A MORTE COMO PURIFICAÇÃO DO PAÍS: A
SALVAÇÃO PELA BALA
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/30/mortos-em-operacao-chegam-a-121-e-governos-federal-e-do-rio-criam-escritorio-de-combate-ao-crime-organizado-entenda.ghtml
Como havia escrito no último texto
postado no meu blog sobre a Casa Grande e Senzala, que permanece ilesa no
cotidiano brasileiro e cujos reflexos são vistos nos morros do Rio de Janeiro e
de outros estados, como uma grande senzala a céu aberto, a operação da polícia
da cidade do Rio, no dia 29 de outubro, que matou mais de 100 suspeitos de
integrarem o Comando Vermelho e quatro policiais, se caracterizou como sendo a
mais letal da história daquele estado.
Como historiador, sempre defini a
cultura da violência no Brasil, à formação do nosso território, forjada pela
espoliação da metrópole portuguesa e o trabalho escravo. As políticas que
privilegiaram as elites da época colonial, passando pela monarquia e a república,
resultaram no que vemos hoje, quase duas mil favelas na cidade do rio, entre
outras milhares, distribuídas em todo o território nacional. Nesses lugares,
muitos dos que ali habitam, são descendentes de escravos, expulsos das
fazendas, da casa grande, após a lei Áurea, que aboliu a escravidão, sem que o
abolido tivesse direito a um pedação de terra ou outra forma de indenização por
parte do Estado brasileiro.
Os morros, paulatinamente foram
sendo tomados por esse imenso exército de reserva do capital, com a ausência ou
presença mínima do Estado, assegurando serviços como saneamento básico,
educação, lazer, segurança etc. Durante a guerra de Canudos, na Bahia, escravos
libertos do Rio de Janeiro foram recrutados para lutarem contra o exército de
Antônio Conselheiro, líder do reduto de Canudos, com a promessa de que,
vitoriosos, seriam agraciados com terra no Rio de Janeiro. Nada do que havia
sido prometido foi cumprido, portanto, agora sem-terra e sem trabalho, os
recrutados que lutaram em canudos, tiveram como destino os morros do rio, onde
deram origem as favelas.
Um aspecto importante em relação a
capital fluminense, é que foi o município que mais recebeu escravos libertos do
planeta depois da abolição da escravatura. Vieram escravos libertos da região
canavieira de Campos dos Goitacazes, norte do estado; da região do Vale do Paraíba,
das fazendas de café, e por último, de Parati e seu entorno, envolvidos na lida
do ouro, oriundo das Minas Gerais. O ouro era transportado em lombos de mulas, e
posteriormente embarcados em navios no porto de parati e cujo destino era a
Europa. Agora imagina, todo esse povo migra para a área urbana do Rio, vindo a
formar o que é hoje a cidade do Rio de Janeiro, com quase duas mil favelas com
todas as carências inimagináveis.
Com o tempo toda essa região desassistida pelo
Estado tende a se transformar em um campo atrativo para o crime organizado, as
facções, as milícias, das quais vão exercer forte poder, uma espécie de Estado
paralelo dentro do próprio Estado. É claro que a existência e a permanência
desse sistema de governo não oficial, não germina sem a colaboração do próprio Estado.
Há pouco tempo o estado do Rio de Janeiro teve quatro governadores presos ou
afastados, acusados de corrupção, entre outros crimes.
A corrupção está presente em quase
todos as esferas das instituições no estado fluminense, está na polícia, na
ALERJ, na câmara municipal etc. Um exemplo claro de que há corrupção nas
instituições, porém, quem delata pode estar assinando o atestado de óbito, foi
o assassinato da vereadora Marielle Franco, do partido PSol, cujos mandantes
foram os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o primeiro deputado estadual, e o
segundo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
Quem tem um pouco mais de
esclarecimento e vê o mundo de um ponto de vista mais crítico e não passional,
sabe que a ação adotada pelo governo do estado, Cláudio Castro, que matou
quatro policiais e mais de 120 ditos bandidos do Comando Vermelho, não
resolverá o problema da violência nos morros do Rio. O fato é que o centro do
problema no Rio, está fora, a droga e o armamento vêm de outros lugares, os chefões
do tráfico não foram mortos, foram os varejistas, bucha de canhão dos “grandes
tubarões”, os traficantes.
