânea - fundamentada na expansão e difusão de valores religiosos
tradicionais oriundos do Alcorão, convém fazer algumas observações importantes
desse intricado processo. Em primeiro plano, o movimento Estado Islâmico deve
ser interpretado como uma vertente do islamismo, o Jihadismo, cujos integrantes
justificam seus atos interpretando ao pé da letra trechos do livro sagrado dos
muçulmanos. Depois da morte do fundador do islamismo, o profeta Maomé em 632, a
região hoje compreendida o oriente médio passou por disputas acirradas para
escolher o sucessor. Duas correntes majoritárias disputaram o posto de
liderança, os Sunitas e os Xiitas.
Com base nas interpretações do Alcorão,
os sunitas se constituíam como grupo majoritário predominante entre as nações
árabes, exceto o Irã, cuja população é de maioria Xiita. Enquanto no ocidente
os atuais regimes de governos são guiados por constituições laicas, ou seja,
sem aparente interferência ou influência de credos religiosos, nos países
muçulmanos, alguns mais outros menos, a presença da “Charia”, princípios
religiosos do alcorão estão inseridos na própria constituição de muitos estados
árabes.
Dentre os países conhecidos que seguem
com mais fidelidade os desígnios da Charia está à Arábia Saudita cujas mulheres
são proibidas de dirigir automóveis, além, é claro, a obrigação do uso de
vestimentas que cobrem o corpo inteiro. O Irã também compartilha desses
valores, que se tornaram mais presentes no cotidiano da população do país a
partir de 1976 quando o país promoveu sua Revolução Cultural, ou seja, um
regime de governo guiado pelos Aiatolás, na época o principal líder era Aiatolá
Komeyne.
Durante séculos, a região do oriente
médio onde vem sendo travado os maiores conflitos do planeta sempre se constituíram
como territórios de interesses e disputas por nações ou impérios ocidentais.
Primeiro por ter sido passagem obrigatória das caravanas medievais
transportando especiarias do sudeste asiático, China, Índia..., para ser
comercializado na Europa. Os romanos, os venezianos, genoveses, alemães,
espanhóis, portugueses, entre outros, se transformaram em grandes potências no
passado através do fabuloso comércio com as índias orientais. Segundo motivo
dos conflitos, é por concentrar na região uma das maiores reservas de petróleo
do planeta, produto altamente cobiçado pelos países industrializados.
E os domínios modernos e contemporâneos
sobre a região e a submissão de diferentes etnias às condições de escravidão
não cessaram. Os Turcos Otomanos tiveram participação decisiva na modelagem do
território no final do século XIX, loteando a região segundo seus interesses.
Também foi graças a ocupação Otomana a região de Constantinopla, atual Turquia,
na metade do século XIV, que Espanha e Portugal aventuraram-se pelo oceano
atlântico “descobrindo” uma nova rota para as índias contornando à África.
Durante a Primeira Guerra Mundial, nações árabes se uniram aos franceses e
ingleses na tentativa de expulsar os Turcos dos territórios ocupados e
recuperarem a autonomia política e administrativa.
Porém, não acreditaram quando
perceberam que ingleses e franceses tinham selado acordo “retalhando” o
território segundo seus interesses. Essa atitude resultou em indignação e
revolta das comunidades árabes contra as respectivas nações denunciando-as como
traidoras. Entretanto, não bastando a traição francesa e inglesa pós-primeira
guerra, os árabes mais uma vez são insultados quando em 1948 a ONU oficializou
a criação do Estado de Israel em solo historicamente habitado por cidadãos
palestinos muçulmanos e cristãos. Essa decisão de criação de Israel, país que
mantém fortes relações diplomáticas com o ocidente (EUA), gerou revolta tanto
dos palestinos, como dos Egípcios, Jordanianos, Salditas, etc. A presença israelense na região se tornaria
um pretexto para que os Estados Unidos mantivesse seu poder de influência sobre
as nações produtoras de petróleo e frear o poder de persuasão da maior potência
Xiita, o Irã.
No final do século XX a região do
oriente médio sofreu uma das maiores investidas ocidentais quando em 1991
tropas coordenadas pelos Estados Unidos invadiram o Kuwait sob o domínio de
Saddam Hussein. Bilhões de dólares gastos, Milhares de mortos e terra arrasada
foram os resultados dessa investida. No entanto, não acabou por aí o desejo de
domínio. O objetivo, portanto, dos governos ocidentais, via OTAN, era dissolver
as ditaduras na região e instituir regimes moderados com governos respaldados
pelo ocidente.
