As
armadilhas ocultadas nas metas e estratégias do Plano Nacional
e Estadual de Educação
Se
nos últimos trinta anos os investimentos em infraestrutura e qualificação
profissional na rede pública estadual de ensino de Santa Catarina beiraram o
ridículo, seria plausível agora acreditar que em dez anos de vigência do plano irá
reverter o quadro caótico das escolas, equipá-las, qualificar e assegurar um
plano de carreira descente que restabelecesse a dignidade dos profissionais em
educação. As chances para evitar que a escola pública mantenha-se sob o domínio
das tradicionais e débeis forças políticas regionais e municipais serão menores
no instante que professores/as, pais, mães, bem como a sociedade, num todo,
tiverem compreensão clara das inúmeras armadilhas embutidas no plano aprovado pela
ALESC no último dia 16 de junho de 2015.
Dentre
as propostas que procuram dar justo polimento de democracia às escolas é o incremento
à participação da comunidade no acompanhamento das atividades escolares, realçando
os conselhos deliberativos, os pais, as mães e responsáveis. O que se aponta
nas escolas é a presença ainda discreta desses seguimentos, sendo mais corrente
nas reuniões para discutir assuntos administrativos e entregas de boletins. Participar
de diálogos tencionando a construção co-participativa do projeto político
pedagógico da escola, entre outras atividades curriculares e extracurriculares,
continua sendo uma utopia ainda distante.
A proposta de fortalecimento dos conselhos
deliberativos escolares, portando, nada mais é que transformá-los em agentes
fiscalizadores quanto ao cumprimento das metas estratégias, bem como conferir a
execução dos exames pré-prontos das escolas. São indicadores nacionais classificatórios
via IDEB, que darão mostras individuais do grau de “eficiência” e “competência”
de cada estudante e unidade de ensino resultando no repasse de recursos através
do PDDE, sistema que está atrelado ao cumprimento das metas e da elevação do
nível das notas das escolas.
Diante
disso não caberá aos Gestores Escolares, APPs e muito menos aos Conselhos
Escolares julgarem as metas e os instrumentos de avaliação. Se o sistema
avaliativo se constitui agora indistinto, igual para cada escola, não há porque
dispor tanto tempo e esforços na construção e discussão dos PPPs, isso porque o
conjunto de saberes, valores culturais, morais, aspectos ambientais, intrínsecos
a cada escola, comunidade, município, perdem importância frente aos mecanismos
verticalizados de avaliação, que considerará apenas aspectos quantitativos,
números, índices. São instrumentos discriminatórios, de forte concepção darwinista,
na qual privilegiarão escolas e grupos sociais mais afortunados economicamente,
em detrimento das e dos demais agrupamentos, penalizados pelas políticas de
exclusão. A tendência é sucumbir-se de forma “natural”.
O
plano faz menção em munir todas as escolas estaduais com equipamentos,
laboratórios, bibliotecas informatizadas e virtuais, bem como de profissionais
especializados e a promoção de políticas de regime de colaboração. Admite-se
que quanto a esse item o que se propõe é fomentar parcerias público/privadas
para a aquisição sob a forma de doações de livros e demais equipamentos para
estimular a aprendizagem. Quanto ao processo de estímulo à leitura, o plano,
com bases nas diretrizes do Plano Nacional do Livro, propõe políticas de
formação de leitores, capacitação de professores, bibliotecários e agentes de
comunidade para atuarem como mediadores da leitura.
Hoje
em dia, as bibliotecas das escolas da rede pública estadual, aquelas que não se
transformaram ainda em depósitos, são monitoradas geralmente por um professor
readaptado ou estudantes disponíveis em um dos turnos. Na sua grande maioria são espaços minúsculos,
insalubres, com acervos literários ultrapassados, danificados por goteiras e
insetos. A proposta de adequar arquitetonicamente às escolas estaduais com quadras
poliesportivas, laboratórios de informática, atividades culturais, auditórios,
produção de material didático, etc. De início a idéia é garantir esse modelo às
comunidades pobres, oferecendo em seguida aos demais seguimentos.
