segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

 

APROVAÇÃO ESCANDALOSA DO PL 2159/2021, DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL, E SEUS EFEITOS PERVERSOS PARA OS FRÁGEIS ECOSSISTEMAS

http://aduff.org.br/site/index.php/notocias/noticias-2025/item/6772-camara-dos-deputados-aprova-pl-da-devastacao-na-calada-da-noite




Em julho postei texto no meu blog tratando sobre a aprovação no congresso do projeto de lei n. 2.159/2021 que flexibiliza os programas de licenciamento ambientais. Destaquei que a aprovação do PL era um dos maiores retrocessos da nossa história, que para o mundo o ato representava um escândalo, pelo fato de quatro meses depois da aprovação, em novembro, o Brasil sediaria a COP-30, para discutir o clima no planeta. Graças a forte pressão de setores ligados ao meio ambiente e da população em geral, o presidente Lula vetou 63 pontos do projeto, e cuja expectativa agora era saber se o congresso nacional manteria ou derrubaria os vetos do presidente.

Passado uma semana da COP-30, veio a decepção, o congresso derrubou quase todos os vetos, mantendo, por enquanto, somente os dispositivos referentes a Licença Ambiental Especial – LAE, cuja redação precisa ser melhorada para entrar em votação. De certo modo não alimentava qualquer expectativa de que os vetos do presidente pudessem serem mantido, isso pelo fato da configuração do atual congresso nacional, dominando por negacionistas que representam setores interessados e expandir seus negócios sobre áreas protegidas, terras indígenas, quilombolas, etc.

O projeto aprovado retira poderes de órgãos ambientais como o IBAMA que é responsável pela autorização ou proibição de obras de elevado risco ambiental. Além da perda de autoridade do órgão ambiental federal, o PL, retira todo o poder Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, órgão representado pelas entidades ambientais, científicas e governamentais nas discussões sobre demandas ambientais. Com a nova legislação, os licenciamentos de projetos de baixo e médio impacto, o empreendedor pode agora fazer o auto licenciamento, ou seja, ele próprio, constrói o documento se responsabilizando no cumprimento dos dispositivos presentes no texto. É como se um paciente o prescrevesse o tratamento de uma doença, dispensando o médico.

O momento em que estamos passando de mudanças climáticas extremas onde o que mais se discute é o fim do desmatamento ilegal e a redução dos gases do efeito estufa, a aprovação da PL do licenciamento escancara a porteira da devastação e o agravamento dos episódios climáticos extremos. O Rio Grande do Sul, com as enxurradas de em 2024 e o Paraná, com tornado que devastou o município de Rio Bonito do Iguaçu, são dois acontecimentos que deveriam estar na mente dos deputados que votaram contra o presidente, quando derrubaram os vetos.

Entregar para particulares ou até mesmo autorizar órgãos ambientais e estaduais que se responsabilizem por conceder licenciamentos de obras de médio impacto ambiental, é o mesmo que deixar raposas cuidando do galinheiro. No caso de SC, as fundações ambientais, seus superintendentes são indicações políticas, também não é diferente no Instituto do Meio Ambiente do estado, cujo chefe da pasta é indicado pelo governador. Será que irá prevalecer a imparcialidade, a isonomia dos técnicos, no momento que estiver sendo estudos de viabilidade das obras?

Um exemplo que me veio na memória é a tão badalada obra de fixação da barra do rio, que volta e meia, o assunto vem a público. É de conhecimento da sociedade que a proposta de fixação foi embargada pelo órgão federal há cerca de 10 anos por constatar que o projeto apresentava uma série de incongruências técnicas. Além do mais a ideia de fixação não resolveria o principal problema, as cheias, apenas minimizaria os seus efeitos. Na época, o projeto colocou em posições opostas duas comunidades, Ilhas e Morro Agudo, ambas próximas por laços de sangue, que passaram a se rivalizar disputando o local onde seria fixado a barra.

Claro que estavam por trás desse imbróglio setores empresariais, interessados que a obra fosse bem ao sul, nas proximidades do Morro Agudo. Por que do interesse? Se deve ao fato de tais empresários serem proprietários de quase toda a área e que com a fixação haveria uma forte valorização desses espaços. Além do mais, projeto como marinas, entre outros empreendimentos, seriam edificados priorizando um segmento altamente elitizado.