A cena perturbadora de dezenas de
cadáveres recolhidos da mata e das vielas colocados um ao lado do outro em uma
rua na cidade do rio, dá uma dimensão de como foi o “enfrentamento” entre os
ditos bandidos e a polícia. O que está havendo agora é uma guerra de narrativas
envolvendo o governo do estado do Rio e o executivo federal. O governo Cláudio
Castra responsabiliza o presidente por não ter atendido solicitação do envio de
força federal para ajudar a polícia na ação nos morros. É sabido que segurança pública é de
responsabilidade dos estados. O fato é que o governo fluminense recusou receber
quase duzentos milhões de reais do fundo de segurança pública do governo
federal. Então, quem está falando a verdade?
O que ficou explícito no ato de
terça-feira foi de ter o governador tomado a decisão da invasão no Complexo da Penha
como uma ação política eleitoreira, com vistas a candidatar-se ao senado
federal na eleição de 2026. Essa política de execução sumária praticada pelo
governo do estado do rio, não teria relação com o projeto de lei estadual n.
6.027/25, aprovado por 40 votos a 15 na ALERJ, com o objetivo de estruturar a
Polícia Civil? O que se discute é a
emenda incluída no projeto, que garante gratificação adicional de até 150% por “atos
de bravura”. A proposta de gratificar o militar fluminense por corpo
abatido já havia sido aplicada no governo Marcelo Alencar, entre 1995 a
1998.
O que chama a atenção nas inúmeras
reportagens já exibidas sobre a violência no Rio de Janeiro, é a quantidade de
drogas e armamento pesado que entra nesses lugares onde o tráfico ocorre. Com
tanta tecnologia de ponta disponível e a inteligência da polícia,
principalmente em escala federal, como não rastrear e interceptar o
deslocamento desses armamentos, a partir das fronteiras do território
brasileiro. Não acontece porque tem muita gente graúda envolvida, e cujo
dinheiro ganho nesse esquema ilícito é o que vai financiar campanhas de
candidatos as cadeiras do congresso, das assembleias legislativas e câmaras
municipais. Sobre a estratégia de atacar o tráfico pela raiz, foi o que ocorreu
há poucos dias, quando foi desbaratado esquema no coração financeiro de São
Paulo, na Faria Lima, onde bilhões de reais do tráfico eram esquentados por
meio do capital financeiro.
Desde o instante que o governo Lula
recebeu elogio do líder norte americano, Donald Trump, a extrema direita
brasileira entrou num processo de letargia política, fato que vinha reduzindo
as chances de sucesso eleitoral em 2026. A ação da polícia no Rio de Janeiro,
com mais de 120 mortes, caiu como uma luva para o bolsonarismo de extrema
direita. A partir desse momento a segurança pública passou a ser o assunto
principal em todos os meios de comunicação, principalmente na grande mídia.
Analisando alguns sites que lançaram pesquisa de opinião pública sobre a postura
do governador do Rio em deliberar ação que matou mais de uma centena de ditos
traficantes e quatro policiais, é assustador o percentual de pessoas que parabenizaram
o governador, classificando-o como um herói.
Quase sempre a opinião pública
sobre certos fatos, especialmente atos violentos como o que aconteceu no
Complexo da Penha, podem ser manipulada, direcionada de tal foram que o
resultado seja exatamente o que se deseja. A construção do discurso do herói e
do bandido sempre fez parte da nossa cultura, pois basta prestar a atenção nos
nomes de grandes rodovias, monumentos, ruas e avenidas dos municípios
brasileiros. Muitos dos homenageados foram frios matadores de índios,
torturadores assassinos, porém seus nomes são lembrados como heróis.
É possível que no futuro, pesquisas
possam revelar o que de verdade ocorreu no complexo do alemão e da penha onde
quatro policiais e 121 “traficantes” foram mortos em confronto com a polícia. Foi
de fato uma chacina como atribui certos segmentos da sociedade ou legitima
defesa, justificativa essa defendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro?
Prof. Jairo Cesa
https://sinpol.org.br/home/home/noticia/joao-b-damasceno-gratificacao-da-politica-de-extermino
https://diplomatique.org.br/a-injusta-guerra-de-narrativa-sobre-a-chacina-no-rio/
https://diplomatique.org.br/a-chacina-do-rio-como-climax-das-narrativas-da-extrema-direita/