É um
tanto quanto ridículo e até certo ponto demagógicas propostas de estabelecimentos
de ensino com tais características quando se tem dados de inspeções realizadas
que comprovam o quadro depredatório dos estabelecimentos de ensino. Conforme
opinião de um dos coordenadores da vigilância sanitária da região de Araranguá,
disse que no cumprimento integral dos dispositivos do decreto referente a
inspeção sanitária, apenas uma ou duas escolas teriam direito aos alvarás para
funcionamento. Outro aspecto preocupante que deve ser mencionado é quanto aos
prédios escolares de ensino integral, já “concluído” há algum tempo, com custos
orçados em mais de dez milhões de reais, como nos municípios de Timbé do Sul e
Turvo, ambos abandonados, atacados por vândalos e já apresentando defeitos de
engenharia como rachaduras e goteiras.
Quando
o plano estabelece a universalização de Internet de banda larga de alta
velocidade, nos próximos cinco anos, quem acompanha o dia a dia das escolas
públicas sabe que a proposta soa certo deboche. Isso porque não há uma escola
cujos computadores disponíveis estejam funcionando adequadamente. Exceto a
escola em que o técnico de informática de maneira habilidosa consegue promover
milagres transplantando peças de aparelhos danificados para outros, uma
estratégia comparável a obra literária que resultou no filme Frankenstein.
Prometer
internet de banda larga em escolas que apresentam goteiras, forro caindo,
rachaduras nas paredes, sem bibliotecas, sem quadras esportivas, entre outras carências,
é ofensivo. O que dizer dos diários online, medida impositiva do governo às
escolas que nem internet possui, quando tem, o sinal é tão baixo que mal se
consegue enviar um e.mail. Não se pode cair no equívoco acreditando que a
resistência dos profissionais em educação no não preenchimento dos diários seja
por questões meramente políticas. Nada disso, ninguém se opõe a essas
tecnologias, o que se quer é que se tenham equipamentos de qualidade que
proporcione agilidade no processo.
Embora
as crises cíclicas da economia global estejam comprometendo a qualidade dos
serviços públicos oferecidos por países com históricos de eficiência na
educação, o que se percebe, mesmo assim, são mobilizações gigantes de pessoas
saindo às ruas pressionando governantes para assegurar tais direitos. No
Brasil, Santa Catarina em especial, não se viu e não se vê tal mobilização da
população, exceto dos/as próprios/as professores/as, como nas tantas e longas
greves da rede estadual. A última paralisação do magistério, que teve duração
de 72 dias, teve como uma das bandeiras de luta a preservação de direitos dos
trabalhadores e a melhoria das condições infraestruturais das escolas. No
último artigo publicado no blog morrodosconventos-jairo.blospot.com.br, fazia
crítica acerca do fato dos pais, mães e a sociedade em geral se manterem indiferentes
ao modo como o governo vem tratando as escolas públicas, onde estudam mais da
metade da população jovem catarinense em idade escolar.
O
Plano Estadual de Educação vem respaldar o que está no texto do blog quando diz
que é necessário mobilizar e criar
espaços de participação para as famílias e setores da sociedade civil, com o
propósito de que a educação seja assumida como responsabilidade de todos e de
ampliar o controle social sobre o cumprimento das políticas educacionais. Nessa perspectiva o SINTE em parceria com as
APPs e Conselhos Deliberativos Escolares, vem realizando encontros semanais com
intuito de dialogar com esses seguimentos a complexa realidade da educação
pública e a possível realização de um Fórum Educacional Regional para elencar
as demandas e estratégias de soluções. Como uma das iniciativas tiradas em
assembléia, o Sinte está protocolando nas sedes das defesas civis, vigilâncias
sanitárias e corpo de bombeiros dos municípios da 22 Gered, ofício solicitando inspeções
em todas as unidades de ensino. Os relatórios servirão de subsídios para o
Fórum, apresentando ao público participante uma radiografia fidedigna das
condições de cada escola inspecionada.