No começo do século XXI novamente
tropas pró-ocidente bombardearam o Afeganistão derrubando o regime Taliban.
Nessa sequência o Iraque de Saddam Hussein foi atacado, o ditador destituído do
poder, preso e morto, sob a alegação de que estava produzindo armas químicas de
destruição em massa. Nas inspeções feitas depois da ocupação americana por
entidades independentes jamais foi encontrado qualquer indício que comprovasse
a existência de laboratórios para produção desses artefatos.
Reagindo a tais investidas ou
influências ocidentais, a região se tornou palco para o surgimento de
agrupamentos fundamentalistas islâmicos que passam a adotar ações militares
justificados por preceitos religiosos. Entre os grupos que surgiam, os
destaques são o Hamas, Hesbollah,
Brigadas dos Mártires de Al Aqse, o Jihad Slâmico, etc. Em reação a brutal
ofensiva ocidental no oriente médio, a resposta foi brutal com o ataque as
torres gêmeas do World Traid Center, nos EUA, em 2011, cuja ação foi atribuída
a responsabilidade a Osama Bin Laden, principal integrante e mentor intelectual
da Al Qaeda, morto em uma emboscada no Afeganistão.
A ocupação americana no Iraque para
assegurar um governo sob sua tutela resultou em violenta guerra civil com
milhares de mortos especialmente de soldados das forças aliadas. Países como a
Síria, sentindo-se ameaçada diante da presença ocidental em áreas governadas
por regimes ditatoriais como o Iraque, decidiu pela libertação de milhares de
prisioneiros Jihadistas em prisões sírias, com intuito de que seguissem para o
Iraque e enfrentassem os invasores. A intenção do avanço rebelde pró-sírio era
provocar o caos forçando a debandada americana do território. Tanto para o
governo Sírio como para o antigo regime Saddam a persistência em manter regimes
ditatoriais serviria para neutralizar a germinação de grupos extremistas
interessados na derrocada desses governos.
No início da invasão ao Iraque líderes
sunitas receberam com certo alento a Al Qaeda, pois se sentiam libertados do
poder sanguinário de Saddam Hussein. No entanto, não foi necessário muito tempo
para perceberem que seus poderes locais, embora ainda limitados, estavam
ameaçados pelo grupo. O comportamento tirano de integrantes da Al Qaeda contra
sunitas, antes seus simpatizantes, rompeu, aliando-se aos americanos onde
criaram o movimento “Despertar Sunita”.
Com o recrutamento de soldados iraquianos nas fileiras do exército mediante
pagamento em dólares, os sunitas finalmente derrotaram a Al Qaeda da Região do
Iraque.
Nesse sentido a derrota desse grupo
rebelde representou a derrota política do próprio presidente Sírio na região
inviabilizando qualquer possibilidade de movimento de pacificação ou
democratização dessas nações. Com o retorno dos Jihadistas derrotados no Iraque
à Síria, milhares deles foram novamente presos. Isso se manteve até 2011 quando
focos de manifestação no norte do país, pró Síria Livre ameaçava o poder de
Bashar AL Assad.
A libertação dos radicais Jihadistas
teria como estratégia combater os grupos rebeldes opositores ao governo Sírio.
Paralelo aos episódios no norte da síria se espalhava pelo norte da África os
movimentos defendendo o fim das ditaduras batizadas de Primavera Árabe. Eram
Regimes há décadas controlados por ditaduras como na Líbia de Muamar Kadafi, no
Egito de Hosni Mubarak, entre outras como na Tunísia de Zine Abidine Bem Ali, que
ruíram. Mesmo com o fim dos regimes despóticos, as condições de sobrevivência da
população civil pouco alteraram, pelo fato de terem se intensificado os
conflitos pelo controle do poder.
Para entender os atuais desdobramentos
do conflito que se espalha pelo oriente médio trazendo terror e desespero entre
civis provocando verdadeiros êxodos em direção ao ocidente, é necessário
compreender a diferença entre dois movimentos importantes na região que estão
no epicentro do processo, a Al Qaeda e o Exército Islâmico. O primeiro teve sua
origem no final da década de 1990 cujo fundador foi Osama Bin Laden.
