sábado, 1 de novembro de 2025

 

A MORTE COMO PURIFICAÇÃO DO PAÍS: A SALVAÇÃO PELA BALA

https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/30/mortos-em-operacao-chegam-a-121-e-governos-federal-e-do-rio-criam-escritorio-de-combate-ao-crime-organizado-entenda.ghtml


Como havia escrito no último texto postado no meu blog sobre a Casa Grande e Senzala, que permanece ilesa no cotidiano brasileiro e cujos reflexos são vistos nos morros do Rio de Janeiro e de outros estados, como uma grande senzala a céu aberto, a operação da polícia da cidade do Rio, no dia 29 de outubro, que matou mais de 100 suspeitos de integrarem o Comando Vermelho e quatro policiais, se caracterizou como sendo a mais letal da história daquele estado.  

Como historiador, sempre defini a cultura da violência no Brasil, à formação do nosso território, forjada pela espoliação da metrópole portuguesa e o trabalho escravo. As políticas que privilegiaram as elites da época colonial, passando pela monarquia e a república, resultaram no que vemos hoje, quase duas mil favelas na cidade do rio, entre outras milhares, distribuídas em todo o território nacional. Nesses lugares, muitos dos que ali habitam, são descendentes de escravos, expulsos das fazendas, da casa grande, após a lei Áurea, que aboliu a escravidão, sem que o abolido tivesse direito a um pedação de terra ou outra forma de indenização por parte do Estado brasileiro.  

Os morros, paulatinamente foram sendo tomados por esse imenso exército de reserva do capital, com a ausência ou presença mínima do Estado, assegurando serviços como saneamento básico, educação, lazer, segurança etc. Durante a guerra de Canudos, na Bahia, escravos libertos do Rio de Janeiro foram recrutados para lutarem contra o exército de Antônio Conselheiro, líder do reduto de Canudos, com a promessa de que, vitoriosos, seriam agraciados com terra no Rio de Janeiro. Nada do que havia sido prometido foi cumprido, portanto, agora sem-terra e sem trabalho, os recrutados que lutaram em canudos, tiveram como destino os morros do rio, onde deram origem as favelas.

Um aspecto importante em relação a capital fluminense, é que foi o município que mais recebeu escravos libertos do planeta depois da abolição da escravatura. Vieram escravos libertos da região canavieira de Campos dos Goitacazes, norte do estado; da região do Vale do Paraíba, das fazendas de café, e por último, de Parati e seu entorno, envolvidos na lida do ouro, oriundo das Minas Gerais. O ouro era transportado em lombos de mulas, e posteriormente embarcados em navios no porto de parati e cujo destino era a Europa. Agora imagina, todo esse povo migra para a área urbana do Rio, vindo a formar o que é hoje a cidade do Rio de Janeiro, com quase duas mil favelas com todas as carências inimagináveis.     

 Com o tempo toda essa região desassistida pelo Estado tende a se transformar em um campo atrativo para o crime organizado, as facções, as milícias, das quais vão exercer forte poder, uma espécie de Estado paralelo dentro do próprio Estado. É claro que a existência e a permanência desse sistema de governo não oficial, não germina sem a colaboração do próprio Estado. Há pouco tempo o estado do Rio de Janeiro teve quatro governadores presos ou afastados, acusados de corrupção, entre outros crimes.  

A corrupção está presente em quase todos as esferas das instituições no estado fluminense, está na polícia, na ALERJ, na câmara municipal etc. Um exemplo claro de que há corrupção nas instituições, porém, quem delata pode estar assinando o atestado de óbito, foi o assassinato da vereadora Marielle Franco, do partido PSol, cujos mandantes foram os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o primeiro deputado estadual, e o segundo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Quem tem um pouco mais de esclarecimento e vê o mundo de um ponto de vista mais crítico e não passional, sabe que a ação adotada pelo governo do estado, Cláudio Castro, que matou quatro policiais e mais de 120 ditos bandidos do Comando Vermelho, não resolverá o problema da violência nos morros do Rio. O fato é que o centro do problema no Rio, está fora, a droga e o armamento vêm de outros lugares, os chefões do tráfico não foram mortos, foram os varejistas, bucha de canhão dos “grandes tubarões”, os traficantes.