Além
dos problemas crônicos de infraestrutura, as escolas públicas estaduais também amargam
o drama da escassez de recursos financeiros para pequenos reparos e outros
serviços essenciais necessários para o funcionamento diário dos
estabelecimentos. Todas as unidades de ensino estaduais têm direito a receber
anualmente recursos oriundos do PDDE, valor distribuído proporcionalmente ao número
de estudantes matriculados no ensino fundamental. Embora escasso os recursos
repassados às escolas, é com tais verbas e outras oriundas de campanhas
promocionais, como rifas, festas, doações, que subsidiam o funcionamento a tal
ponto, pasmem, de nenhum outro recurso extra chegar para o reparo das escolas,
reformas de telhados, forros, sistema elétrico, etc. Em muitos casos os
serviços prestados por profissionais da contabilidade também tem as despesas
pagas com tais recursos.
Na Meta 7 do plano, uma das estratégias é a transferência
direta de recursos para as escolas, garantindo a participação da comunidade no
planejamento e na sua aplicação. A
própria LDB já prevê esse modelo de descentralização, sendo jamais efetivado ou
dialogado com a comunidade escolar. Para Santa Catarina, com a perspectiva de
prevalecer o modelo de gestão ainda partidarizado, tudo leva a crer que as
escolas públicas funcionarão seguindo as regras das SDRs, com conselhos
consultivos fantoches, que quando são criados não cumprem nem mesmo com suas
responsabilidades de agentes fiscalizadores. Acredita-se que as chances são
remotas de haver reversão do quadro mendigatório e de submissão das escolas, que
permanecerão dependentes da boa vontade de voluntários, “os amigos das escolas”,
de empresas e demais seguimentos, oferecendo “gratuitamente” serviços e recursos
materiais.
Seguindo
essa diretriz, gestores, pais, conselhos escolares, entre outros envolvidos com
a educação pública, continuarão vivendo a saga diária de ter de fazer render os
parcos reais disponíveis. O seguimento
escolar público seguirá o modelo dos demais setores através da consolidação de
parcerias com o setor privado, as chamadas PPPs (Parcerias Público, Privadas). Ao mesmo tempo em que o Plano Estadual promete
triplicar as matrículas de educação profissional técnica e de nível médio, a
proposta se contrapõe aos planos curriculares das escolas não públicas que tem
como prerrogativa a “formação” de estudantes para acessarem ao ensino superior,
ocupando vagas de importantes cursos das universidades públicas. Depois de
concluído o ciclo universitário, são esses indivíduos que preencherão os
principais postos de comendo político nas esferas públicas dos três poderes e
das instâncias federal, estaduais e municipais.
O
plano deixa explícito o caráter ideológico, excludente e discriminatório de um
Estado a serviço do capital. Isso se
constata também no item que garante a oferta de bolsas para estudantes de
graduação, pós-graduação de professores/as. É dinheiro público transferido às
instituições particulares de ensino superior e formação técnica. Todos/as
aqueles/as interessados/as em seguir a carreira docente, as duas únicas
universidades públicas no estado deveriam disponibilizar vagas suficientes para
atender a demanda necessária. Não o faz, porque refletirá obviamente nos
gigantescos lucros auferidos às particulares, especialmente as que oferecem
ensino a distância.
A
gestão democrática é destaque na Meta 19 do plano. No entanto, em nenhum
momento o plano faz qualquer menção a promoção de pleitos verdadeiramente
democráticos de escolha de gestores, que tenha o envolvimento de toda a
comunidade escolar. O que o plano propõe é um simulacro de gestão democrática, com
direito a candidatar-se e concorrer à vaga de direção apenas aqueles que estejam
em conformidade com as regras do plano.
