UM OLHAR ATENTO ACERCA DOS PROBLEMAS DA ÁGUA NO BRASIL E NA REGIÃO QUE INTEGRA A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO ARARANGUÁ
As últimas estiagens ocorridas no
sul do Brasil, em especial na região do vale do Araranguá, entre os anos de 2011
a 2012 serviu de alerta para mostrar a todos (as) de que a água é um recurso
mineral finito e indispensável à sobrevivência animal, que persistindo as práticas
equivocadas quanto ao seu manejo e do próprio solo, a próxima estiagem certamente
pode se prolongar por vários anos, proporcionando conflitos generalizados pela
disputa desse mineral. Para ilustrar, no ano de 2012 ocorreram no Brasil, envolvendo
19 estados, 115 conflitos relacionados com a água e que totalizaram 184.925
pessoas envolvidas.
O que gerou espanto e preocupação por parte da
população da região do vale do Araranguá, no período da estiagem, habituada com
a abundância das chuvas nos últimos tempos, foi à redução significativa dos níveis
dos mananciais de abastecimento público como a Barragem do Rio São Bento no
município de Nova Veneza e a secagem completa de poços e aquíferos
subterrâneos, levando algumas prefeituras a decretarem situação de emergência, forçando-as
a recorrerem a carros pipas para atender as comunidades rurais que foram as mais
afetadas.
O drama da falta d’água sentida na
região sul contribuiu para refletir sobre erros que vem sendo cometidos acerca
do seu uso e principalmente o modo pelo qual o solo está sendo manejado para uso
agrícola. A rizicultura de irrigação e a fumicultura se tornaram nas últimas
décadas nas principais atividades econômicas de vários muitos municípios da
região sul de Santa Catarina. A cultura do arroz irrigado é sem sombra de
dúvidas a atividade que vem gerando discussões acaloradas quanto ao seu manejo,
demandando volumes elevados de água especialmente na estação cuja incidência de
chuvas é menor. Motivada pelos preços atrativos pagos ao produtor, a cada ano vastas
áreas de várzeas são ocupadas por novas plantações e cuja captação da água é
proveniente dos afluentes e subafluentes do Rio Araranguá. O agravante é que tal cultura continua adotando
práticas ainda danosas ao ecossistema como uso indiscriminado de herbicidas e
outras substâncias tóxicas que contaminam as águas superficiais e as
subterrâneas que abastecem os aqüíferos.
Com base em relatórios de análises realizadas
pelo SAMAE acerca da qualidade das águas subterrâneas do município de
Araranguá, entre os anos de 2006 a 2010, chegou-se a conclusão assustadora de
que a água oriunda do subsolo consumida por expressiva parcela da população apresenta
altos níveis de contaminação por metais pesados como manganês, alumínio, ferro
e nitrato. A presença desses elementos e de outros não investigados, acima dos
níveis aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde, serve de alerta para que
as autoridades do município adotem medidas emergenciais visando identificar os
fatores que levaram e ainda levam sua contaminação. Em relação aos efeitos
desses metais pesados ao organismo humano recomenda-se ler o artigo elaborado
pelo professor Jairo Cezar “mananciais subterrâneos de Araranguá estão
contaminados”
http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com.br/2011/06/aguas-subterraneas-de-ararangua-estao.html,
para conhecer mais acerca dos riscos à saúde que estão submetidas às populações
quando ingerem tal líquido.
Especula-se que o problema da
contaminação dos lençóis subterrâneos tenha alguma relação com a própria
constituição geomorfológica da região, ou seja, o tipo de rocha existente ou a
presença de matéria orgânica em decomposição nos limites do aqüífero. Para
resolver o problema da contaminação por alguns desses metais, a recomendação de
profissionais entendidos do assunto é rebaixar ainda mais poços de modo que
ultrapassem as camadas de rochas possivelmente responsáveis pela contaminação. A
hipótese de ser a estrutura geológica do município responsável pela
contaminação dos aquíferos é questionada por ambientalistas e pesquisadores.
Admitir que o problema seja resultante da disfunção físico/química do próprio solo,
excluem do debate outros fatores como o antrópico/ação humana, que progressivamente
vem recebendo solidariedade de expressiva parcela da sociedade.
A causa antrópica realmente tem que
ser considerada, pois nota-se que no relatório, a presença de nitrato na água é
mais freqüente nas áreas rurais, especialmente em solos arenosos utilizados na
cultura do fumo. Desconsiderar tais
informações por parte das autoridades ligadas à saúde do município é se colocar
a margem de um problema que, com razão, pode também estar relacionado ao
agravamento de doenças degenerativas e cardiovasculares cujos índices.
Embora o relatório com as amostras
de contaminação tenha sido divulgado em 2011, não há informações de que tenha
havido manifestações do poder público na solução do problema. Portanto, é
recomendável que cidadãos e cidadãs que captam a água para o consumo do subsolo
através de ponteiras e poços, façam análises periódicas da mesma para verificar
a existência de metais pesados ou outras substâncias contaminantes.