Foi apenas entre 1991 a 1996 que o
movimento se transformou em uma organização com fins políticos mais claros e
que resultaram nas inúmeras ações terroristas contra alvos ocidentais pró
Estados Unidos. Entre os objetivos da organização, está a unificação dos
muçulmanos e a promoção de uma “guerra santa” contra alvos americanos e
israelenses, bem como a criação de uma grande nação islâmica. A Al Qaeda não
admitia a forte influência ocidental nos países islâmicos ocidentalizados como
a Arábia Saldita. Era necessário, portanto, destruir todas as nações que
mantinham certos vínculos econômicos e culturais com o ocidente.
Quanto ao Exército Islâmico, sua origem
é mais recente, em 2013, considerado um braço da Al Qaeda no Iraque. Com a
oficialização do movimento, houve a tentativa de fundir com a Frente Al Nosra,
na Síria e estabelecer o EIIL (Estado Islâmico do Iraque e Levante), tentativa
que não surtiu resultado. Os dois grupos começaram a atuar separadamente ao
ponto de se confrontarem, cujo primeiro desafeto ocorreu em janeiro de 2014 por
disputas de poder e espaço na região.
Os objetivos do Estado Islâmico são
mais ousados dos que pretendiam Bin Laden. Convergiam dos mesmos propósitos
quanto ao combate da cultura ocidental na região. A ousadia do seu líder Abu
Bakr Al-Bagjdadi, que se dizia sucessor de Maomé era a criação de um “Califado”
cujas fronteiras seriam estabelecidas como no princípio do islamismo, ou seja,
deixariam de valer as atuais divisas territoriais criadas no final da primeira
guerra mundial. Países como Jordânia, Território Palestina, Líbano, Israel,
região do Iraque, entre outras, estariam nas pretensões do líder como áreas
pretendidas para expandir as fronteiras.
O que se sabe é que o movimento Estado
Islâmico, seus exércitos são financiados por famílias poderosíssimas do Catar,
Arábia Saudita entre outras nações. A propósito, o que se pretende também esse
movimento Jihadista é tentar frear a forte influência da potencia Xiita na
região, o Irã, uma ameaça as monarquias sunitas. A Turquia, portanto, rompe com
o governo Sírio e passa prestar apoio aos líderes do Estado Islâmico. Outro
dado importante é que grande parte dos combates foram treinados na Jordânia por
monitores americanos. Aprenderam técnicas de guerra que hoje estão sendo
utilizados contra seus opositores. A propaganda, através do uso de ferramentas
da mídia, como a internet e as redes sociais, são táticas muito bem aplicadas
para persuadir ou conquistar adeptos.
Nos domínios de novos territórios, seus
alvos são os símbolos dos quais consideram como profanos, os monumentos
históricos construídos há quatro ou cinco mil anos. São perdas irreparáveis
para a história e memória de civilizações que muito influenciaram as culturas
ocidentais. A população, como os curdos que vivem em áreas da Síria e Iraque e
qualquer um que se recuse a integrar ao grupo, para não serem executados,
abandonam rapidamente suas casas, atravessando fronteiras, por terra e por mar
e se refugiando na Europa. Infiltrado entre os milhares de migrantes que
chegaram a Europa sem qualquer controle nas fronteiras, estão terroristas
Jihadistas, possivelmente integrantes que articularam os atentados terroristas
como o ocorrido em Paris recentemente.
Acredita-se que o Exército Islâmico
atualmente possua um patrimônio orçado em dois bilhões de dólares, além de
bancos, armas sofisticadas e um exército constituído de 20 a 80 mil
combatentes. Os bilhões de dólares nas mãos de integrantes do Exército Islâmico
são frutos de saques e espoliações ocorridos nos territórios invadidos, bem
como o controle sob a forma de seqüestro os poços e as refinarias de petróleo
cujo principal comprador é a Turquia.
A ação dos Estados Unidos em querer
derrubarem a todo custo o regime de Bashar AL Assad, atitude essa até o momento
rechaçado pelo presidente Vladimir Putin, da Rússia, tem por objetivo
conquistar base naval militar de Tartus, único acesso Russo as águas
mediterrâneas que ainda pertence à Síria. Convém salientar que essa base foi
cedida à Rússia em 1971 pelo pai de Bashar Al Assed, Hafez Al Assad. A
expectativa ou receio russo é que caindo o governo Sírio, as portas estariam
abertas para o ataque ao regime Irã, que na sequência o alvo seria as ex-repúblicas
soviéticas. Atuar sobre a região adotando estratégias diplomáticas como, por
exemplo, uma saída política na Síria que resultasse na substituição do governo
Assad por outro sem causar ruptura ao regime, garantiria a Rússia um domínio
político sobre a região rememorando a época soviética.
Prof. Jairo Cezar
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