Em Santa Catarina o governo se antecipou a
aprovação do plano e sancionou em 2013, decreto autorizando a “democratização”
dos sistemas de gestão nas escolas, seguindo os parâmetros estabelecidos pela
meta. O decreto traz no seu bojo, dispositivos que de cara excluem a maioria
dos interessados, pois um dos critérios para candidatar-se é ter o número
mínimo de faltas, bem como ter participado de cursos pré-preparatórios de
gestores. Em um estado onde a cada um ou dois anos greves são decretadas e de
longa duração, cujos/as professores/as são penalizados/as com faltas
injustificadas, já se presume antecipadamente que poucas serão as escolas cujas
vagas serão ocupadas por professores grevistas.
São os futuros gestores os que serão
responsáveis pela aplicação e cumprimento dos instrumentos de controle e de meritocracia
nas unidades de ensino no qual se intensificarão os assédios morais contra os
professores obrigando a executar jornadas de trabalhos extensas e o cumprimento
de metas. Serão os/as professores/as meros/as aplicadores/as de apostilas,
provas, cumpridores/as de prazos e metas. São profissionais que paulatinamente
vem se submetendo às regras estafantes de um sistema de ensino cada vez mais
perverso, que converte escolas em empresas, estudantes em consumidores,
professores/as em trabalhadores/as alienados/as, meros repassadores de
informações prontas sem qualquer criticidade.
É um
novo modelo de educação pública que deverá atender as necessidades específicas do
mercado, qualificando jovens trabalhadores/as às funções diversas e de baixo
custo orçamentário. Por que razão investimentos em professores mestres e
doutores em escolas públicas de educação básica se a demanda estudantil tem por
objetivo ascender rapidamente ao mercado laboral para subsistir.
Talvez
seja esse um dos motivos do escasso número de profissionais com tais
habilitações atuando na rede estadual de ensino. Com base nesses pressupostos as escolas que
tiveram bons índices nos diversos sistemas avaliativos como o IDEB, PISA, ENEM,
entre outros, serão agraciadas com repasses extras de recursos. Os/as
professores/as serão submetidos à mesma lógica, com a concessão de bônus
adicionais aos salários. O oposto também é verdadeiro. Escolas que não cumprirem
ou não estiverem em conformidade com tais políticas serão advertências ou até
mesmo penalizadas financeiramente podendo resultar no fechamento da
instituição. Essa prática competitiva neoliberal já vem se convencionando
normal nas diferentes unidades de ensino distribuídas nos vários municípios e
estados da federação.
Porém, é no sistema de ensino municipal que se
constata o descalabro dos administradores, secretários e gestores de escolas no
uso de artimanhas e promessas descabidas para elevar o número de matrículas das
escolas que resultará no maior repasse de recursos do FUNDEB. Há casos em que o
próprio administrador público, quando entrevistado em uma rádio, relatou que os/as
estudantes da rede municipal tem tido melhores desempenhos em provas de acesso
a cursos subseqüentes que os estudantes da rede estadual. Nas entrelinhas, os
planos nacional, estaduais e municipais de educação escondem seu verdadeiro
objetivo que é consolidar um novo modelo de escola empresa, numa perspectiva de
gestão de excelência.
Muito
longe do discurso falacioso e demagógico dos seus protagonistas que insistem
tentando convencer o público de que o plano defende a universalidade, a
igualdade, os interesses gerais e objetivos emancipatórios. Realmente não assegura tais direitos, pois
segundo estatísticas, do total das escolas públicas de ensino básico
brasileiro, apenas 0,6% delas têm infraestrutura próxima ao padrão mínimo para
escolarização. Ou seja, são escolas que oferecem bibliotecas, laboratórios e
outros recursos necessários ao bom desempenho das habilidades intelectuais. Por
fim, 44% contam apenas com água encanada, energia elétrica, cozinha, e outros
poucos equipamento necessário.
Prof.
Jairo Cezar
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