O problema da água não é
exclusividade da região do vale do Araranguá e nem a cultura do arroz e do fumo
são consideradas as principais vilãs. A questão é mais complexa e deve ser
tratada com prioridade envolvendo gestores públicos e a sociedade civil
organizada de modo a buscar soluções conjuntas acerca do manejo e uso
sustentável desse recurso. A proposta de integrar governantes e a
sociedade civil no debate de políticas ligadas a questões ambientais, cada vez
mais vem demonstrando que tais iniciativas continuam ainda muito aquém do
esperado. Isso ocorre devido ao modelo desenvolvimentista que está sendo adotado
no Brasil, pautado em políticas públicas cujo montante dos recursos orçados são
direcionados para grandes obras de infraestrutura como hidrelétricas ou médias
barragens como a do Rio do Salto, no município do Timbé do Sul, cujo projeto se
arrasta a mais de trinta anos envolto de incertezas.
Além dos conflitos pelo uso da água
que se expande no sul de Santa Catarina, em âmbito nacional o destaque é a
alteração do fluxo normal do Rio Xingu com a instalação da Hidrelétrica de Belo
Monte, no Pará, que está alterando todo um ecossistema, levando a extinção de
centenas de espécies da fauna e flora local, sem contar o impacto social nas
comunidades tradicionais que habitam essas terras há séculos.
Outro caso emblemático e exemplo de
desperdício de dinheiro público é o controverso projeto de transposição do Rio
São Francisco, cuja versão oficial é levar água do São Francisco para atender
as populações do semi-árido nordestino afetadas pela estiagem. A justificativa não
oficial dá conta de que os recursos disponibilizados superiores a cinco bilhões
de reais são apenas para obras infraestruturais como construção de túneis e
desvios de morros para atingir os grandes açudes de região. O que não é
divulgado pela mídia são as falhas grotescas que estão sendo cometidas na
execução da obra como traçados mal feitos, túneis construídos em locais e que
deveriam ser em outros, etc., etc.
A conclusão da primeira parte do
projeto, cuja meta seria para 2014, tudo indica que dificilmente será entregue
em tempo hábil. A obra de transposição, de acordo com informações provenientes de
organizações não governamentais da região afetada está bem dizer parada devido
a não transferência de recursos federais para as empreiteiras responsáveis
pelos lotes, sendo a justificativa apresentada são as grandes obras para a copa
do mundo de 2014.
Se já há problema para a conclusão
da primeira etapa do projeto que é levar água até os grandes açudes, como
ficará a próxima etapa, cuja finalidade é transportá-la até os açudes, às
cidades e as áreas rurais? A dúvida é lançada porque essa fase não está
incluída no orçamento inicial, devendo passar por um novo processo tanto de
licitação como de avaliação orçamentária.
Como se vê, o desrespeito das autoridades
governamentais e dos representantes do capital com o líquido sagrado (água) é
imenso. O fato marcante do século XXI no Brasil, que provocou indignação por
parte da sociedade, organizações não governamentais e comunidades científicas
foi a aprovação da lei do novo Código Florestal, cujo texto, de forma
explícita, procura institucionalizar a ilegalidade no campo, flexibilizando as
regras ambientais anistiando os desmatadores e abrindo caminhos para a expansão
do agronegócio.
O que se constata analisando as
políticas públicas implantadas pelos últimos governos brasileiros é o processo
perverso de entrega do que resta do setor público à iniciativa privada, em
especial o controle da água. Quando se observa projetos faraônicos e
bilionários que estão em execução como as inúmeras hidrelétricas e a transposição
do rio São Francisco, se tem certeza de que tais empreendimentos terão o
controle da iniciativa privada. Portanto, a água deixará de ser um bem público
e garantido constitucionalmente a todos, transformando em mercadoria que visa o
lucro.
É preciso combater incisivamente
esta cultura privatista que está sendo inculcada pela mídia conservadora com
pretexto de desmoralizar tudo o que é público, fazendo acreditar que
transferindo à iniciativa privada como o controle dos portos, a extração de
recursos minerais, a produção de energia elétrica e distribuição da água, tais serviços
serão melhorados e com taxas menores pagas pela população.
A água, como um recurso mineral essencial
à vida não poderia estar sendo tratada da forma tão irresponsável como ocorre.
A mudança de comportamento quanto ao seu uso deve ser intensificada. Além do
mais deve ser compreendida como alimento sagrado, fonte da vida para todas as
espécies vivas. Para concluir, é imprescindível levar a sério o que dizem as
avós anciãs das diferentes culturas tradicionais espalhadas pelo planeta sobre
a água. Na fala de cada uma delas pertencente
aos grupos Omyone Gabão, África; Chayene/Arapaho – Montana/EUA; Céu do mapiá –
Amazonas/Brasil; Mazateca, oaxaca/México; Tupi-Guarani/Brasil, entre outras, deixa
claro que somos gerados no útero de uma mulher, uma bolsa repleta de água, no
qual ficamos nove meses protegidos pelo seu fluído. A terra, portanto deve ser
comparada a um útero cujo líquido sagrado, a água, fonte de vida, merece todos
os cuidados como se fosse um bebê.
Prof. Jairo Cezar