A cena perturbadora de dezenas de cadáveres recolhidos da mata e das vielas colocados um ao lado do outro em uma rua na cidade do rio, dá uma dimensão de como foi o “enfrentamento” entre os ditos bandidos e a polícia. O que está havendo agora é uma guerra de narrativas envolvendo o governo do estado do Rio e o executivo federal. O governo Cláudio Castra responsabiliza o presidente por não ter atendido solicitação do envio de força federal para ajudar a polícia na ação nos morros.  É sabido que segurança pública é de responsabilidade dos estados. O fato é que o governo fluminense recusou receber quase duzentos milhões de reais do fundo de segurança pública do governo federal. Então, quem está falando a verdade?

O que ficou explícito no ato de terça-feira foi de ter o governador tomado a decisão da invasão no Complexo da Penha como uma ação política eleitoreira, com vistas a candidatar-se ao senado federal na eleição de 2026. Essa política de execução sumária praticada pelo governo do estado do rio, não teria relação com o projeto de lei estadual n. 6.027/25, aprovado por 40 votos a 15 na ALERJ, com o objetivo de estruturar a Polícia Civil?  O que se discute é a emenda incluída no projeto, que garante gratificação adicional de até 150% por “atos de bravura”. A proposta de gratificar o militar fluminense por corpo abatido já havia sido aplicada no governo Marcelo Alencar, entre 1995 a 1998.

O que chama a atenção nas inúmeras reportagens já exibidas sobre a violência no Rio de Janeiro, é a quantidade de drogas e armamento pesado que entra nesses lugares onde o tráfico ocorre. Com tanta tecnologia de ponta disponível e a inteligência da polícia, principalmente em escala federal, como não rastrear e interceptar o deslocamento desses armamentos, a partir das fronteiras do território brasileiro. Não acontece porque tem muita gente graúda envolvida, e cujo dinheiro ganho nesse esquema ilícito é o que vai financiar campanhas de candidatos as cadeiras do congresso, das assembleias legislativas e câmaras municipais. Sobre a estratégia de atacar o tráfico pela raiz, foi o que ocorreu há poucos dias, quando foi desbaratado esquema no coração financeiro de São Paulo, na Faria Lima, onde bilhões de reais do tráfico eram esquentados por meio do capital financeiro.

Desde o instante que o governo Lula recebeu elogio do líder norte americano, Donald Trump, a extrema direita brasileira entrou num processo de letargia política, fato que vinha reduzindo as chances de sucesso eleitoral em 2026. A ação da polícia no Rio de Janeiro, com mais de 120 mortes, caiu como uma luva para o bolsonarismo de extrema direita. A partir desse momento a segurança pública passou a ser o assunto principal em todos os meios de comunicação, principalmente na grande mídia. Analisando alguns sites que lançaram pesquisa de opinião pública sobre a postura do governador do Rio em deliberar ação que matou mais de uma centena de ditos traficantes e quatro policiais, é assustador o percentual de pessoas que parabenizaram o governador, classificando-o como um herói.

Quase sempre a opinião pública sobre certos fatos, especialmente atos violentos como o que aconteceu no Complexo da Penha, podem ser manipulada, direcionada de tal foram que o resultado seja exatamente o que se deseja. A construção do discurso do herói e do bandido sempre fez parte da nossa cultura, pois basta prestar a atenção nos nomes de grandes rodovias, monumentos, ruas e avenidas dos municípios brasileiros. Muitos dos homenageados foram frios matadores de índios, torturadores assassinos, porém seus nomes são lembrados como heróis.

É possível que no futuro, pesquisas possam revelar o que de verdade ocorreu no complexo do alemão e da penha onde quatro policiais e 121 “traficantes” foram mortos em confronto com a polícia. Foi de fato uma chacina como atribui certos segmentos da sociedade ou legitima defesa, justificativa essa defendida pelo governo do estado do Rio de Janeiro?

Prof. Jairo Cesa    

    

https://sinpol.org.br/home/home/noticia/joao-b-damasceno-gratificacao-da-politica-de-extermino

https://diplomatique.org.br/a-injusta-guerra-de-narrativa-sobre-a-chacina-no-rio/

https://diplomatique.org.br/a-chacina-do-rio-como-climax-das-narrativas-da-extrema-direita/

https://diplomatique.org.br/o-massacre-da-penha-e-a-necropolitica-como-politica-oficial-do-rio-de-janeiro/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-11/quase-90-dos-mortos-por-policiais-em-2023-eram-negros-diz-estudo