Quem transita pelo trecho entre as duas comunidades vai perceber a quantidade de obras de infraestrutura em execução. O que chama atenção é que o trecho é constituído por uma densa vegetação ciliar e que está sendo suprimida para dar lugar a aterros gigantes. Por que tanta obra em execução, mesmo sem ter a certeza da fixação da barra? Primeiro motivo é porque está em fase de conclusão os trâmites do licenciamento para a construção da ponte ligando as comunidades de Morro dos Conventos e Hercílio Luz; segundo, tramita no imaginário social, principalmente do setor empresarial, que com a abertura do canal para o escoamento da água do rio, que se manteve “permanente” em frente ao Morro Agudo, há fortes expectativas que obra de fixação da barra possa se concretizar.

É aqui que entra o PL 2.159/2021. Como relatei anteriormente, o projeto de fixação discutido em 2012 passou por todas as etapas, estudos, audiências públicas, sempre monitorado pelo órgão ambiental federal, que tomou a decisão pelo embargo da obra. Com a aprovação do PL do licenciamento, obras dessa magnitude como de tantas outras na faixa costeira catarinense e do município de Araranguá, os estudos de viabilidade poderão ser de responsabilidade do órgão ambiental municipal (FAMA) ou estadual (IMA). Em casos mais específicos, quando for de menor impacto, nem o municipal e nem o estadual, o próprio empreendedor pode ele mesmo fazer uma autodeclaração e ter a autorização para a execução de obras de seu interesse.

Mesmo com regras ambientais mais rígidas ainda valendo, observando o cenário da comunidade do Morro Agudo, o que se nota é a já flexibilização das regras ambientais, no que tange aos licenciamentos para terraplanagem. Acredito que qualquer atuação em áreas de APP/mata ciliar, os licenciamentos só seriam aprovados quando fossem para empreendimentos de interesse público, que penso que não é o caso dos inúmeros projetos licenciados naquela comunidade.

O que se observa é que em alguns pontos onde não há mata ciliar e que recebeu aterro para a construção de decks ou marinas, as últimas enxurradas já provocaram forte erosão no barranco do rio. É possível que a abertura do canal para agilizar a vazão do rio esteja contribuindo para o processo erosiva, e que isso deveria ser considerado técnicos como fator negativo, impedindo o licenciamento.  Outro aspecto importante que o órgão ambiental municipal de Araranguá e o poder público teriam que também considerar nos licenciamentos, é o Decreto Municipal de 2016 que criou a RESEX, cuja finalidade é desenvolver a pesca artesanal sustentável no trecho do rio a partir da balsa, até a foz, nas proximidades da barra velha.

Outro detalhe importante que já relatei em outros textos postados nesse blog acerca do decreto 7830/2016, relativo a RESEX. O art. 6 está assim redigido no decreto: empreendimentos ou atividades sujeitos ao licenciamento ambiental, com impactos diretos à RESEX do Rio Araranguá, deverão indenizar os impactos gerados por meio de compensação ambiental à mesma, com custos entre cinco a dez por cento dos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão gestor de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. Os recursos arrecadados serão investidos em recursos humanos, bem e materiais necessários para a implementação, manutenção e gestão da unidade.

Esse artigo, portanto, deve ter sido um dos fatores relevantes de o poder público de Araranguá não ter dado prosseguimento as etapas de execução da unidade de conservação. De fato, se tivesse já funcionando a RESEX, todas as obras de infraestrutura em execução da balsa a comunidade de ilhas, o grupo gestor da unidade teria direito em receber os percentuais obrigatórios das respectivas obras como medidas compensatórias.  A obra da ponte que está em processo de licenciamento, orçada em mais de 30 milhões de reais, cinco ou dez por cento desse montante, teria que obrigatoriamente ser repassada para a RESEX.

Um elemento positivo acerca do decreto dá RESEX é que ele continua valendo, não foi suprimida, a exemplo do decreto da APA, e nem reduzida a área de abrangência, como do Unidade de Conservação, Monumento Natural Morro dos Conventos UC-MONA, que passou de 280 ha para 81ha. Para salvar as comunidades do Morro Agudo e de Ilhas dos episódios climáticos extremos e da ganância do mercado imobiliário, o único caminho que temos é fazer valer reserva extrativista – RESEX.    

Prof. Jairo Cesa